Miguel Carqueija


A História é contada pelos vencedores, diz o ditado. Por isso mesmo, como os comunistas afinal venceram a famosa Guerra do Vietnam, hoje em dia a maioria das pessoas parece que carrega uma idéia distorcida sobre o que foi realmente esse conflito tão prolongado. Pensa-se enfim que os Estados Unidos foram lá fazer guerra a um pequeno e pobre país, o Vietnam, que o assolaram durante anos e mesmo assim acabaram derrotados. Ora, não foi isso que aconteceu. A realidade é bem diferente do que a propaganda esquerdista leva a crer.
Não sou um especialista em História e nem cientista político, não estudei mais aprofundadamente a Guerra do Vietnam, mas o que eu sei está facilmente ao alcance de quem queira pesquisar o assunto. Afinal eu vivi aqueles anos, acompanhei notícias, e sei que a maior parte dos detalhes importantes jaz agora no esquecimento dos povos, tanto mais que a maior parte das pessoas hoje vivas nasceu após 1975, ou eram então muito crianças para se inteirarem diretamente dos fatos.
Comecemos por definir que, para início de conversa e contrariando o que a maior parte deve pensar, essa guerra não foi iniciada pelos americanos e nem finalizada por eles. Com efeito o conflito começou antes da entrada dos americanos e continuou depois que eles saíram. Isso só já dá para descredenciar a maior parte do que hoje se propala sobre o assunto. Além do mais, a rigor, o mais certo é falar em Guerra do Sudeste Asiático, pois abrangeu outros dois países, o Laos e o Camboja, que junto com o Vietnam formavam em certa época a Indo-China, colônia francesa. No Camboja agia o sinistro Khmer Vermelho.
Até onde eu sei as hostilidades na região começaram em 1940, quando os japoneses invadiram a região. Ora, estava-se em plena Segunda Guerra Mundial, iniciada que fôra em 1937 com a invasão da China pelo Japão. Na verdade a conflagração do Sudeste Asiático iniciou como um segmento da II Grande Guerra. Como houve uma continuidade na Indo-China, pode-se até considerar que a segunda guerra não terminou em 1945, pois ao menos naquela região só se resolveu meio século depois...
Lembro bem que em 1970 saiu extensa matéria num grande jornal do Rio de Janeiro (Jornal do Brasil, ou O Globo) que começava assim: “Trinta anos de guerra”.
Depois que o Japão foi expulso a questão ficou sendo uma revolta pela independência indo-chinesa, então sob domínio francês. O mundo ainda vivia os tempos do colonialismo típico do século XIX. Em 1954 a França foi derrotada na Batalha de Dien Bien Phu e teve de se retirar. Já então, grupos opostos disputavam o poder: comunistas e nacionalistas. O país foi dividido como antes foram a Alemanha e a Coréia. Passaram a existir o Vietnam do Norte, marxista e sob o domínio do ditador Ho Chi Minh, e o Vietnam do Sul, com outro tipo de governo, não do tipo democrático por falta de tradição no continente asiático...
Ora, o comunismo é uma ideologia expansionista. Logo começou a haver uma escalada de uma situação de conflito: dispostos a dominar tudo, os comunistas do norte começaram a infiltrar elementos subversivos no sul, que afinal terminaram sendo conhecidos como vietcongs. Um chefe de estado sul-vietnamita (Ngo Dinh Dien) foi assassinado em 1963 em estranhas circunstâncias, não se pode dizer que mesmo sem comunismo o Vietnam do Sul fosse um paraíso. Mas essa escalada, após os primeiros anos que seguiram a derrota francesa, tornou-se claramente um conflito de graves proporções durante a década de 60. Além dos EUA também a Austrália, Coréia do Sul e Nova Zelândia participaram, defendendo o Vietnam do Sul, povo e governo. Pelo lado comunista, Rússia, China Vermelha, Tcheco-Eslováquia, Coréia do Norte ajudaram o vietcong, na verdade braço guerrilheiro e terrorista do Vietnam do Norte. Forneciam armas e munições. Temia-se, nos anos 60, que a guerra se tornasse mundial.
Infelizmente a opinião pública norte-americana, temendo o conflito atômico e sensibilizada por tantas mortes na sua juventude, acabou pressionando ferozmente o governo para que saísse do Vietnam. Não se refletia que tal saída significava condenar milhões de pessoas daqueles três países à escravidão, tortura e morte. Para que se tenha uma idéia: após a queda definitiva do Camboja em 1975 noticiou-se que líderes do antigo governo haviam sido decapitados...
Aliás Pol Pot, a besta-fera que comandava o Khmer Vermelho, proporcionou no Camboja um dos maiores genocídios da História.
Voltando porém aos EUA: pressionado pela opinião pública e pelo alto custo do conflito que resultou em tantas mortes de soldados americanos e prejuízos financeiros, o presidente Richard Nixon, mesmo considerado um “falcão” (linha dura) aceitou um humilhante tratado de paz pelo qual se formava no sul um governo de coalizão, com a participação do vietcong. Fiscais da ONU foram enviados á região apenas para serem caçados pelos vietcongs. Os comunistas jamais respeitaram o tratado, embora o tivessem assinado, e a guerra continuou, mas Nixon e seu sucessor (pois Nixon, comprometido pelo caso Watergate, renunciou em 1974) concretizaram a retirada norte-americana, entregando o Vietnam do Sul, o Laos e o Camboja à própria sorte. Na verdade, se quisessem realmente ganhar uma guerra tão complicada, passada em região de selva tropical, deveriam ter invadido por terra o Vietnam do Norte, mas se limitaram a bombardeá-lo (bombardeios sempre matam muitos inocentes).
Saigon (capital do Vietnam do Sul) rendeu-se em 1975, pouco depois da rendição cambojana. O Laos caiu de todo em 1976. É significativo que o governo tailandês (que em tese seria a próxima vítima) declarou na ocasião que não queria ajuda norte-americana. Gustavo Corção, líder católico brasileiro, assim traduziu o que isso queria dizer: — Não queremos ajuda de gente sem caráter!
O fato é que até hoje a Tailândia não caiu.
Sabemos que conflitos continuaram a acontecer, até de certa gravidade. Dada a proporção do extermínio da população cambojana, o Vietnam (agora unificado) invadiu o Camboja em 1979. Foi a primeira vez na História em que dois países comunistas entraram em guerra um com o outro. Até a China Vermelha entrou um pouco na dança, fazendo uma guerra de fronteira contra o Vietnam, mas acabou se retirando. O Khmer Vermelho foi afastado do poder pelos vietnamitas porém Pol Pot liderou a luta contra o governo de coalizão então montado. O fim de Pol Pot, já destituído e prisioneiro, foi melancólico.
Os americanos cometeram erros graves e até crimes no Sudeste Asiático? Cometeram, sim. Utilizaram métodos bélicos cruéis, como o napalm e os desfolhantes. Exportaram drogas e prostituição. O pior, porém, foi traírem seu compromisso de defender a liberdade daqueles povos. Em todo caso, foram apenas uma das peças no vasto conflito que durou quase 60 anos.

Rio de Janeiro, 22 de abril de 2016.