A SENHORA MOON JANTA COM KAFKA
Por Rogel Samuel Em: 26/06/2013, às 04H08
ROGEL SAMUEL
Escreveu Derrida: “a mulher não existe”.
Assim, a mulher estava presa desde 1987. Mas ninguém soube explicar por quê. Talvez pelo fato de ser mulher.
Depois de 15 anos de prisão, foi mandada para um centro de desabrigados. Numa província próxima.
Na realidade, se chamava Jaeyaena Beuraheng, era malaia, muçulmana.
A muçulmana tinha saído de casa há 25 anos, de Narathiwat, uma das três províncias de maioria muçulmana, no extremo sul da Tailândia budista.
Mas Jaeyaena Beuraheng pegou o ônibus errado, 25 anos atrás, e se perdeu. Não sabia ler nem escrever. Muito menos em tai.
Tentando voltar para casa, sua tragédia piorou, pois Jaeyaena Beuraheng tomou o ônibus pensando que ele se dirigia para o sul, para sua casa, quando na verdade a viatura ia para o Norte, para Chiang Mai, a mais de 700 km, no Norte.
Jaeyaena Beuraheng acabou a 1.200 km ao Norte de sua casa, que ficava em Bangcoc.
* * *
Jaeyaena Beuraheng passou a se sustentar durante cinco anos pedindo esmola.
Depois, foi presa pela polícia. Por quê? Por que era analfabeta, pobre, estava indefesa.
Mandada para um centro de desabrigados, "foi só quando alguns estudantes vestidos de muçulmanos a visitaram que ela começou a conversar com eles e então nós percebemos que ela não era muda", disse o diretor do centro, Jintana Satjang, à Agência Reuters.
Eram três estudantes de Narathiwat, que foram trabalhar no centro. Falaram com ela. Ouviram sua voz, a história trágica.
Vinte e cinco anos depois ela reencontrou seus oito filhos.
Os filhos tinham sido informados que ela havia sido atropelada por um trem.
Ela já tinha 76 anos.
Jaeyaena Beuraheng era conhecida como "Senhora Moon", porque seus suspiros soavam como moon, uma língua tribal do país vizinho, Miamar.
* * *
A crítica feminista anglo-americana, assim como toda a investigação feminista, procura expor os mecanismos sobre os quais a sociedade patriarcal domina e pelos qual é mantido o objetivo de transformar as relações sociais.
O objeto da crítica feminista é fundamentalmente político.
Por isso as feministas defendem a atividade de transformar a sociedade, porque acreditam que a sociedade patriarcal está a serviço dos interesses dos homens sobre os das mulheres.
O objeto das feministas é o modo de como a sociedade patriarcal oprime.
A psicanalista Luce Irigaray avançou com a crítica feminista sob a influência de Freud e de Lacan, situando o discurso psicanalítico em geral dentro do contexto maior do pensamento Ocidental.
Como Kristeva, ela vê o mito humanista do ego unificado como fundamentado na ideologia do falocentrismo de um criador masculino potente e sem igual.
Mas a preocupação central de Irigaray é a construção e imagem da mulher feita pela imaginação masculina que informa a tradição filosófica inteira.
Ela se refere ao texto de Derrida de que as metafísicas ocidentais excluíram mulher-como-conceito; e se apropria da formulação de Lacan sobre a dinâmica da ausência:
Como Jaeyaena Beuraheng, a mulher "não existe".
Em Speculum, de 1974, Irigaray vê como os pensadores masculinos desde Platão fizeram da mulher um ser passivo por suas elaborações da "lógica do mesmo": nas suas especulações filosóficas, o sujeito reflete somente a si próprio, e tudo aquilo que é diferente dele é o "negativo", ou "inconcebível".
A metáfora do espelho sugere o problema da invisibilidade da imediatez da sexualidade feminina no pensamento ocidental. O pensamento "masculino" contempla o que objetivou na mulher, e a questão da representação do discurso e da escrita como pura reflexão do lugar ou imitação do discurso de si mesmo.
Mas no mundo oriental existe a senhora Moon.
Isto foi notícia em fevereiro deste ano. Mas ninguém viu que ela era mulher. E muçulmana. E só falava yawi, um dialeto do sul da Tailândia.
Parodiando Derrida, esta mulher não existe. Só nos livros de Kafka.