A Volta de Assis Brasil

Reynaldo Dias Jr.*

 O escritor piauiense Assis Brasil volta a publicar livro; isso não costumeiramente após um hiato de quatro anos, o que é inédito no caso do escritor, pois nos acostumamos a receber os seus livros anualmente. Ele volta e volta com a corda toda. Trata-se agora de um estudo sobre a poesia do grande escritor alagoano, Lêdo Ivo. Com a sua técnica exemplar e conhecimento de causa, Assis Brasil, além da análise de toda a poesia de Lêdo Ivo, ele inova mais uma vez, ou seja, além do estudo estético, faz incursões sobre a vida do poeta.
 Assim temos uma espécie de contraponto analítico, o que é bom para o crítico e para os leitores, que ganham o conhecimento total sobre vida e obra de Lêdo Ivo. O importante neste estudo/biográfico de Assis Brasil é que temos de corpo inteiro o poeta, ao compasso binário entre sua obra e sua vida: a indicação para o leitor- o trabalho é indicado primordialmente para professores e estudantes de letras- de um escritor exemplar de nossa literatura.
 Mas o que é, enfim, A trajetória poética de Lêdo Ivo? E com o adendo analítico- subtítulo- Transgressões e modernidade? Simplesmente o ensaio, com mais de 280 páginas, “navega” por todos os livros de Lêdo Ivo, a partir mesmo de sua estréia com As imaginações, nos começos da década de quarenta, quando a literatura brasileira já tinha feito um longo périplo e desembocando no movimento modernista de 1922.
 Reconhecido, logo de saída, como um bom poeta, ousado e inventivo, o que a crítica literária vai anotar é a transgressão do jovem Lêdo Ivo como um renovador da nossa poesia, bebendo e transformando a tradição em mais um passo afirmativo da nossa literatura. Então é só acompanhar a “trajetória” do estudo de Assis Brasil, em que temos não somente a revelação de um grande poeta, como o esclarecimento de todo o percurso do nosso próprio Modernismo.
 Assis Brasil dá especial atenção ao livro de Lêdo Ivo, Acontecimento do soneto, pois esta chamada forma fixa é o principal desafio estético para todos os poetas. E Lêdo Ivo sai exemplarmente realizado de sua incursão por essa forma desafiadora. Não somente os decassílabos clássicos, como os alexandrinos e mais as inovações dos sonetos brancos, e mais as rimas toantes sob o jogo desafiador da linguagem. Esta, que engloba e dá sentido às formas- repetimos- às diversas formas dos poemas, é outro aspecto inventivo de Lêdo Ivo, que, assim como o soneto, dedicou também a um de seus livros o título de Linguagem.
 O poeta alagoano – também bom ensaísta e romancista - analisa a sua própria obra, a que Assis Brasil deu especial importância, remetendo o escritor para o reino esclarecedor da metalinguagem. Os estudiosos da poesia - como é o caso de Assis Brasil, que já escreveu sobre a obra dos poetas Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Manuel Bandeira - sempre citam os poetas/críticos, que entendendo do seu metier e escrevem com conhecimento de causa – ultrapassam os poetas instintivos ou simplesmente improvisados.
 Assis Brasil mostra que Lêdo Ivo pertence a essa classe de escritores estetas. Ele mesmo, Lêdo Ivo, em algum passo de sua vida se refere a esta posição privilegiada que é a do poeta/teórico. No seu livro, Confissões de um poeta, esta posição é mais de uma vez abordada. Com tal consciência do objeto estético, supomos até, Lêdo Ivo teve mais desenvoltura e espontaneidade para escrever – referimo-nos apenas à poesia – a sua obra poética de 20 volumes, cada livro recebendo dele as inúmeras possibilidades de forma.
 Assim é que os livros do poeta alagoano são ricos de “informações” estéticas sobre o reino da poesia a que poucos tiveram acesso, como por exemplo, particularizando, as dimensões dos versos, chegando Lêdo Ivo ao “verso bárbaro” – de comprimento incomum. Foi bom que Assis Brasil citasse tal exemplo, pois os versos longos, de modo geral e na literatura brasileira, quase nunca são mencionados pelos críticos. Assis Brasil esclarece que tal tipo de verso, importante na variação das formas, dá uma visão emblemática aos poemas. O crítico cita Júlio Salusse no Brasil e Carducci na Itália, como cultores de tal verso.
 No Brasil podemos citar ainda Jorge Nascimento, que faz parte da antologia poética de Assis Brasil, A poesia maranhense no século XX, onde o escritor piauiense chama a atenção para o fato, reconhecendo também que o norte-americano Walt Witman e o português Fernando Pessoa também cultivaram esse verso incomum. O fato é que Lêdo Ivo, no seu caleidoscópio formal exercita uma variedade de versos, longos ou curtos, de acordo com a necessidade de cada poema.
 Outro aspecto que mereceu atenção de Assis Brasil, quanto à poesia de Lêdo Ivo, foi o seu engajamento – social e metafísico- em que vida e comprometimento, e mais a literatura, andam de braços dados no afã de o poeta reconhecer, não somente a riqueza das formas poéticas, mas também a intenção de fazer de seu veículo de expressão uma espécie de porta-voz humana e esteticamente inventiva.
 Enfim o quê? Mais um livro esclarecedor de Assis Brasil quanto às possibilidades expressivas e formais da literatura. A indicação que o escritor deixa nas entrelinhas de seu importante estudo é a de que o leitor, comum ou especializado, deve ler, por inteiro, a obra de Lêdo Ivo. Ela e este estudo analítico dão uma visão de corpo inteiro do poeta alagoano. A trajetória poética de Lêdo Ivo / Transgressão e modernidade deve ficar na estante do leitor, se possível ao lado da obra poética de Lêdo Ivo, um dueto esclarecedor sobre a Poesia e sobre os problemas estéticos que acompanham este gênero artístico.

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*Reynaldo Dias Jr. é professor de literatura da UFF.