A versão de Ed Lincon sobre a demolição do Cinema Guarany, de Manaus

Carlos Drummond escreveu, no Jornal do Brasil, sobre publicação de Selda Vale da Costa e Narciso Lobo, que tentava salvar o velho Alcazar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CAPA DE FASCÍCULO DA COLEÇÃO "A Segunda Guerra Mundial":

"Tóquio devastada!"

(http://img1.mlstatic.com/jm/img?s=MLB&f=103575747_1388.jpg&v=O)

 

 

 

 

 

O ARTEFATO: "Garotinho" (Little Boy)

(http://mauj77.blogspot.com/2010/05/misterios-de-hiroshima-lost-in-japan.html)

 

 

 

 

Hiroshima after Little

HIROSHIMA (JAPÃO) DEPOIS DE UMA BOMBA-GAROTINHO CAIR SOBRE ELA, matando 100 mil pessoas (LEGENDA DESTA COLUNA "Recontando..."); LEGENDA ORIGINAL DO PORTAL JASON T . LIVINGSTONE ponto COM:

"Sixty three years ago today [TEXTO DIVULGADO EM 6.8.2008], the United States detonated "Little Boy" in Hiroshima, Japan, killing 100,000 citizens. The late Erik Barnouw, documentary scholar and long-time Flaherty Seminar comrade, produced a powerful 16 minute film about the event, Hiroshima-Nagasaki 1945. There's quite a story behind the footage. Originally shot by Japanese filmmaker Akira Iwasaki, the footage was suppressed by the US Government for over 20 years".

(http://www.jasontlivingston.com/archive.html)

 

 

 

 

 

"Nem a consternação do grande poeta Carlos Drummond de Andrade conseguiu salvar o Cinema Guarany, de Manaus"

Coluna "Recontando estórias do domínio público"

 

 

 

 

 

                                      Agradecendo a Ed Lincon pelas informações competentemente transmitidas,

                                      homenageando a amiga, professora doutora

                                      Selda Vale da Costa, da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e a

                                      Carlos Drummond de Andrade (de quem meu avô Benjamin Lima foi colega,

                                      no Ministério da Educação [gestão de Gustavo Capanema] e era amigo),

                                      Narciso Júlio Freire Lobo (de quem fui atento aluno de jornalismo) e

                                      aos japoneses mortos e feridos pela BOMBA-GAROTINHO, em 1945,

                                      em memória

 

 

 

 

 

16.8.2010 - Desgraça pouca é bobagem - Depois de demolido, em seu lugar foi erigido um verdadeiro monstrengo: o prédio, de poucos andares, de um banco particular. É claro que ninguém foi depositar dinheiro ali, mas não é bom ser claro sobre o nome da instituição de crédito (afinal, eu ainda posso nela precisar pegar dinheiro emprestado). De tal maneira que eu não vou dizer que o nome do banco é Itaú. F. A. L. Bittencourt ([email protected])

 

 

 

 

 

ED LINCON,

no Blog do Coronel,

SOBRE O FALECIDO CINEMA ALCAZAR,

DE MANAUS

 

 

 

"Os cinemas de Manaus

 
Cine Guarany (final)

 
Ed Lincon

 

No início de 1938, o Alcazar foi arrendado e totalmente reformado pela empresa Cinema Avenida Ltda. A mudança começou pela substituição do nome: de Cinema-Teatro Alcazar para Cine-Teatro Guarany (título muito em voga na época, devido ao forte sentimento nacionalista alcançado pelo sucesso do romance indigenista de José de Alencar, O Guarany). Outra mudança se dará nas cores do prédio e de seus vitrais: em lugar de vermelho e verde de Alcazar, agora as cores da bandeira nacional.
No sábado, 6 de agosto, o matutino da Empresa Archer Pinto assim informava a abertura da “nova” casa de diversões da cidade:

A fim de evitar tumultos à porta, os bilhetes foram vendidos em outro cinema da empresa, o Avenida (localizado na Av. Eduardo Ribeiro, onde hoje funciona uma loja Bemol), ao preço de 2$000 (dois mil réis) para a platéia, e 1$500 (mil e quinhentos réis) para as galerias. Abrindo as sessões, foi exibido o Fox-Jornal n.º 20X74, contendo o jogo de futebol entre BrasilxTchecoslováquia, trazido especialmente para a inauguração do novo cinema.
Inaugura-se hoje, sob acentuada curiosidade pública, o Cinema Guarany, de propriedade da Empresa Cinema Avenida Ltda., o qual está destinado, pelas características de conforto e segurança que oferece, a ser um centro de diversões preferido pela população.
Cine Guarany, 1977
Pavilhão São Jorge, 1976

