Apontamentos para a história da literatura campomaiorense
Em: 01/10/2021, às 23H58
Elmar Carvalho
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Convidado por Vagner Ribeiro e Clêuma Magalhães, ambos professores do Instituto Federal do Piauí – IFPI, unidade de Campo Maior, para proferir palestra sobre a literatura campomaiorense*, na modalidade virtual, através do projeto Andança Literária, concebido pelo Conselho Estadual de Cultura, me preparei com afinco para essa honrosa, porém delicada e um tanto difícil missão. Passei a ruminar ideias extraídas de leituras e conhecimentos que já tinha e empreendi novas pesquisas e releituras.
No início esclareci que minha palestra seria parte no improviso e parte seguiria um breve texto escrito, tudo seguindo um esquema que denominei de Apontamentos para a História da Literatura Campomaiorense. Acrescentei que essa história ainda estava por ser escrita, mas que eu gostaria que surgisse um “sangue novo” que a escrevesse, podendo seguir o meu esquema, fazendo ou não algumas modificações e adaptações. Farei abaixo uma breve reconstituição do que disse.
Logo adverti que meu tempo disponível não permitiria que eu citasse todos os escritores e poetas de nosso município, pelo que faria referência aos mais conhecidos, aos que mais produziram e mais se dedicaram ao mister da literatura, sobretudo tomando esta palavra em sentido estrito, ou seja, poesia, romance, conto, crônica, memórias etc., mas que também me referiria aos nossos historiadores. Aduzi que a muitos escritores e poetas campomaiorenses já me referira em textos meus avulsos, como crônicas, discursos, prefácios e apresentações.
Fiz uma rápida digressão histórica, em que remontei a Bernardo de Carvalho e à sua quase mítica Fazenda Bitorocara (depois Santo Antônio) e à construção da primeira igreja de Santo Antônio do Surubim. Disse que os historiadores Reginaldo Miranda e Valdemir Miranda, com a descoberta de novos documentos, provaram que o notável historiador campomaiorense Pe. Cláudio Melo estava certo ao dizer que a fazenda Bitorocara, constante da Descrição do Sertão Piauí, relatório do padre Miguel de Carvalho, ficava mesmo na confluência dos rios Surubim, Longá e Jenipapo; e que, portanto, se estendia ao centro histórico de Campo Maior.
Transcrevi os seguintes trechos do padre Cláudio Melo, para demonstrar que essa comunidade, ainda na primeira metade do século XVIII, desfrutava de certo fausto, certa prosperidade, o que levava a crer que seu índice de alfabetização deveria ser acima da média do território que viria a ser a capitania do Piauí:
“Campo Maior em todo o seu passado sempre foi uma porção privilegiada da terra e do povo piauienses. Comandou os fatos mais importantes de nossa história.”
“Por época da criação da Vila em 1762 o Surubim já tinha uma estruturação urbana das mais atraentes de todo o Piauí. Duas praças em frente e atrás da Matriz, quadro completo de moradias junto às duas praças, uma pequena quadra de casas chamada rua dos negros na baixa que fica à direita da matriz e um esboço de rua da praça do Pelourinho em direção do Rio Surubim.” [Os Primórdios de Nossa História]
Entre as mais importantes figuras históricas mencionei: Mandu Ladino, principal líder do Levante Geral dos Índios, uma espécie de confederação. Disse que era possível que ele tivesse nascido em território de Campo Maior, inclusive porque existe, em Alto Longá, um lugar chamado Ladino, e que ele perlongou o vale do Longá em suas atividades; Ten. Simplício José da Silva, herói da Batalha do Jenipapo, que perseguiu Fidié, em verdadeira guerra de guerrilha. Monsenhor Chaves lhe tinha profunda admiração; Lívio Lopes Castelo Branco, jornalista e uma das lideranças da Balaiada, até divergir dos rumos que o movimento estava tomando; e Raimundo Gomes Vieira Jutaí (dito o Cara Preta), estopim e um dos principais líderes da Balaiada. Em outro texto de minha autoria, defendi que deveria ser erguido em Campo Maior um monumento às três raças, com a colocação das estátuas representando Bernardo de Carvalho, Mandu Ladino e Raimundo Gomes Vieira Jutaí.
