A tragédia do ônibus 350: uma crônica não publicada*
Por Cunha e Silva Filho Em: 26/02/2013, às 10H13
Cunha e Silva Filho
Um ônibus, em paz, sai da Avenida Brasil, principal via terrestre de acesso à cidade do Rio de Janeiro.Passa pelo Viaduto e entra no velho bairro suburbano da Penha Circular. Prossegue na sua rota. Atravessa o Viaduto João XXIII. Entra, em seguida, na rua Irapuã – rua mais de residências, algumas bem velhas. Ao entrar nesta rua, o motorista, de repente, recebe o aceno de duas adolescentes para que pare o ônibus.
Os passageiros, cansado da jornada de trabalho daquela dia aguardam com ansiedade chegar a seus lares. “Quantas vezes tomei esse ônibus do centro do Rio à Vila da Penha, outro bairro fazendo esse mesmo percurso?” Este ônibus, se me recordo bem, até aparece num dos poemas do grande poeta paraense Jurandyr Bezerra, autor da obra Os limites do pássaro (Belém: CEJUP, 1993, 67 p.). Jurandyr há anos é morador na Vila da Penha.
O motorista, então, atende ao aceno das meninas que esperavam, num ponto da citada rua, qualquer ônibus desde que fosse este tipo de veículo. Tudo, todavia, não passava de uma cilada. Eram aproximadamente dez horas da noite. Ao parar o veículo, de imediato um ou dois homens, surgem, como num passo de mágica - homens-demônios - dispostos a tudo, implantando o terror e o pânico. Arrancam, furiosos, o motorista do volante. Outros homens permanecem do lado de fora, dando-lhes cobertura. Em movimentos rápidos, despejam gasolina no interior do carro e, em questão de segundos, ateiam fogo diante de passageiros tomados de surpresa, atônitos, sem mesmo tempo de reação. Alguns passageiros, cochilavam ou mesmo dormiam até aquele instante dessa viagem dantesca.
No veículo, havia um casal com um bebê de um ano. A mãe e o bebê , na confusão, em meio às labaredas crescentes, sumiram da vista do pai, ele próprio apavorado e impotente diante da situação horrenda. Alguns outros passageiros, quebrando vidros das janelas, puderam escapar ainda que sofrendo os horrores das chamas que se alastravam pelos seus corpos. Era o inferno na Terra ou a Terra no inferno.
A porta de saída ficara fechada. Não houve tempo a fim de que o motorista conseguisse abri-la. Os passageiros, encurralados, só tinham a porta de entrada, já em chamas, e a possibilidade de pular pelas janelas, igualmente em chamas. Houve uma explosão. O coletivo, em fração de minutos, era engolido pelas labaredas.
Quadro aterrador! Passageiros saindo do veículo, com dores intensas, os corpos em chamas, correndo, desesperados, pela rua. Um saldo de cinco mortes instantâneas. Muitos feridos gravemente. Os culpados: um dez monstros seguramente saídos das profundezas do inferno. As adolescentes, manipuladas pelos patifes, sumiram do local, quem sabe, para servirem de instrumentos diabólicos desses criminosos que nascem como ratos espalhando o terror e o cheiro de enxofre pelas narinas nauseabundas.
Não eram terroristas, como um amigo meu, jornalista, me corrigiu: não defendiam nenhuma ideologia, nem princípios, nem causas sociais, Eram animais selvagens, mentecaptos, tresloucados, cruéis, covardes brutamontes, energúmenos, psicopatas sociais, talvez incuráveis, que mereciam permanecer trancafiados pelo resto da vida, que não merecem misericórdia.
Quando, em meio à nossa indignação pelo ato bárbaro, tomamos conhecimento desse plano satânico, tramado seguramente por Belzebu, nossa indignação foge aos princípios ético-religiosos normais e passamos a comungar com um tipo de punição – a pena capital - para esses escroques, incendiários, monstros saídos da nossa sociedade afluente,ou melhor, construídos talvez por essa sociedade desigual, individualista e indiferente.
O ônibus 350, que eu soubesse, nunca fora alvo de atentados dessa natureza. O motorista da tragédia, que escapou ileso, já declarou que deixará de trabalhar na empresa. Dizem que os culpados já foram punidos com a pena de morte perpetrada por outros bando de uma facção adversária no mundo do tráfico de drogas, armas e de outros crimes abomináveis. A vida em si punira os culpados.
Enquanto isso, a cidade do Rio de Janeiro perde sobretudo no campo do turismo, que sofreu mais um golpe em face da incapacidade das autoridades de segurança, as quais, por incompetência e imprevidência, não dão conta da escalada do crime organizado, das máfias dos morros em suas lutas intestinas pelo controle do narcotráfico, com rivais do mesmo naipe da bandidagem instalada na cidade do Rio de Janeiro e em outras capitais do país.
Se para cada marginal morto pela polícia carioca corresponder uma retaliação da parte dos criminosos do tráfico, é de se recear pela integridade física dos cariocas, que poderão ser outras tantas vítimas inocentes da selvageria de monstros mefistofélicos em pele de humanos, prontos a transformar a bela cidade de São Sebastião em presa fácil de suas sanha em novos atos semelhantes aos do ônibus 350.
Nota do autor: A tragédia ocorreu em 2005.