Além de filmes, espetáculos teatrais de grupos locais, também eram levados em seu pequeno palco: A Filha do Saltimbanco, peça em quatro atos, encenada pelo corpo cênico do Luso, comenta A Tarde (18.03.1948). O Guarany detinha o privilégio de ser o único cinema de Manaus a manter abertas as portas laterais (corrediças) para ventilação durante as sessões noturnas, por onde se saía para fumar no jardim.


Não se pode falar do cine Guarany sem citar o nome de Vasco José de Faria (1892-1969), seu gerente, que com o passar dos anos ganhou a simpatia de frequentadores, em especial, das crianças que o chamavam carinhosamente de vovô Vasco. Nascido na cidade do Porto (POR), Vasco chegou a Manaus aos 13 anos de idade. Em março de 1916, Vasco aparece como funcionário do Teatro Amazonas. Na década de 1920, é contratado pela Empresa Fontenelle para fazer a programação do Polytheama e do Odeon.
Em 20 de julho de 1938, Vasco Faria firma com a Empresa Cinema Avenida, um “contrato de locação de serviços”, (apesar de já vir colaborando com a mesma desde 1936). No início de agosto seria admitido como “auxiliar interessado” (espécie de sócio minoritário) por seu conterrâneo Adriano Bernardino, para gerenciar o novo cinema Guarany, onde “com igual carinho puxava pela orelha o garoto que “ia furando” como “punha para dentro” aquele que lhe dizia com olhos de “chiclete” mastigado, na última projeção de uma fita em série que vinha acompanhando, que não tinha dinheiro para a entrada...”.
Nos aniversários do cinema, Vasco distribuía balões e bombons para a garotada e sorteava brindes aos freqüentadores. Em 1968 foi lhe dado o título de “Cidadão de Manaus”, mas a sua modéstia impediu-o de comparecer a Câmara Municipal para ser homenageado. Este amigo da criançada permaneceu à frente do cine Guarany até a sua morte, em 15 de agosto de 1969, no Hospital da Beneficente Portuguesa.

Quando em 1939 o Guarany completou o primeiro ano de funcionamento, a empresa proprietária decide comemorar em todos os anos, em 6 de agosto, o aniversário de fundação. A comemoração iniciava no dia 1º de agosto, com queima de fogos e execução da ópera “O Guarany”, de Carlos Gomes. A fachada desta casa de espetáculos era então enfeitada com bandeirolas multicoloridas e, postados na entrada, vistosos painéis ricamente decorados contendo os cartazes dos filmes a serem exibidos durante a semana. O tráfego de veículos em Manaus nas décadas de 40, 50 e até 60 do século passado era tranquilo. Poucos automóveis em circulação nas ruas, ainda assim, os agentes de trânsito estavam sempre atentos, auxiliando para que a festa do Guarany transcorresse sem problema.


Espanhol de nascimento, Domingos veio para Manaus em 1911, onde montou uma pequena lavanderia. Em 1936, foi convidado por Antonio Lamarão para zelador do cine Avenida. Com a inauguração do Guarany em 1938, foi transferido para este, onde, além de zelador, acumulava as funções de porteiro e vigia. Para isso, residia em companhia de uma filha adotiva em pequeno aposento situado na parte posterior do prédio (em fevereiro de 1973, aos 88 anos, “seu” Domingos ainda continuava no mesmo local).


Na semana de aniversário, em todas as sessões havia sorteio de prêmios entre os espectadores ofertados por empresas locais: J. G. Araújo, Antonio M. Henriques, Casa Canavarro, Drogaria Universal, entre outras. Para a realização desses sorteios, Vasco contratava radialistas como Belmiro Vianez (1915-2005) e Ivens Lima (atualmente residindo em São Paulo).