Demonstrei que Campo Maior já fora muito importante, com as suas ricas fazendas de gado bovino, tendo o seu apogeu no extrativismo econômico, mormente no auge da cera de carnaúba. Falei que várias cidades do seu entorno dependiam de seu comércio, de sua prestação de serviços, principalmente nos campos da educação e da saúde. Mas que, com a decadência do extrativismo, da pecuária, da transformação de vários de seus povoados em cidades e municípios, da construção de estradas asfaltadas ligando essas cidades a Teresina, a nossa cidade começara a entrar em decadência. Aproveitei para denunciar a demolição de vários solares e sobrados antigos e da vetusta e colonial igreja de Santo Antônio do Surubim, construída por Bernardo de Carvalho a pedido do padre Tomé de Carvalho, um dos fundadores de Oeiras, bem como dos casarões da Zona Planetária, o mais lindo nome do mundo de uma zona meretrícia, que cantei no meu épico A Zona Planetária, cujos versos iniciais transcrevo:
Anfion percorre os sulcos
dos discos das vitrolas e as
emoções são alinhadas pedra a pedra.
Apolo é qualquer moço feio
que nos vitrais Narciso se julga.
De repente, Átropos corta o fio da vida
que era tecido pelas Parcas lentamente
pelos golpes de facas, adagas ou estiletes
nas mãos de um velho Pã embriagado.
Nesse cortejo de destruição foi literalmente tombada a Fazenda Tombador, em cuja sede se refugiara Fidié, após a Batalha do Jenipapo, conforme relatei em versos:
“Quando literalmente tombaram
a Fazenda Tombador,
nenhuma voz se levantou,
nem mesmo a voz de alguém,
que clamasse no deserto, clamou.
E a Fazenda Tombador
literalmente tombou.”
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Após dizer que toda lista de nomes é um tanto arbitrária, e que sempre alguém poderia alegar que teria havido inclusão ou exclusão indevida, falei que procurara levar em conta a qualidade e a dedicação dos literatos que mencionaria. Mesmo nas histórias literárias e nas antologias o espaço destinado aos escritores são maiores ou menores, conforme a importância que o historiador ou antologista atribui a cada um. De todos ou quase todos os literatos e historiadores a que me referi, fiz breves comentários biobibliográficos ou críticos, que não constam nesta síntese, com raríssimas exceções:
Entre os escritores mais antigos e já falecidos citei: Lívio Lopes Castelo Branco, Miguel Borges Leal Castelo Branco, Valdivino Tito de Oliveira (jurista, poeta, jornalista, orador), Moisés Eulálio (professor, rábula, promotor de justiça, poeta e compositor de hinos), Marion Saraiva Monteiro (professora, historiadora, poetisa, pintora e contista), Briolanja Oliveira (professora, poetisa, pintora, autora de Diários [inéditos], colaboradora de Estímulo e Almanaque da Parnaíba) e Joel Oliveira (historiador, jornalista, autor de Diários e de O Piauí no Congresso Nacional). De todos eles, neste ou em outro momento, assinalei pontos biobibliográficos, que entendi relevantes.
Referi os campomaiorense que foram patronos ou ocupantes de cadeiras da Academia Piauiense de Letras: Antônio Borges Leal Castelo Branco (15), Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco (22), Antônio Bona, desembargador e jurista (30), Cláudio Pacheco Brasil (30), Monsenhor Chaves (23), Raimundo Nonato Monteiro de Santana (32), Pe. Cláudio Melo (34) e Elmar Carvalho (10).
Tracei um rápido histórico do Jornal A Luta, fundado em 19/nov./1967 por Raimundo Antunes Ribeiro (Totó Ribeiro), e extinto em 30/set./1979. Era impresso no tamanho tabloide. Sua impressora era rudimentar, movida a um pedal (e não a eletricidade), que movimentava a prancha com a composição tipográfica. As ilustrações ou fotografias eram feitas por meio de clichês. Mencionei o importante livro “A Luta: falando de trocas e meios”, de José Ribamar de Sena Rosa, fundamentado em sua dissertação de mestrado sobre esse jornal. Nele foram publicados matérias informativas, notícias sociais, crônicas memorialísticas e outros textos, inclusive contos e poemas. Foi nele que, aos 16 anos, vi publicados meus primeiros trabalhos literários (contos e crônicas).
