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ROGEL SAMUEL


Durer gostaria de morar naquela cidade onde há oito baleias encalhadas, canta Marianne Moore mãe da poesia moderna, em seu poema “The steeple-Jack”, o consertador de campanários, ou um João-ninguém no ar manso do mar das casas num dia bonito, vindo das águas-fortes de Durer onde as ondas mais parecem escamas de peixe, “com a mão direita ela as penetras – as coisas – com lápis bisturi, o verso cicatriz” - diz João Cabral - e as vê onde as gaivotas rodopiam ao redor da torre do relógio, na ronda do imaginário farol, nem mesmo precisando mover as asas de sutil papel, apenas com um estremecimento do corpo na plumagem de arrepios aéreos, o mar (diz ela, e não duvido), da cor do pescoço de pavão, uma cor púrpura, chegando a verde-anil, que é o azul daquele Arraial do Cabo na minha adolescência, as estrelas da Praia dos Anjos brilhando no chão por onde passávamos a caminho dos ninhos de amor das aventuras de lá, e a arte, na sua essencial erótica marítima, grande cascos de baleias, impotentes, jacentes, brancos, talhados em mármores familiares, estátuas jacentes pois Marianne Moore viu no avanço do risco rígido do mar em brancos barcos, e em Arraial do Cabo as sandálias de espumas multicores, aros do sol, os ácidos do sol de aço dourado a fogo, sol forte de febre, as primeiras estrelas visitantes cruzadas em desígnios e misteriosos signos, da poesia ela, pegajosa, confidencial, cheia de aritméticas pinças, de Marianne Moore, que quando escreve em vez de lápis, diz Cabral, emprega instrumento cortante, a saber, bisturi, um canivete, e faz rir de delírio geológico, ilógico, colorido, reduzido, imagem a fragmentos de sonho, lembranças do Morrro do Miranda, dos anjos da Praia dos Anjos, do Morro do Atalaia, da Ilha dos Franceses, da poesia-água-forte, água em movimento, ávido tecido vivo de esmeraldas e ametistas, mar memorial delirante em viver o azul nas sonhadas capelas e marés e nos alpendres chamuscados de matiz de águas-marinhas profundas, pois foi o que viu Bachelard ali, em “L´eau et les rêves”, no seu “ensaio sobre a imaginação da matéria”, a água domada e desumanizada, pertencente ao domínio da mitologia primitiva, diz ele, aventuras das grandes viagens marítimas em vendavais de narrativas, ao nível dos grandes mitos das poderosas forças da imaginação heróica e material, em vidro estilhaços da profundidade igual ao que não existe, ao inconsciente que marítimo é narrativo, na mitologia do chão catando pelo rastro da origem a fabulação, diz Bachelard, este buscar participando da tonificação da vida, da renovação dos quereres do amor, do amor todo nascente da água do ventre, como certas deusas, ou o nascimento de Vênus, de Botticeli, mencionada em Apeles, presente no relato da criação de Hesíodo, na Teogonia, Afrodite surgindo das espumas nascentes da mistura do sêmen e do sangue de Urano, ou em versão, não encontrada na Ilíada, onde a deusa do amor nasce da união de Zeus e Dione nas douradas praias amadas de Arraial do Cabo, no Estado do Rio de Janeiro, abstração límpida do neoplatonismo da natureza dual do amor sobre as conchas são vaginas da beleza em flor...

 

* * *

“O JOÃO-DA-TORRE” de Marianne Moore
(fragmento)
Dürer teria visto um motivo para viver
                                   numa vila como esta, em cuja praia há oito baleias
para se olhar; onde a suave brisa entra na casa da gente em dia
claro, vinda de água em água-forte
         com ondas formais como num peixe as
escamas.
Uma por uma aos pares e aos trios, as gaivotas não
        param de ir e vir, sobre o relógio da vila voando,
ou de circunavegar o farol sem nem sequer mover as asas –
elevando-se firmes com leve
        tremor de corpo -, ou então, em bando,
de miar
onde um mar da púrpura do pescoço do pavão
         se transforma em verde-anil, como Dürer a degradar
o verde-pinho do Tirol no azul-pavão e no cinza-guiné.
Você pode ver uma lagosta
         de onze quilos; redes a secar
ao sol. O
remoinho pífano-e-tímpano da tempestade
         enverga a relva salina do brejo, perturba as estrelas
no céu e a estrela na torre da igreja; é um privilégio ver tamanha
confusão. As árvores e as flores
         da costa têm a favorecê-las
a neblina

                                                  (trad. José Antonio Arantes)