Herasmo Braga

Ensaísta e Professor (UESPI/UFPI)

 

O império do mundo contemporâneo com os seus relativismos sobre as coisas traz como alguns dos seus sintomas a autoconsideração de superioridades, de capacidade influenciadora, mesmo quando desprovido de qualquer conteúdo ou ideias relevantes. No mesmo aporte se evidenciam críticos peremptórios de tudo condenar, todavia, nada propõem de viável. Essa tem sido a tônica contextual da maior parte das abordagens, e o desleixo formativo e ausência de leituras/conhecimento parecem ser detalhes desconsiderados. Então, as reflexões acríticas sobre as palavras e as produções críticas se configuram como algo démodé, que nada significa.

A cada jornada dos textos apresentados, a falta de ideias e de discernimento fica mais aguda. Assim, pouco a pouco as leviandades tornam-se mais hegemônicas no campo das ideias. José Guilherme Merquior em De Praga a Paris: o surgimento, a mudança e a dissolução da ideia estruturalista discute boa parte desta enxurrada de irracionalismos teóricos, que nada fundamentam e em parte são oriundos de pensadores tidos como gurus de suprema sapiência, mesmo que oculta e/ou enigmática como Roland Barthes, Lacan e Jacques Derrida, com ideias não claras ou devidamente referenciadas, que acabam sendo apresentadas como virtudes de um conhecimento sofisticado, livre das fronteiras dos significados. Merquior apresenta-nos uma síntese para aqueles que são ou pretendem ser autores de projeção: “Exiba um método, proclame um novo paradigma teórico, popularize alguns jargões” e acrescente “mecanismos de defesa básicos das humanidades mais ‘soft’”, além de fazer “acrobacia conceitual” com “força heurística na antropologia”. Acredito que nos deparamos constantemente com muitos textos regrados por estas “pequenas dicas”, e por muitos são aclamados, validados e perpetuados.

O que poderia ser uma das referências de percurso, como se alimentar de relevantes ideias, experiências significativas a serem compartilhadas, acaba sendo algo bem menos levado em conta. Esquecemos ou não consideramos que, para se ter conhecimento, é preciso se dispor a de fato conhecer, e para conhecer, precisa-se investir, e para se investir, precisa-se ler e viver, e para se ler e viver, precisa-se ter ação e dedicação até chegar o momento da ruminância das leituras e da vida e, finalmente, chegar-se a reflexões dignas de exposição. Todavia, nem de longe esse processo é coadunado pelo conjunto de seres cognitivos. Mesmo diante deste contexto da precariedade da formação do crítico, há algo mais danoso ao processo de contribuições nos debates literários: a receptividade acrítica de teorias modistas. Teorias formuladas em outras áreas do conhecimento como a filosofia, história, antropologia, psicanálise, que chegam com poder influenciador nas abordagens literárias surpreendentes.

Muitas vezes, essas teorias de outros campos do conhecimento, ao se relacionarem na disposição para o desenvolvimento de análises de obras literárias, acabam por forçar a interpretação das produções ficcionais, chegando a distorcer por completo qualquer relação de exegese com a obra, importam tão somente para abrilhantar os seus gurus da teoria, e os seus discípulos ingênuos, desprovidos de discernimento, servem apenas para referendar teorias duvidosas. Soma-se a essa produção kitsch teórica o fato de as críticas que surgem serem de outras que contêm a mesma superficialidade e que rivalizam em termos dogmáticos e de seitas, mas não nas ideias, e sim, em busca por novos convertidos, por novos seguidores. Também temos no cerne de que nenhuma delas traz qualquer contribuição efetiva para o trilhar crítico, interpretativo e analítico para as produções literárias. São simples maneiras de tornar anônimos em seres dotados de influências para sujeitos passivos sem formação minimamente crítica.

Aos cultuadores de gurus como Roland Barthes, qual realização ou reflexão ele nos quis passar com esses conceitos: “a civilização querigmática do significado e da verdade”, formular teorias libertadoras do significante, textos legíveis e escrevíveis? Na obra O rumor da língua, que ele trata de uma das mais influenciadoras ideias no tocante à morte do autor, quando afirma: “Linguisticamente, o autor nunca é mais do que a instância que escreve, da mesma forma que eu é apenas a instância que diz eu: a língua conhece um sujeito, não uma pessoa, e este sujeito é vazio, fora da enunciação que o define”. Confessamos nada entender destas questões mencionadas, nem de outras passagens que nos debruçamos em outras obras suas. Mesmo com esforço, as coisas não fluem e ganham tônica tergiversada de se ter algo a ver e a perceber de escondido e por pouco encontrado. Mesma dificuldade temos com Jacques Derrida, tão aclamado por muitos, mas a sua guerra contra o significado, dando-o total liberdade, nos dificulta muito o entendimento das suas proposições.

Acreditamos que nossas precárias considerações a essas teorias desconstrutivistas, pós-estruturalistas, pós-modernas não se devem apenas pelo teor de nos posicionarmos melhor em outras que divergem em muito destas mencionadas. É que são tantos relativismos, ausências, fragmentos com inúmeros ineditismos conceituais desapegados de linhas tradicionais de conhecimento e até certo ponto muito autorreferenciais, que não conseguimos dialogar com outras possibilidades menos espetaculares e mais humildes nas pretensões e nos termos. Exemplo seria ao nos dedicar à exegese de textos como os narrativos. Algo óbvio e praticado há bom tempo, hoje incompatível com os hegemônicos da crítica cultural – é partir-se sempre do texto e nos guiarmos por ele. Mergulhar, portanto, em aspectos singulares e de impetuosas contribuições para as ideias que se encontram substantivadas nele. Atentar, por exemplo, em pontos considerados “insignificantes” da narrativa, no entanto, vitais para a compreensão e ligação de inúmeros teores indispensáveis, que dão a profunda dimensão da intriga desenvolvida, como bem exemplifica Eric Auerbach em Mimeses, mais precisamente no ensaio “A meia marrom”. Todos os detalhes, nas produções literárias qualificadas, expressam muito sobre a produção e realização com eficiência, o que Paul Ricoeur em Tempo e narrativa, no tomo primeiro, irá denominar de mimese III (reconfiguração do leitor), que será, em suma, as transformações nas subjetividades do sujeito diante da leitura.

Os críticos hodiernos apontam, em síntese, como características: a falta de leitura e, consequentemente, de repertório. São tomados pela vaidade romântica dos invencionismos estéreis. Adoram criar neologismos infundados para servir como prova da sua genialidade. Realizam pregações relativistas, resultado muito mais de ausência de conhecimento do que por trilhar novas maneiras de se pensar com fundamentação, ademais, produzem críticas superficiais e tendenciosas. O espírito de grandeza crítica tão espalhafatoso expressa apenas as bases teóricas infundadas. E o diálogo promovido com outras áreas é muito mais para legitimar a irracionalidade, fruto de distorções teóricas, do que algo produtivo está sendo apresentado. Todos esses aspectos e outros são facilmente encontrados, pois são os mais produzidos e os mais encontrados em relação às teorias e à crítica literária, seja ela acadêmica ou não.

Desconsiderar esse tipo de impostura intelectual através do uso de um dos métodos dos seus realizadores da não leitura para de fato não lê-los, mesmo que seja para criticá-los, pois nada de postura contrária não fará o ingênuo seguidor deixar de manter-se na ignorância no campo das ideias. Realizar, sim, leituras dos grandes textos e diante deles elaborar ideias significativas e dignas de debates, interações e exposições. Eis a postura significativa contra as teorias críticas pretensiosas.