ELMAR CARVALHO

 

Como estudante, sempre tive certo pavor da matemática. Poucas vezes faço contas. E de muito tempo a esta parte, sempre que preciso calcular alguma coisa, o faço através de uma dessas calculadoras que são vendidas em toda parte, no comércio formal e informal, muitas delas por uma ninharia. Ainda hoje, em sonhos um tanto repetitivos, por vezes acordo preocupado, pensando ter ficado reprovado nessa disciplina.

 

Embora saiba de sua importância, confesso que que essa ciência não me tem feito muita falta até hoje, porquanto minha mais profunda afinidade foi sempre com a área de humanidades e letras, apesar de ter grande grande interesse pela astrofísica e pela física quântica, mas somente na parte teórica, avesso que sou a cálculos, por mais simples que sejam.

 

Mas quando, meses atrás, vi O homem que calculava, exposto numa das lojas da Livraria Universitária, tive logo o impulso de adquiri-lo, e o fiz imediatamente. Conquanto seja avesso a cálculos, o seu autor, Malba Tahan, em contos avulsos, encantou-me em minha meninice e juventude.

 

Quis reencontrar o fascínio dessas leituras de meus tempos juvenis, embora sabendo que certas releituras, na idade adulta, tragam o travo amargo da decepção, quando confrontadas com o prazer proporcionado na juventude. Essa obra entrou na minha fila de leitura, visto que pretendia concluir leituras já iniciadas, e iniciar a de outros livros que comprara anteriormente.

 

Concluída recentemente a leitura do Diário Secreto de Humberto de Campos, conforme registrei na nota de ontem, passei a ler, com muita voracidade e atenção, O homem que calculava. Posso dizer que não me decepcionei. Seu autor tem o dom de cativar a atenção do leitor. Sua linguagem é simples, porém fluida, solta, elegante, sem atavios, sem palavras desnecessárias, e sem rebuscamento de estilo.

 

Tendo sido o ficcionista um professor de matemática, parece ter feito uso dessa disciplina, para construir as frases de forma exata e perfeita, sem as gorduras da prolixidade e sem as saliências ósseas da anorexia. Quase diria que a obra é um misto de romance e contos, visto que existe um fio condutor interligando os contos, mas de tal maneira que cada unidade pode ser lida de forma independente, sem necessidade de remissão obrigatória a capítulos anteriores.

 

Não me foi possível esquecer que Humberto de Campos, em seu Diário, disse, no registro do dia 28 de junho de 1934, que Malba Tahan lhe fora um amigo solícito, admirador entusiasta de sua literatura até os primeiros dias desse ano. Acrescentou que esse escritor frequentava sua casa, e lhe levava o filho para passear e para assistir a circo e cinema. Por causa dessas gentilezas, o diarista resolvera escrever um longo estudo sobre o contista, publicado no Correio da Manhã, e mais tarde recolhido no livro Crítica (1ª série). Escreveu ainda uma crônica sobre o seu volume de Matemática.

 

Confessa Humberto de Campos que, por solicitação de Assis Chateaubriand, escreveu um conto oriental, e depois mais outro. Aduz que a partir desses contos as visitas do contista começaram a minguar, e que, quando cessaram os contos, Malba Tahan o teria criticado, “fazendo-me sentir que eu não dava para aquilo”. Por solicitação de José Olympio, seu editor, organizou um volume com essas “narrativas despretensiosas”, que recebeu o título de À sombra das tamareiras.

 

Acrescenta que com a publicação do livro, o contista desapareceu de vez de sua casa. Mesmo tendo ficado doente, sido operado, e continuado enfermo, Júlio César de Melo e Sousa (nome verdadeiro do grande ficcionista) não mais o visitou, e sequer pediu notícias suas por telefone. Encerra a nota a que me referi da seguinte forma: “Por que me não preveniu ele de que havia tirado patente como produtor de contos orientais? A inveja roubou o meu amigo. Que Alá o conserve longe de mim...”

 

Será se Malba Tahan também não teria sentido certa inveja por parte de Humberto, e por isso teria se afastado? Não é fora de propósito lembrar que certas pessoas têm verdadeiro pavor de supostos ou verdadeiros invejosos. Ele bem poderia ter interpretado, com ou sem razão, a elaboração dos contos e depois a publicação de À sombra das tamareiras como fruto desse mesquinho sentimento. A inveja é um sentimento triste, que faz o admirador sofrer por causa dos dons e do talento do ídolo a quem tanto admira.