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Almino Afonso e Hemetério Caminha

 

Rogel Samuel

 

Vi Almino Afonso uma única vez na vida.

Eu devia ter 16, 17 anos de idade e era, na época, repórter de “A crítica”.

Aquele jornal ficava na Saldanha Marinha, e tinha cerca de dois andares. No andar de baixo, térreo, ficavam as impressoras, linotipos. No primeiro andar, ficava a redação e a sala da diretoria. Tudo era uma só área: aos fundos era a redação, onde eu trabalhava. Meu chefe se chamava, se não me engano, Gutemberg Omena, um rapaz bem vestido, elegante, mas muito exigente. Na frente, com janelas para a rua, ficava a mesa do diretor, o Calderaro, onde ele se reunia com os visitantes ilustres.

Foi ali que vi Almino Afonso.

Ali também conheci o excelente poeta Hemetério Caminha. Recitando Castro Alvez:

Era um sonho dantesco... o tombadilho  
Que das luzernas avermelha o brilho. 
Em sangue a se banhar. 
Tinir de ferros... estalar de açoite...  
Legiões de homens negros como a noite, 
Horrendos a dançar... 

Negras mulheres, suspendendo às tetas  
Magras crianças, cujas bocas pretas  
Rega o sangue das mães:  
Outras moças, mas nuas e espantadas,  
No turbilhão de espectros arrastadas, 
Em ânsia e mágoa vãs! 

Ele tinha o timbre de ator shakespeariano, a densidade, a eloqüência, a voz voltada para o alto, o sublime, o dramático voar.