Dentre outros, citei os seguintes colaboradores: Antônio Andrade Filho (Irmão Turuka), Octacílio Eulálio, José Francisco Bona, Mário da Costa Araújo, Marion Saraiva, Totó Ribeiro, José Miranda (que chegou a acolher o jornal em sua residência), José Miranda Filho (romancista e compositor musical), Cleusy Miranda, Áurea Paz, Teresinha Nascimento, Mons. Mateus Cortez Rufino, Celso Barros Coelho, Ernâni Napoleão, Zeferino Alves Neto (ZAN), Sílvia Melo, Miguel Carvalho (meu pai) e Elmar Carvalho.
Disse que nos anos 1971/1972 existiu o Jornal Mural do Colégio Estadual, que tinha entre seus colabores Celson Luis Jorge de Oliveira e João de Deus Netto. O Netto sempre foi muito inteligente, mestre da pintura, do desenho e da música. Nele eram estampadas charges, notícias sociais e outras, além de matérias humorísticas. Era feito por alunos do terceiro ou quarto ano ginasial.
Fiz um breve relato histórico da Academia Campomaiorense de Artes e Letras – ACALE, fundada em 26/11/2003. Discorri brevemente sobre seus fundadores e sócios. Disse que ela já publicara livros e revista, além de ter promovido eventos, como solenidades de posse, lançamento de livros etc. Em razão de meu tema, dei ênfase aos literatos, dos quais citei os seguintes: João Alves Filho, Domingos José de Carvalho, Antônio Manoel Gayoso e Almendra Castelo Branco Filho, Helano Lopes, Raimundo José Cardoso de Brito, Corinto Araújo Filho, Anfrísio Lobão Castelo Branco (Abelheiras – 300 anos de história e Mandu Ladino), João Borges Caminha, Avelina Rosa, Ana Maria Cunha, Lisete Napoleão, Rosa Ribeiro de Carvalho, Cunha Neto (Nossa Terra, Nossa Gente, contendo os poemas Saudade da Saudade, Carro Velho e Lagoa do Corró), Sílvia Melo (Recordações e Educação e Educadores de Campo Maior), Heitor Castelo Branco (Paz e Guerra na Terra dos Carnaubais), Marcos Teodorico Vasconcelos (Raízes de Pedra), Joaquim Pereira de Oliveira (Estrelas no Chão), José Omar, Antônio Araújo Loiola, Valdeci Cavalcante, Edilson Costa Araújo, Francisco Cardoso, José Cardoso da Silva Neto (Zé Didor), Maria de Jesus Andrade e Moacir Ximenes. Anfrísio, Heitor e eu somos membros da APL. Como uma homenagem ao poeta Cunha Neto, pessoa da amizade de meu pai e minha, recitei as duas seguintes estrofes de seu poema Saudade da Saudade:
“Foi tirada da saudade
Esta saudade maldita
Que no peito palpita
Com tamanha crueldade
Vejam que grande tolice
Do tempo da meninice
Ainda sinto saudade.
(...)
Tenho saudade de tudo
Saudade até da saudade
Digam que seja maldade
Mas sou um sentimental
Sou caboclo do sertão
E não troco o meu sertão
Por qualquer um cabedal...”
Não pertencentes à ACALE, referi os seguintes escritores e poetas nascidos em plagas campomaiorenses: Antônio Francisco dos Santos (Cão Dentro), Olavo Pereira da Silva Filho (Carnaúba, pedra e barro na capitania de São José do Piauhy e Varandas de São Luís – Gradis e azulejos), José Ataide Torres Filho, Afonso Lima, Halan Silva (Pedra Negra, Cambacica, Auto do Cônego, Auto da Revolta e As formas incompletas: apontamentos para uma biografia [de H. Dobal]), Luiz Filho de Oliveira, Jonas Braga (O ególatra), Ricardo Reis e José Francisco Marques (cronista, compositor, cantor e instrumentista).
Abordei os seguintes grandes historiadores, já falecidos: Mons. Chaves, Pe. Cláudio Melo, Joel Oliveira, R. N. Monteiro de Santana, Cláudio Pacheco e Reginaldo Gonçalves de Lima. Chaves e Melo são considerados dois dos mais importantes historiadores do Piauí. Pacheco escreveu a mais importante obra sobre a história do Banco do Brasil. Santana é um dos mais notáveis historiadores da economia piauiense. E Reginaldo Gonçalves de Lima escreveu a mais completa obra sobre a História de Campo Maior – Geração Campo Maior: anotações para uma enciclopédia – que ainda discorre sobre a história social do município, seu potencial turístico e econômico, suas manifestações culturais e artísticas, seus costumes, sua religiosidade, seu esporte, mormente o futebol, sua literatura e suas figuras históricas, populares e folclóricas.
