(Miguel Carqueija)


    “Chegamos a um ponto tal que é uma questão de vida ou morte para um mínimo de juízo intelectual e de vida moral, à qual a fé está ligada. Chegamos - e aqui peso minhas palavras – ao tempo da cólera.”

(Padre Danièlou em “Osservatore Romano”, 26 de abril de 1968)


    A humanidade atual parecer ter perdido a sensibilidade, melhor dizendo, o senso de compaixão. E com ele, a afeição natural. Então, no meio de outros problemas terríveis, surge este, avassalador: que anualmente milhões de nascituros estão sendo ceifados, assassinados por seus próprios pais, por médicos, farmacêuticos e curiosos, num massacre de inocentes como jamais sonhou o Rei Herodes, um genocídio monstruoso hoje acobertado também por leis anticristãs e a generalizada tolerância ou complacência das autoridades públicas, dos governantes do mundo. Autoridades resignatárias – neste e em outros campos – bem o diz o Padre Artur Alonso, S.J., nome que honra e dignifica a cultura nacional e cuja série de cinco livros “Reflexões Pedagógicas” merece ser amplamente lida por nossa classe governante!
    E assim o aborto voluntário vai devorando as novas gerações. Fenômeno inaudito, que não ocorre no reino animal. E nós nos achamos superiores...
    O pior de tudo é a anestesia moral de tantas pessoas aparentemente bondosas e bem formadas, que nos surpreendem a cada passo com palavras de tolerância e até declarando apoio ao assassinato frio de seres humanos inocentes e indefesos, com argumentos de pragmatismo comodista (e egoísta). O pior é este sentimento de impotência diante da caquexia de raciocínio de uma geração que vive sem formação religiosa e cultural, mas com excesso de informação – nem sempre correta ou sadia! – audiovisual...
    O pior é, a cada dia, ter de conviver com aborteiros e abortistas, que entre aprovar o aborto e praticá-lo a diferença será, talvez, de oportunidade. Como enfrentar esse monstro de sete cabeças e dez chifres, cuja introdução legal (Lenine, Rússia, 1920) abriu as portas à ruína da civilização?
    Os verdadeiros humanistas – mesmo quando não tenham, na íntegra, a fé cristã – só podem encarar o aborto provocado com radical oposição. Nos fatos concretos, há que considerar que muitas mulheres são levadas a praticá-lo – quiçá com grande repugnância! – por uma série de fatores, a saber: l) ignorância dos fatos da vida intra-uterina (fatos científicos, não suficientemente divulgados!) e portanto ausência de clara e inequívoca informação sobre o caráter eminentemente humano do embrião; 2) falta de formação moral e religiosa (perda do senso de pecado e virtude, das responsabilidades diante de Deus, do pudor e do respeito no uso do sexo, que não pode prescindir a proteção do matrimônio); 3) indução, coação ou fuga de responsabilidade por parte dos pais, isto é, dos homens, quando estes não querem assumir a paternidade (especialmente nas relações extraconjugais); 4) medo da família; 5) em suma, desespero de causa, aflição, pânico inclusive por causa das dificuldades materiais e econômicas. É claro que o embriocídio sempre foi, continua sendo e sempre será um crime hediondo. Pensando, porém, no desespero de tantas mulheres que não enxergam o que fazem, veio-me uma inspiração: lembrei-me dos plantonistas, dos voluntários de organizações como Alcoólicos Anônimos, CVV Samaritanos (que previne especialmente o suicídio) e outros.
    Criemos, então – esta a idéia – Gestantes Anônimas. Apesar do título, haveria plantonistas de ambos os sexos. Colocar-se-iam na imprensa anúncios com dizeres desse tipo:

   
                                GESTANTES ANÕNIMAS

                             Você está grávida e quer fazer o aborto? Ou não sabe o que fazer?
                             Não escolha a solução da morte! Fale primeiro com a gente.
                             Telefone...


    Tratar-se-ia então de demover as gestantes – que seriam na maioria dos casos, mães solteiras – de sua intenção homicida. Os plantonistas deverão ser, de preferência, pessoas de sólida formação humanística, espiritual e até científica, no que couber – para explicar, por exemplo, os riscos que a mulher corre numa operação de aborto. Só o risco de vida é muito superior ao de um parto! Isto, sem falar nas terríveis seqüelas da “síndrome pós-aborto”.
    Sou também favorável a que, na medida do possível, aperfeiçoemos o léxico do assunto. Aborto provocado é embriocídio ou feticídio. Temos de chamar de crime ao crime. Uma linguagem sem eufemismos é útil em assunto tão escabroso. Se uma mulher diz “eu quero tirar” deve alguém esclarecer: “por tirar, a senhora quer dizer matar”. Claro que alguma solução deve ser apresentada à mãe desesperada. Entretanto é importante que ela se conscientize de que não “vai ser mãe” após o parto: já o é na gestação.
    E se em último caso ela não puder de toda a maneira assumir a criança, ser-lhe-á facultada a transferência de tutela da mesma. O país todo – e aqui as campanhas da televisão, dos meios de comunicação, poderiam entrar em cena – precisa ajudar nessa gigantesca operação de salvamento de seres humanos. Um tremendo desafio, mas sigamos em frente e que Deus nos ajude.