Na ocasião dos festejos, havia um espectador especial presente: Orlando Marques Braga (1905-c1980), deficiente mental, popularmente conhecido como “Xerife” ou “Tom Mix”, curtidor dos filmes de faroeste, quando então se vestia à caráter, ou seja, com chapéu, cartucheiras (sem revólveres) e estrela no peito. Em fevereiro de 1984, o “Xerife” então com 79 anos de idade, vivia na Fundação Dr. Thomas. Outro personagem bastante conhecido dos frequentadores do Guarany era o deficiente visual conhecido por Jaú, que se postava junto à bilheteria, pedindo esmolas.


Para entretenimento geral, a empresa Bernardino oferecia, nos dias que antecediam ao festejo do Guarany, sessão de cinema ao ar-livre. Ocorria às 18h30, em uma tela improvisada suspensa entre dois postes de ferro localizados no Pavilhão São Jorge. Também conhecido por República do Pina ou Café do Pina (inaugurado em 3.5.1951), estava arrendado ao português José de Brito Pina (1912-1982). Os filmes projetados geralmente eram documentários da Organização Rank ou desenhos animados do Tom &Jerry.
Café do Pina, 2008


No 17º aniversário do cine Guarany, em agosto de 1955, é instalada a tela panorâmica e as cores do prédio foram substituídas pelo rosa e cinza. Esta pintura permanece até a metade da década de 1960, quando o prédio volta a ter as cores originais. Em 1958, o 20º aniversário foi marcado pela ausência de Vasco Faria, em férias na Europa, todavia, não apagou o brilho da festa.
Como era do calendário, a festa de aniversário do cine Guarany ocorreu a 6 de agosto de 1964. No ano seguinte, os jornais deixaram de informar a sua realização. Dizem que foi impedida pela Ditadura Militar, que assumiu o País em 31 de março de 1964.
No entanto, em agosto de 1973, a empresa Bernardino, cujo controle acionário fora adquirido pelo grupo Phillipe Daou, realizou a festa de aniversário do Guarany. Infelizmente, essa foi a última comemoração de aniversário do cine Guarany.
Instaladas a Zona Franca de Manaus, em 1967, e, dois anos depois, a primeira estação de televisão, TV Ajuricaba, os cinemas da cidade sentiram o esvaziamento de público. Também motivado pela exibição de filmes de qualidade discutível, como as produções do chamado Cinema Novo, de Glauber Rocha (1939-1981), Terra em Transe, Deus e o Diabo na Terra do Sol; Rogério Sganzerla (1946-2004) O Bandido da Luz Vermelha e Mulher de Todos; Joaquim Pedro de Andrade (1932-1989), Garrincha, Alegria do Povo; e Nelson Pereira dos Santos (1928-), Rio, 40 Graus, etc.

O matutino O Jornal (14.5.1972) enumera os problemas enfrentados pelas casas cinematográficas de Manaus:
Diante do fechamento definitivo de quase todos os cinemas da cidade, a partir de julho de 1973, permanecem em funcionamento apenas o Guarany e o Ipiranga, arrendados para o Grupo Daou/Bernardino, que realizou pequenos reparos nessas duas salas. Após a breve “reforma”, contudo, o Guarany se transformou num pardieiro onde a desordem imperava, segundo noticiavam os jornais, ilustrando bem essa situação:
No Guarany, por exemplo, não se sabe se por motivos de falhas de equipamento ou de pessoal, as projeções estão péssimas. Normalmente num só filme mais de cinco cortes ocorrem isto para não se falar nos escurecimentos da tela, que já se tornaram tradicionais, coisa que só pode ocorrer se o sistema automático que guia os carvões estiver com defeito e, em última instância se o operador de máquina não estiver acompanhando atentamente a projeção.



A Notícia – 26.8.1975 - Guarany virou ninho de carapanãs:
Transformado em verdadeiro esconderijo de morcegos, ratos e carapanãs, o Cine Guarany, se encontra em estado deplorável, sem oferecer o mínimo conforto ao público, que lhe dá preferência diariamente.

A Crítica – 26.8.1976 - O Cine Guarany, contando com um gerente igualmente grosseiro (a menos que tenha sido substituído recentemente), já se tornou notório ponto de encontro de homossexuais. Ninguém pode ir ali com a família, pois o ambiente é o mais obsceno possível, contando com a condescendência dos proprietários que, no fim das contas, só querem mesmo saber do dinheiro das entradas por um serviço que prestam muito mal.


Em novembro, o Prefeito Jorge Teixeira de Oliveira (1975-1979), conhecido por “Teixeirão”, ao promover a ampliação do corredor viário, transfere o Pavilhão São Jorge de frente ao cine Guarany, para o outro lado da praça Heliodoro Balbi (ou da Polícia), quase na esquina das ruas Marcílio Dias e José Paranaguá.
Exibindo filme impróprio para menores, o cine Guarany entrou a década de 1980 dando os seus últimos suspiros. Em maio de 1983, os jornais anunciam sua venda e posterior demolição, destacando que o mesmo funcionaria até 10 de junho. Tal não se verificou, porque a empresa Bernardino conseguiu prorrogar por mais alguns meses o contrato de arrendamento.


Começava a partir daí, a luta inglória pela preservação do cinema mais antigo e popular de Manaus, ainda em atividade. Políticos, jornalistas, estudantes e frequentadores em geral, todos de alguma forma manifestaram-se contra a venda e possível demolição do prédio. O movimento pró-Guarany, ganhou força com a criação em junho de 1983, da Comissão de Defesa do Cine Guarany, com reuniões na sede do Sindicato dos Jornalistas do Amazonas. A Assembleia Legislativa, também pediu o tombamento do cinema, fundado em sua importância histórica e cultural para a cidade de Manaus.


Na noite de 6 de janeiro de 1984, na Galeria Afrânio Castro localizada no térreo da Academia Amazonense de Letras, com a exposição de fotos dos antigos cinemas e a exibição do filme Harmonia dos Contrastes (1966), de Ivens Lima, foi realizado o lançamento do livro Hoje tem Guarany!, dos professores da Universidade do Amazonas (atual UFAM), Narciso Lobo e Selda Vale. Na apresentação, os autores assim definiram a obra:
O livro conta a história do cine Guarany desde a fundação. A renda do lançamento foi revertida em prol do movimento da conservação e tombamento do prédio. O poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), em artigo no Jornal do Brasil (31.1.1984) Manaus e a história de um cinema, também entrou na luta.
Escrita a quatro mãos, esta publicação é assumidamente sentimental. Angústia, raiva e satisfação acompanharam este trabalho. Foi uma curtição, mas com o olho nos fatos. Incompleto, talvez, com lacunas, certamente, e com a marca de dois estilos diferentes. É o primeiro rebento de uma relação de amor triangular: nós o cinema e Manaus.

Infelizmente tanto grito não foi ouvido, o cine Guarany ainda continuaria por mais sete meses, exibindo filmes de karatê e sexo explícito. Nos dias que antecederam ao seu fechamento, os jornais publicaram o seguinte aviso: “A ilha dos mil prazeres será o último filme desse cinema que funcionará até 6ª feira. Aos distintos espectadores que freqüentam esta casa de espetáculo muito obrigado. Empresa de Cinemas Bernardino Ltda.”


Confirmando o melancólico anúncio, o Guarany funcionou até 31 de agosto de 1984. O último filme: A ilha dos mil prazeres. Na platéia, pouco mais de 20 espectadores, contando-se os funcionários. Ao término sessão, o gerente Antonio Pereira da Cunha (1931-), alcunhado de Português, iniciou a desmontagem das cadeiras que foram levadas para o depósito da empresa Bernardino.


O cine Guarany chegara mesmo ao fim. Vendido pela família Araújo, o prédio começou a ser demolido no dia 24 de setembro. Em editorial, A Política do patrimônio, o matutino A Notícia (25.9.1984), questionou a demolição do cinema da av. Floriano Peixoto. Nada mais havia a tratar, veio abaixo em 10 de outubro.

Retirados os escombros, no lugar do velho e saudoso cine Guarany, a cidade assistiu a construção de “moderna”, porém, monstruosa caixa de concreto que abriga atualmente uma agência do Banco Itaú.
 

