A VISITA (CONTO)
Por Margarete Hülsendeger Em: 15/12/2010, às 15H48
É muito mais fácil matar um fantasma do que matar uma realidade.
Virginia Woolf
Era uma madrugada morna. Há algum tempo, Laura revirava-se na cama. Uma estranha tensão a impedia de dormir. Sem fazer muito barulho, resolveu deixar o quarto.
Andando a esmo pela casa, procurou alguma coisa com a qual se distrair. Um livro. Uma revista. Não conseguia se livrar da sensação angustiante de que algo estava prestes a acontecer. Inquieta, sentou na poltrona em frente à janela da sala. Uma aragem agradável, vinda da rua, diminuía a sensação de abafamento. Fechando os olhos, procurou relaxar.
Foi quando, ouviu um ruído suave. Havia mais alguém na sala. Abrindo os olhos se deparou com uma jovem mulher, sentada na outra poltrona. Ela a encarava sem a menor cerimônia.
Estranhamente, apesar do susto inicial, Laura não sentiu medo. Ao contrário. Ela lhe parecia conhecida. Usava um lindo vestido de seda amarela que chegava quase até os tornozelos. As mangas longas eram franzidas nos pulsos. Além do decote discreto, havia uma fileira de pequenos botões dourados enfeitando a frente do vestido. Seus cabelos, apesar de curtos, balançavam quando a brisa os tocava. Era possível até sentir um suave perfume de violetas emanando dela.
Mesmo não estando com medo, Laura não pôde deixar de se surpreender com aquela situação inusitada. “É alguma visita de última hora? Como ninguém me avisa?”.
A mulher sorriu levemente e perguntou:
– E isso importa?
– Claro que sim! – respondeu Laura – Meus pais não me disseram que teríamos visitas.
– É verdade. Mas teus pais não têm culpa. Eles nada sabem de mim.
– Como assim? Se meus pais não te conhecem como conseguiste entrar?
– Por favor, Laura, eu não falei que os teus pais não me conheciam. Eu disse que eles nada sabem de mim. E quanto a entrar nesta casa, não vejo problema algum. Apesar de agora tudo estar um pouco diferente, um dia ela também foi minha casa – declarou a estranha mulher.
A essa altura, Laura já estava bastante confusa e aborrecida com toda a situação. Sua família não era tão grande assim. Quem seria, então, aquela mulher de modos tão distintos?
– Laura, Laura, Laura. – repetiu a mulher, ainda com um sorriso nos lábios – Qual a necessidade de saber tanto? Não basta que eu esteja aqui, nessa noite abafada, conversando contigo? Se te sentes melhor, vamos dizer, então, que a tua insônia me chamou. Aliás, porque tens tanta dificuldade em dormir? Isso não pode fazer bem para a tua saúde.
– Tenho de tomar algumas decisões. Resolver alguns problemas. Coisas complicadas. É difícil de explicar. Preciso descobrir uma maneira de... – Laura, de repente, parou de falar. Assustada, percebeu que poderia dizer tudo para aquela mulher. Tudo. E, pela primeira vez, sentiu medo.
– Quer saber? Não vou falar mais nada. Nem te conheço! – respondeu na defensiva.
– Laura, já te disse, que importância isso tem? Em outra época, em outro tempo, poderíamos até ter sido amigas. Somos muito parecidas. Quer ver como sei a razão da tua falta de sono? Amor. Acertei?
Laura, boquiaberta, não sabia mais como agir. A mulher, sem lhe dar tempo para responder, olhou fundo nos seus olhos e disse:
– Sabe, eu também já amei. E muito. Pensei que ia ficar louca de tanta paixão. Pelo meu amor teria sido capaz de fazer as maiores loucuras. Ele era tudo para mim: meu amor, minha vida. Tudo. Por isso, me senti atraída para cá, depois de ter estado tanto tempo longe.
– O que aconteceu com o teu amor? – perguntou Laura, sem conseguir se conter.
– Ele morreu.
Laura sentiu um mal-estar. Não esperava essa resposta. Realmente, o rosto da mulher desde o começo lhe parecera triste, nostálgico. “Qual teria sido a causa da tragédia?”, pensou.
– Laura e a sua mania de querer saber sempre os comos e os porquês – debochou a mulher, novamente adivinhando os seus pensamentos – É tão importante saber como ele morreu? Para mim interessa apenas o fato de ele não estar mais ao meu lado. Quando aconteceu, eu morri um pouco com ele.
– Desculpe. Só queria entender melhor essa situação. Estamos conversando há algum tempo e eu não consigo lembrar de ti. Quando moraste nesta casa? E o teu nome, qual é? Pelo menos isso podes me dizer?
– Calma! Não quis te perturbar. Só acho engraçada essa tua mania de sempre querer uma explicação para tudo. Se te sentes melhor posso responder as tuas perguntas. Meu nome é Marina. E eu...
O som de passos no corredor fez com que Laura se virasse. Na porta sua mãe a olhava:
– Laura, minha filha, o que fazes aqui na sala? Estavas conversando com quem? – quis saber a mãe, surpresa por vê-la no escuro e falando sozinha.