As origens de Barras do Marataoã

JOSÉ CARVALHO DE ALMEIDA E A FORMAÇÃO HISTÓRICA DE BARRAS DO MARATAOÃ

Por Gilberto de Abreu Sodré Carvalho – especial para o Portal Entretextos

 

José Carvalho de Almeida nasceu, em 1770, no então vastíssimo município do Campo Maior do Surubim, chão que seria tempos depois do município de Barras do Marataoã. Barras era um povoado. José morreu em 16 de julho de 1869, com noventa e nove anos.

O pai de José chamava-se Antônio Carvalho de Almeida; sua mãe, Ana Maria da Conceição Rodrigues de Carvalho. Teve um irmão inteiro, Francisco Carvalho de Almeida. Antônio, pai de José, era filho de Antônio Carvalho de Almeida, o velho, e de Maria Eugênia de Mesquita Castelo Branco. Antônio, esse último, foi dos grandes proprietários e homens de poder, no final do século XVII e início do XVIII, na região que passaria a ser a capitania do Piauí, em especial na bacia do rio Longá.

A importância dos Carvalho de Almeida, no começo do século XVIII, foi maior que a de qualquer outro grupo familiar. Ocorreu de, à direita do rio Parnaíba, cinco irmãos ambiciosos, sobrinhos do famoso Bernardo Carvalho de Aguiar, se terem ajudado intensamente, sob a orientação, suponho, do referido tio Bernardo.

Eles foram, como militares: Manuel Carvalho de Almeida, lugar-tenente de Bernardo, capitão da Conquista da terra dos indígenas e grande proprietário; e Antônio Carvalho de Almeida, o velho, avô de José, acima já referido, capitão-mor e também senhor de terras e currais em abundância. A esses dois irmãos militares do rei, somavam-se três sacerdotes católicos, todos, em simultâneo, vigários, ou seja, condutores espirituais e temporais de vastas circunscrições de terras e de gente. Eram eles: o festejado padre Miguel de Carvalho, cronista primeiro do Piauí; o padre Tomé de Carvalho e Silva e o padre Inocêncio Carvalho de Almeida.

Os cinco eram filhos de Belchior Gomes da Cunha e de Isabel Rodrigues. O apelido Carvalho parece lhes ter vindo do tio Bernardo, ao menos é o que me faz sentido, até onde pude pesquisar e fazer hipótese. O apelido Cunha (de Belchior Gomes) parece ligar-se aos Castelo Branco, desde Portugal. Assim, os casamentos dos Carvalho de Almeida (Manuel e Antônio) com moças de apelido Castelo Branco resultam de afinidade por parentesco já existente em Portugal.

José é meu quarto-avô em linha masculina contínua. Tinha sobrenome duplo, Carvalho e Almeida. O primeiro é a referência mais forte. Almeida reportava-se a cidade desse nome, em Portugal, tratando-se de uma indicação de origem, mas não de um apelido familiar. O mesmo se aplica a Bernardo Carvalho de Aguiar, em que de Aguiar é referência a uma vila de origem, no norte de Portugal.

José, aos 23 anos, alistou-se na Infantaria de Milícias. Era ainda o tempo da colônia, ano de 1793. Esteve em ação de campo por várias vezes, na consolidação da dominação colonial portuguesa. Em 1815, foi feito oficial e, em 1824, capitão. Por muitos anos, foi coronel da Guarda Nacional, no tempo do Império do Brasil. Foi ainda deputado provincial e presidente da Câmara Municipal de Campo Maior. Como homem de posses do seu tempo, foi, é o que parece, protetor dos costumes e da submissão à Igreja e a seus preceitos.

Era primo do notável Leonardo da Nossa Senhora das Dores Castelo Branco, uma vez que os dois foram netos, pelo lado masculino, de Antônio Carvalho de Almeida, o velho.

Cabe cuidar da formação histórica do município de Barras do Maratoã. Importa fazê-lo para mostrar como José Carvalho de Almeida tem a ver com o assunto.

Em meados do século XVIII, o coronel Miguel Carvalho de Aguiar, filho de famoso Bernardo, e assim parente do nosso José, começou a construir uma capela em louvor de Nossa Senhora da Conceição, nas terras da sua fazenda Buritizinho, em meio à povoação nascente chamada “das Barras”.