Evidenciei que o Curso de História da Universidade Estadual do Piauí (Campus de Campo Maior) certamente contribuíra e iria continuar contribuindo para o surgimento de novos pesquisadores. Entre os mais destacados historiadores da atualidade mencionei os seguintes: João Alves Filho, Áurea Paz, Natália Oliveira (Da Matriz vejo a cidade: a igreja de Santo Antônio em Campo Maior), Celson Chaves, Assis Lima, Marcus Paixão e Heldo Paz (A vila de Campo Maior e os Paz – 1838/1960).
Acrescentei que em nossa cidade nasceu Francisco Pereira da Silva, um dos maiores teatrólogos do Brasil. Informei que uma de suas obras fora transformada em filme e que uma de suas peças ficara em cartaz na Alemanha por cinco ou mais anos. Lamentei que uma lei estadual, determinando a criação do seu memorial, nunca fora posta em execução. Disse ainda que Abdias Silva, além de excelente cronista, era um dos maiores jornalista do Brasil, tanto que era o substituto de Carlos Castello Branco, na célebre e festejada Coluna do Castello.
3
Na parte escrita, ou seja, em que não fiz nenhum tipo de improviso, teci as seguintes explicações e considerações, tentando elucidar e justificar certos aspectos da literatura feita em Campo Maior, em sua já longa história:
De forma objetiva, sem nenhum tipo de valoração ou subjetivismo, nota-se que a literatura campomaiorense, apesar do expressivo número de autores e do seu valor estético, tem pequena presença nas antologias piauienses e nos livros de história da literatura feita no Piauí. Basta uma rápida consulta a esses livros.
Na Antologia de Sonetos Piauienses, de Félix Aires, salvo engano, aparecem apenas três autores de Campo Maior: Antônio Francisco dos Santos (Cão Dentro), Moisés Eulálio e Valdivino Tito. Na Antologia da APL obviamente constam os oitos campomaiorenses que pertencem a essa entidade literária, como não poderia deixar de ser.
Contudo, em outras antologias e em livros sobre a história da literatura piauiense a presença de autores nascidos em Campo Maior é muito acanhada, não há negar, por fatores diversos que tentarei justificar, através de ilações minhas.
A explicação que encontro para que muitos de nossos autores do passado não sejam citados nos livros de história da Literatura Piauiense e não tenham seus textos inseridos em antologias é que muitos não foram literatos em sentido estrito, isto é, não escreveram romances, poemas, crônicas, contos, memórias etc., e também porque não enfeixaram suas produções em livros, mas apenas as publicaram em jornais, almanaques ou revistas, ou mesmo as tenham deixado inéditas.
Muitos exerceram a literatura de forma bissexta, de modo muito esporádico. Alguns até publicaram livros, porém de caráter técnico, como relatórios, exposições e obras jurídicas, que com o avançar do tempo perderam o interesse, inclusive pelas revogações de leis e pelo surgimento de novas jurisprudências e doutrinas.
Muitos escritores e poetas campomaiorenses não tiveram condição financeira ou apoio do poder público para a publicação de seus escritos. Alguns poucos até publicaram, mas muitas vezes em pequena tiragem, com circulação restrita ou mesmo apenas local. Quase a totalidade desses poucos livros publicados não foram reeditados, seja por falta de zelo dos órgãos públicos competentes ou pela falta de interesse e/ou condição financeira de descendentes e familiares.
Por outro lado, as matérias literárias publicadas em periódicos, pelos mesmos motivos já expostos, nunca foram recolhidas em livros, para serem conhecidas pelas gerações atuais, e assim ficaram praticamente perdidas em arquivos esconsos e de difícil acesso.
Talvez a digitalização desses livros e dessas peças literárias avulsas possibilitem o ressurgimento e a revisão de algum desses autores, e, dessa forma, a literatura feita em Campo Maior possa ser conhecida e apreciada em toda a sua pujança e esplendor.
De capital importância seria a publicação de uma antologia, em prosa e verso, com a presença de autores do passado e do presente, no formato impresso e virtual, para que a Literatura de Campo Maior possa ser melhor fruída e seus autores mais bem divulgados, ainda mais agora em que a Literatura Piauiense voltará a ser ensinada em nossas escolas e faculdades.
Assista à Andança Literária em Campo Maior: