As eleições de 1966, em Bertolínia.

Reginaldo Miranda^[1]

Transcorreram na mais perfeita normalidade as eleições de 1966, em Bertolínia, sob a liderança do prefeito Dermeval Mendes da Rocha, prestigioso chefe político do Município. Foi um hiato entre duas eleições acirradíssimas. Em 1962, ocorreu a primeira eleição em que esteve em risco o esquema político psedista-dermevaliano, quando foi eleito o prefeito Dermeval (PSD) com um vice em separado da UDN, Antônio José de Lima. Sobre as circunstâncias desse pleito tecemos comentários em oportunidade anterior, não precisando voltar ao assunto.

Ocorre que, depois do Golpe Militar de 1964, o vereador José Nunes Meireles reeditou o movimento golpista em Bertolínia, tentando em pelo menos três oportunidades derrubar o prefeito Dermeval Rocha para dar posse ao vice-prefeito udenista. Frustrou-se em todas essas tentativas, mas levou muitos problemas ao prefeito, contando com a apoio do governador Petrônio Portella (UDN) e de um deputado udenista de Floriano. Dermeval concluiu seu mandato com pulso firme, mas passou dois anos e meio sem receber o repasse das quotas de recursos federais e estaduais, por conta de perseguições políticas na Comissão Geral de Inquérito (CGI). Para sobreviver em Bertolínia, promoveu com êxito a cassação de mandatos do vice-prefeito e dos vereadores que o incomodavam. Esses fatos são públicos e notórios, ainda existindo provas na imprensa e nos cartórios. Sobre eles também já nos reportamos em oportunidades anteriores, não necessitando repisá-los para o momento.

Vamos, pois, ao cerne da questão, as eleições de 1966, em Bertolínia. Foram disputadas entre comerciantes populares no mercado da cidade. Bertolínia estava urbanizando-se com a atração de moradores da zona rural e o nascimento de pequeno comércio na cidade, girando este em torno do Mercado Público Municipal, obra do prefeito Dermeval Rocha em gestão anterior (1955). Esse pequeno contingente urbano, formado por alguns servidores públicos, pequenos comerciantes e figuras adventícias que chegavam à cidade formavam um eleitorado urbano, contestador, udenista. Pode-se dizer que o eleitorado da oposição udenista era formado por dissidentes familiares do esquema dominante, por pequenos lavradores, comerciantes e criadores que tinham interesses contrariados pelo grupo dominante; e por elementos adventícios, desenraizados, retirantes que iam se estabelecendo no Município. Ao passo que a situação era formada pelos grupos mais tradicionais do Município, com base agrária, rural e um sistema clientelista que vinha da República Velha.

Pois bem, a candidatura situacionista foi escolha pessoal do prefeito Dermeval Rocha, que apontou o comerciante Benito Pereira da Silva, para representar o PSD no pleito municipal. Por que Benito? Era de confiança e um amigo pessoal do prefeito. Ademais, vinha se destacando no comércio de gêneros. Natural e antigo morador no povoado Olho d’Água, desde 1955, com a inauguração do Mercado Público fixou-se na sede municipal, onde adquiriu imóvel residencial, se estabelecendo em dois pontos do mercado. Destacou-se como maior comprador de gêneros do Município, com contato direto com os produtores e extratores, o que proporcionou-lhe estabilidade financeira, bons contatos e popularidade com as camadas mais pobres da população. O candidato a vice-prefeito foi o agropecuarista e serventuário da Justiça Josias Rocha da Silva, casado com a tabeliã Juraci Rocha, prima de Dermeval, ele também parente em grau mais distante. Josias era uma inteligência política, sagaz, experiente, verdadeira raposa psedista, que bem soube conduzir o grupo na transição da década de setenta para a de oitenta. Sucedeu o parente Dermeval Rocha na chefia política de Bertolínia.

Para dar combate à situação, partiu a UDN com a candidatura de outro comerciante muito popular na cidade, Antônio José de Lima, que então era vice-prefeito do Município pela segunda vez, embora houvesse sido cassado pela câmara municipal. Antônio José de Lima era também comerciante no mercado público da cidade. Fora duas vezes vice-prefeito de Dermeval Rocha, sendo a primeira na qualidade de aliado e segunda de adversário, eleito separadamente. Fora criado no povoado Ouro, nas cabeceiras do rio Esfolado, onde chegara com sete anos de idade, filho de José Lourenço de Lima e Eva Maria de Lima, imigrantes que ali se estabeleceram com numerosa família vindos do vale do Guaribas, na região de Picos, durante a seca de 1932. Daí era conhecido por “Antônio Lourenço”. Também, na década de cinquenta se estabeleceram com comércio na zona urbana da cidade.

Foi uma bela disputa política em que sagraram-se vitoriosos nas urnas Benito Pereira da Silva e Josias Rocha da Silva, para prefeito e vice-prefeito, respectivamente, pela Arena 2 (ex-PSD). Para a câmara municipal foram eleitos cinco vereadores, sendo três da Arena 2: Antônio Pires (Tutu), Cleonísio Gustavo de Sousa (Clé) e Hermes Francisco Saraiva; e dois da oposição (Arena 1, ex-UDN): Cícero de Deus Carvalho (da Roça Nova) e José Nunes Meireles, que fora derrotado para prefeito nas eleições de 1962. Cícero Carvalho teve dificuldades para tomar posse no cargo, em face de ser cunhado de Cleonísio Gustavo, que obteve mais votos, sendo inicialmente empossado em seu lugar o jovem suplente Deusdete Almeida da Fonseca, da Arena 2. Ficava, assim, o grupo dominante com quatro vereadores contra um da oposição. Assim transcorreu a política na década de sessenta, em Bertolínia. Benito Pereira fez profícua gestão, iniciando a pavimentação poliédrica da cidade.  Josias iria enfrentar acirrada disputa no pleito seguinte, o que será assunto de outras notas.

[1] Advogado e escritor. Foi vice-prefeito municipal de Bertolínia. Membro titular da Academia Piauiense de Letras, de que foi presidente em dois biênios consecutivos. Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí, de que é atual vice-presidente e coordenar editorial. Mestrando em Direito Constitucional pela UNIFOR. Integra pela segunda vez, lista sêxtupla para o cargo de desembargador do TJPI. Contato: [email protected].