Em 1759, sendo então terminada a capela em louvor de Nossa Senhora da Conceição, a fazenda Buritizinho passa a ser propriedade de Manuel da Cunha Carvalho, que se casara com sua prima residente no Piauí, de nome Isabel da Cunha e Silva Castelo Branco, filha de Manuel Carvalho de Almeida, referido acima, e de Clara da Cunha e Silva Castelo Branco. É provável que Manuel da Cunha Carvalho tenha sido titular da fazenda Buritizinho por conta de sua mulher e prima Isabel, a ter recebido de seu pai Manuel Carvalho de Almeida. É o que faz sentido, em vista de a região ter sido, de primeiro, ocupada por Manuel Carvalho de Almeida.

Quando da morte de Manuel da Cunha Carvalho e de sua esposa Isabel da Cunha e Silva Castelo Branco, no mesmo ano de 1776, sem filhos, a fazenda Buritizinho e mais terras passaram ao sobrinho de Manuel, de nome Manuel José da Cunha.

Para mais emaranhar a estória, esse Manuel José casou-se com uma prima, Inácia Teresa Pereira Castelo Branco, filha de Francisco da Cunha e Silva Castelo Branco (filho de Manuel Carvalho de Almeida) e de Ana Rosa Pereira Teresa do Lago (filha de Antônio Carvalho de Almeida, o velho). Ou seja, Inácia era filha de pai e mãe que eram primos primeiros, e prima do nosso José, esse também neto de Antônio Carvalho de Almeida, o velho.

Manuel José e Inácia não tiveram filhos. Inácia morreu em 1802 e Manuel José, em 1804. Por testamento e atos paralelos, estando doente, logo antes de sua morte, Manuel José nomeou procurador e administrador de seus bens ao seu parente Francisco Borges Leal Castelo Branco, marido e primo de Teresa Rosa do Lago Castelo Branco, irmã inteira de sua mulher Inácia.

Não está claro, mais é de se entender, que a fazenda Buritizinho, que circundava a povoação de Barras, foi passada a Teresa Rosa, irmã inteira de Inácia, ficando seu marido Francisco como procurador e administrador enquanto Manuel José vivesse. Outra sucessora de Manuel José e Inácia foi, assumo, a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, a qual foi a mantenedora da igreja, sob a orientação de Francisco Borges Leal Castelo Branco.    

Fato é que, Francisco Borges Leal Castelo Branco e Teresa Rosa do Lago Castelo Branco têm uma filha, a quem chamam Francisca, que vai assumir, em documentos, o nome inteiro Francisca Castelo Branco. Ela se casa com o nosso José Carvalho de Almeida.

Como era de se esperar, José Carvalho de Almeida, por efeito de ser casado com Francisca se torna dono da fazenda Buritizinho e responsável, autoassumido, pela vila e pela igreja de Nossa Senhora da Conceição, pelo fato de suas terras as circundarem. Pelo que se sabe, apega-se à igreja, como devoto. Isso tudo ocorre por volta de 1819. 

Em 1831, José inicia a construção de uma nova igreja para ser a matriz de Barras, em lugar da igreja de Nossa Senhora da Conceição. O novo templo é chamado do Santíssimo Sacramento.

José morre em 1869. Embora tivesse deixado instruções para ser sepultado no interior da igreja do Santíssimo Sacramento, a qual construiu, uma nova legislação proíbe que igrejas servissem como cemitérios. Assim, o corpo de José Carvalho de Almeida é enterrado no cemitério municipal até que, por interpretação feita de que José já tinha direitos adquiridos antes da nova lei, os seus restos são levados para a igreja do Santíssimo Sacramento e postos sob uma lápide com as inscrições devidas.

A velha igreja do Santíssimo Sacramento é demolida, noventa e quatro anos depois da morte de José. É substituída por uma nova construção consagrada. Quando da demolição, no entanto, os restos de José e a lápide não foram devidamente recolhidos. Perderam-se, de algum modo e para sempre.  

Em 1941, por ocasião do centenário do município de Barras do Maratoã, a Câmara Municipal proclamou José Carvalho de Almeida “Patrono da Cidade”.   

Gilberto de Abreu Sodré Carvalho é historiador, romancista e advogado, nascido no Rio de Janeiro e apaixonado pelo Piauí, terra de parte de suas raízes familiares.