Cunha e Silva Filho

 


                                 De um país de tantas notícias indesejáveis, de um país que vive o cotidiano de crimes, violência e corrupção política, licitações fraudulentas entre governos e empresas, vem, agora, mais um acontecimento deplorável e trágico.Um pedreiro brasileiro, de nome Amarildo, morador da favela Rocinha, uma das maiores favelas da América Latina, encravada no entorno de bairros elegantes e da elite econômica e intelectual, é abordado por policiais e encaminhado para a UPP, espécie de delegacia implantada para dar segurança aos moradores da comunidade. e combater o tráfico de drogas. Para as autoridades de segurança, a sua função é mais abrangente : a de procurar pacificar os conflitos freqüentes entre moradores e os agentes policiais, ou procurar minimizar a violência nos domínios dessa comunidade.
                               Amarildo, que ficou conhecido desde as manifestações nas ruas nas quais , ao lado dos protestos por uma Brasil mais justo, exibia cartazes com a pergunta que se espalhou pelo mundo afora: “Onde está o Amarildo?” Nos principais jornais do mundo, em outros idiomas, a mesma pergunta em cartazes carregados por imigrantes ou naturais dos países era exibida O desaparecimento de Amarildo comoveu o Planeta como um símbolo da indignação humana contra atos de barbárie ocorridos no Brasil e em tantas outras regiões da Terra.
                               Amarildo, paupérrimo, morador de uma casinha humilde, sem janelas fechadas, dispondo apenas do mais rudimentar possível para alguém repousar depois de um jornada de trabalho duro como é a de um assistente de pedreiro, passa a ser um paradigma da situação geral de determinada faixa da população brasileira que vive na pobreza e no abandono de quase todos os direitos de uma vida decente. Por extensão do sentido, ele pertence àquele grupo de brasileiros de “vidas severinas’ tão bem poeticamente flagradas no texto do poeta João Cabral de Melo Neto(1920-1999).

                                 Amarildo tinha sua esposa, seus filhos, sua simplicidade. No dia em que sumiu, tinha vindo de um pesca, seguramente contente com a possibilidade de levar alimento para sua família. Amarildo desapareceu sem dar sinal. E todo o seu sumiço se explica pela sua chegada forçada à UPP. De lá não foi mais visto. Dizem que as câmeras que poderiam tê-lo filmado estavam com defeito ou foram desligadas (?!).
                               A Secretaria de Segurança afirma que as investigações estão sendo feitas e serão apuradas até se “exaurirem,” conforme afirmou o Secretário de Segurança do Estado do Rio de Janeiro. 
                              À boca pequena, fala-se que Amarildo tinha uma rixa com um dos policiais do destacamento da UPP no local. Amigos de Amarildo confirmam isso e vão mais longe, acrescentando que os moradores da comunidade da Rocinha estão constantemente sendo vítimas de maus tratos de policiais e até falam em torturas - o que é muito grave  -  e ensejam imediatas  e drásticas providências da esfera do Ministério da Justiça, dada a exorbitância de  desmandos  policiais do Estado do Rio de Janeiro. 

                             O projeto da implantação das UPPs não tem cumprido, ao que consta, o seu papel primordial, quer dizer, o de proteger os moradores e lutar contra a violência provocada pelo trafico de drogas e armas.Ora, se a UPP tem uma finalidade de dar tranquilidade às pessoas, e não de criar animosidade entre a autoridade policial e os moradores, por que as relações entre as duas partes não têm tido sucesso? Esta é uma das muitas perguntas que me faço e que me causam perplexidade.
                              O caso Amarildo é uma das dezenas de ocorrências semelhantes de alta violência que o Estado brasileiro e a sociedade constatam. Nada em profundidade  tem sido feito ´ por parte das autoridades a fim de moralizar a imagem do país ante as nações que respeitam os direitos humanos e a cidadania de seus filhos. 
                              O desaparecimento de Amarildo, com repercussão planetária, sobretudo com a divulgação via internet através das redes sociais, é uma pontinha do iceberg gigantesco chamado impunidade e  ao mesmo tempo é um desrespeito à dignidade humana num país que, até agora, não parece ter-se dado conta de que ou mudará profundamente a sua estrutura em todos os poderes do estado democrático, ou irá para um estado de convivência com o caos urbano e a anarquia institucionalizada. Acautelem-se os políticos de todas as cores e bandeiras que as eleições não estão longe e não serão como foram até o presente. Aguardem as urnas!