NOTA AOS MEUS ESTIMADOS LEITORES:

A RESENHA ABAIXO FOI, ORIGNALMENTE, PUBLICADA NO JORNAL DO BRASIL O TEXTO FARÁ PARTE DO MEU LIVRO

"O ESPELHO DE CARROLL"

(Resenhas e ensaios de autores brasileiros e doIs ensaios de autores portuguese)

ARTISTAS, MALANDROS E BANDIDOS

      Dedo-Duro, lançado recentemente pela Cosac & Naify, é mais uma reedição dentre as obras completas do contista João Antônio (1937-1996). Pela mesma editora, já saíram outros três volumes, Ô, Copacabana, Abraçado ao meu rancor e Leão-de-chácara, em oportuno e bem-vindo empreendimento que não segue cronologicamente a ordem original de publicações que vieram a lume no passado. Editado originalmente em 1982 pela Record, Dedo-Duro compõe-se de seis contos: “Tony Roy Show”, “Dois Raimundos e um Lourival”, “Milagre Chué”, “Excelentíssimo”, “Bruaca” e o que dá título ao livro. Além disso, o volume inclui também um relato autobiográfico insolitamente intitulado ”Paulo Melado de Chapéu Mangueira,” espécie de narrativa que bem se poderia enquadrar naquela definição de José Paulo Paes acerca de algumas narrativas do contista, chamadas pelo poeta e ensaísta paranaense de “textos”, ou sejas, “(...) um outro tipo de narrativa que fica a meio caminho entre o documentário e a ficção e que assume, as mais das vezes, cunho reconhecidamente autobiográfico.”

      “Paulo Melado de Chapéu Mangueira” forma a segunda parte do livro, chamada maliciosa e debochadamente de “Uma memória imodesta no coração da pouca vergonha.” Essa narrativa, que tanto diz do espírito inconformado e da explosiva verve do contista, só seria um conto se o tomássemos pela indulgente classificação de Mário de Andrade (1893-1945), para quem um conto é tudo o que o autor veja como tal. “Paulo Melado” é desses textos de que nunca podemos nos esquecer, tantas são as faces de que se forma esse vigoroso relato memorialístico.Ao falar de João Antônio, o texto fala de nossa cultura musical popular, da adolescência do contista, da sua convivência familiar, do pai musical, da mãe iletrada, da boêmia paulistana humilde, do encantamento pelas noites nos velhos bairros da capital paulista, no crescente aprendizado doS segredos da malandragem.

    É uma belíssima e comovente rememoração, por vezes patética, por vezes trágica, desse espaço esquecido (e muitas vezes estigmatizado) pelas camadas mais altas da sociedade. “Paulo Melado", como linguagem, marca a presença do escritor naquela forma inusitada de mesclar oralidades de cunho popular e respeito às formas genuínas da construção portuguesa alicerçada nas lições colhidas nos cânones clássicos luso-brasileiros. Essa fusão resultou esteticamente proveitosa para a composição do conto e da linguagem harmoniosamente mesclada e sem exageros retóricos.Dessa lição epistemológica da gênese de sua criação literária podemos rastrear muito do sentido da sua obra e de como ele veio a se tornar o que foi e é no que diz respeito à sua contribuição à literatura brasileira contemporânea.

     Ninguém pode ficar indiferente àquele passo do depoimento de João Antônio, no qual o pai do escritor, diante da presença do romancista Marques Rebelo (1907-1973) e de mais três homens, que lhe vieram até à sua casa à procura do jovem e desconhecido João Antônio, pensou, na sua inocente rudeza de português transmontano, que se tratava de policiais. Ora, o jovem contista só podia, na visão paterna, ter feito mais uma de suas reprováveis estripolias boêmias.Não é preciso dizer mais nada dessa cena tragicômica, mais trágica do que cômica, mas que tem também o sem tanto de brilho, o da revelação e reconhecimento de um escritor de talento. A visita de Marque Rebelo foi por causa de uma carta que João Antônio enviara ao Rio de Janeiro pedindo a publicação de seus contos. Usara como pseudônimo o já conhecido nome, "Paulo Melado do Chapéu Mangueira Serralha".

     E foi com esse nome que Marques Rebelo se dirigira ao pai de contista. Antes, um de seus contos, “Fugie,” - história de uma experiência erótica com uma japonesa de mistura a um sentimento de culpa e traição, uma narrativa baseada num caso real vivido pelo autor – não fora contemplado num concurso de contos no Rio, pois o julgamento levava em conta o lado moral do trabalho e a publicação visava a um público familiar.Dos seis contos do livro, cremos que os melhores sejam o primeiro e o último, os quais, por sua vez, se diferem entre si pela temática e pelos rumos imprimidos à linguagem.

     “Tony Roy Show” não se integra àquele universo fechado, misto de malandragem e acentuado clima de violência existentes num conjunto de outros cinco contos primorosos do que chamaria de "ciclo da malandragem" na obra joãoantoniana:”Malagueta, Perus e Bacanaço”, “leão-de-chácara”, “Joãozinho da Babilônia”, “Paulinho Perna Torta” e “Dedo-Duro”. Trata-se de um longo conto de quase 16 páginas, um mergulho do autor naquele universo que caracteruza a vida de artistas de rádio e, depois, televisão, e de seus problemas vividos, sonhados e, muitas vezes, ilusórios e fracassados.Pura ilusão do vazio existencial. Carta fora do baralho. Tudo vira o efêmero, Nada mais,

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