Alice completou 75 anos e Maria do Socorro 82. São irmãs e vivem num apartamento de sala e dois quartos em Botafogo, que pertence à primeira.

        Alice casou, enviuvou, tem um casal de filhos, que lhe deu netos, e estes bisnetos.  Ainda domina plenamente o corpo e a mente. Enquanto Maria do Socorro manteve-se solteira e perdeu o controle sobre si. Seus neurônios sumiram e levaram o que lhe sobrara de memória. Quando tenta lembrar-se de algo, só lhe aparecerem vultos embaçados, confusos, desordenados.  Até com relação àqueles dois amores fugazes que lhe vibraram o coração. Põe-se fumaça nessa vibração. Hoje, ela diz coisa com coisa que não se coordenam, não se entrosam, não se completam.  E pegou a mania de fugir de casa. Por medida de segurança, a irmã mantém escondidas as chaves do  apartamento.   

        Alice, quando se levanta de madrugada para ir ao banheiro, costuma espiar a irmã pela porta do quarto, sempre encostada. Desta vez, não a viu na cama. Imaginou estivesse na sala. Não estava. E na cozinha, deparou-se com a porta aberta, que, por esquecimento, estava só no trinco, agora, removido.  Entrou em pânico. Cadê a mulher?  Aonde teria ido àquelas horas? Nem teve tempo ou lembrança de pedir ajuda a São Longuinho. Vestiu-se depressa e desceu pelo elevador.  Na portaria, perguntou ao porteiro se vira a irmã. Ah, eu acabei de abrir a porta pra ela, disse que ia tomar o ônibus. Faz tempo?  Foi agorinha, ainda deve estar no ponto do ônibus. O ponto ficava defronte ao prédio. Alice atravessou a rua e a encontrou, de cabeça baixa, quietinha, sentada no banco de cimento.

       - Minha irmã, o que você está fazendo aqui?

       -  Vou pra  igreja.

       - Mas, a esta hora a igreja está fechada.

       - A igreja não fecha no Natal.

       - Mas que Natal? Ainda estamos no meio do ano, muito longe dele, vamos pra casa dormir, vamos.  – E lhe estendeu a mão.

      Que ela segurou, obediente e silenciosa.