Domingo, 2 de maio de 2010

Caryl Chessman (1921-1960)

 

50 anos, nos bons tempos do cine Guarany e outros, torciamos pelo artista, pelo mocinho dos filmes de cowboy. Gritávamos tentando alertar o ator, como se nossas vozes pudessem modificar o enredo do filme. No início de 1960, porém, o mundo torceu pelo bandido, melhor dizendo, por um criminoso. O criminoso era o americano Caryl Chessman (1921-1960), conhecido por Bandido da luz vermelha, condenado e já no corredor da morte da penitenciária de St. Quentin, na California.
Estava com o dia marcado para a execução, 2 de maio, quando os protestos recrudesceram. Em várias partes do mundo e do País. Afinal, o preso lutava há doze anos pela sua libertação. Havia progredido, estudara bastante, escrevera livros e, assim, conseguira adiar por anos a execução da sentença. Mas, estava chegando a hora.
Também em Manaus, voz partindo do longuinquo amazônico, ainda assim essa voz ecoou.
Vou me reportar a repercussão desse episódio na vida da cidade. A 1º de maio, em O Jornal, padre Nonato Pinheiro ensinou A Lição de Chessman:


"Ao que tudo indica, amanhã, será executado o famoso Chessman, famoso pela celeuma universal que o seu processo despertou no mundo, em doze anos de encarceramento, nas garras da morte. Nesse lapso considerável de tempo, muito se tem dito e escrito acerca de sua pessoa e do crime (verdadeiro ou suposto) que lhe foi imputado. Ele próprio deu a lume dois livros que correram o mundo, traduzido nas principais línguas."

Nosso saudoso ensaísta lembrou-se das aulas do seminário, fez citação teológica, enfim, para justificar, citou a Suma Teológica: "A lei é certa regra ou medida de atos segundo a qual alguém é induzido a agir ou a não agir". E encerra com a Sagrada Escritura:

"Aos que me objetarem com a imperiosidade da lei, responderei com Salomão (Provérbios 6:23) que a lei é sobretudo LUZ, e se essa lei provoca no mundo tanto repúdio e indignação, é sinal evidente de que essa luz já não brilha, ou que essa lei já são trevas..."



Apesar de todas as manifestações e apelos, a Justiça dos Estados Unidos há 50 anos executou na camara de gás a Caryl Chessman.
 

Sábado, 20 de março de 2010

CINEMAS DE MANAUS

 
O cinema já predominou entre as diversões. Antes da expansão das TVs, e por vários fatores, era buscado com veemência. Tanto que, além do centro, existiam cinemas nos bairros mais populosos da cidade. Sobre a presença dessas casas de espetáculos escreve um conhecedor do assunto. Vamos começar pelo mais conhecido, certamente devido ao seu final infeliz, aquele que teve início como Casino Julieta (1907-1911); depois Alcazar (1912-1937); enfim, Guarany (1938-1984).

Ed Lincon

O cine Guarany remonta a decantada belle époque. Tudo começa em maio de 1897, quando o engenheiro amazonense Lauro Baptista Bittencourt (1853-1916) adquire o terreno situado entre as ruas Municipal (hoje avenida Sete de Setembro) e Lima Bacuri, com frente para a avenida Floriano Peixoto, visando construir um centro de diversões. O empreendimento, entretanto, arrasta-se por dez anos.
O Jornal do Commércio, em 1904, reproduz a fachada e a planta do Julieta, que difere totalmente daquela publicada três anos depois pelo jornal
Amazonas. Isso indica que até sua conclusão, o projeto original sofre ampla modificação.
O Casino Julieta (com um “s” apenas) recebe este nome em homenagem a filha do engenheiro, Julieta Bittencourt, que mais tarde se casaria com o engenheiro Aloysio Araújo, herdeiro do comendador Joaquim Gonçalves de Araújo (1860-1940), o ilustre J. G. Araújo, dono do maior império econômico da época. Com o casamento, a família Araújo torna-se proprietária do imóvel até sua venda e demolição nos anos 1980.
Projetado em estilo mourisco pelo próprio Lauro Bittencourt, o Julieta, em cuja construção predomina o uso de ferro fundido, principalmente na estrutura do telhado, teve sua decoração interior importada da Europa, comum à época em obras desse porte. O estilo arquitetônico ali utilizado era modismo no Velho Mundo, especialmente na Espanha, destacando-se os imensos portais, as bandeirolas na parte superior e os entalhes decorativos de sua fachada. Internamente, foram construídos camarotes que ocupavam duas ordens, a superior e a inferior interligadas por uma escada de ferro. No andar superior em frente ao palco, foi instalado o camarote do governador. Nos fundos do prédio, estavam os geradores de energia elétrica e, lateralmente, os mictórios. Próximo à entrada pela rua Municipal, foi montado um botequim pelo qual o público podia atravessar para chegar ao Casino. (segue)