CUNHA E SILVA FILHO

 

      Os partidos situacionistas, PT, PSOL, PC do B e alguns menos expressivos contrários ao impeachment da presidente Dilma proclamam, como se fossem donos da verdade, que os demais partidos, DEM, PSDB, e PTB e outros menores, inclusive grande parte da sociedade civil, querem o golpe.
     Não seria um golpe, mas a deposição de uma mandatária do poder por absoluta falta de legitimidade.O que significaria isso? A rejeição do eleitorado em geral pela continuidade de uma presidente que perdeu o favor do público, do povo, ou, no mínimo, de uma parte não desprezível da sociedade brasileira.
       Não preciso colher a opinião proveniente dos cálculos estatísticos: basta auscultar a média das pessoas, em conversas nos bares, nos restaurantes, nas farmácias, nos supermercados, nos botecos, numa palavra, na rua – o grande termômetro para medir, não a pressão arterial, mas o grau de indignação do eleitorado pela forma como a presidenta Dilma tem conduzido seu governo.
     É bem verdade que a questão do suposto golpe dividiu o mundo acadêmico da área jurídica em prós e contras  no que tange ao govaerno Dilma. Isso, na minha opinião, resulta de uma gritante e inexplicável   falta de consenso entre pessoas de cultura e profundo conhecimento do Direito que se deixam contaminar cegamente por um lado da política brasileira atual que, a olhos vistos, está sendo conduzida por erros, omissões, falta de ética, empulhação, cooptação política cínica e deslavada.             Diante da montanha de desacertos administrativos, de recorrente desrespeito às normas constitucionais tais doutos juristas   ainda não enxergam claramente o quanto o nosso país está sendo vítima de uma governança inepta e conluiada com o que de mais podre existe no lulopetismo, cuja história e fundamentos se alicerçavam numa construção de um país mais justo e menos excludente.
     Estes princípios  petisstas sob os quais se pautava a construção político-institucional do país tinham  raízes assentadas na melhoria dos trabalhadores e na parcela dos miseráveis há longo tempo esquecida da sociedade. Com o tempo, alguns dos co-fundadores do PT, o novo partido com chumaços de vanguarda política,  de transformação social e de diminuição do fosso de miséria separando secularmente ricos e famintos, apostaram na liderança de um metalúrgico, mas futuramente se decepcionaram com os rumos que o partido ia tomando, quer dizer, rumos que sinalizavam para estratégias eleitoreiras via populismo, salvacionismo e outros expedientes escusos que fizeram alçar o ex-metalúrgico ao cargo mais elevado da Nação.

    Era o começo da era Lula, do político dublê de sindicalista, homem de origem humilde, sem o primário completo, mas com talento de liderança, homem de palavra fácil recheada de solecismos mas que reverberava favoravelmente entre as camadas mais sofridas da população brasileira. Além disso, homem fervoroso nas suas ambições de conquistas do poder a todo custo.
      Tanto assim que tentou duramente ser presidente da República e o conseguiu. Da minha parate,  nunca deposistei confiança em suas reais intenções de um  propalado grande presidente dado o seu lado meio malandro, meio sinuoso, de compor-se como homem público.
      Não deu outra. Procurou conduzir-se com boa desenvoltura no poder nos dois mandatos, mas, no subsolo de sua presidência ,já se iniciava um processo de degenerescência político-moral-institucional que resultara nos escândalos do Mensalão duramente criticado por vários grandes jornalistas brasileiros, entre os quais  mencionaria Fausto Wolff do saudoso Jornal do Brasil. Os dois mandatos do Lula foram cumpridos legalmente, contudo  sua popularidade já mal disfarçava o que iria pôr a sua imagem em xeque, a de um político sobre quem já recaíam suspeitas de mau governança e corrupção nos altos escalões do poder no Planalto, a começar do seu chefe da Casa Civil, José Dirceu, o homem forte do lulismo.
     Da passagem do Lula para Dilma aquela degenerescência que se iniciara com Lula iria se agravar no mandato primeiro de Dilma, candidata preparada doutrinariamente pelo seu mentor-mor, o Lula. Ora, Dilma não teria condições do líder petista e, além do mais, não era talhada para o cargo de maior relevância do país.
    Aguentou-se na presidência do primeiro mandato a duras penas, mas já tendo atrás de si as nuvens negras aprontadas pelo seu antececessor  e originadas no campo minado da corrupção político-administrativa que recebera o nome de Petrolão – esquema engendrado nas fontes do poder espúrio com base na propina e nos desvios do dinheiro público de estatais mancomunadas com grandes empresários a fim de dar vitória eleitoral à custa de escambo: o governo recebe propinas de vultosas valores pecuniários a fim de fazer caixas milionárias de campanhas eleitorais para garantirem a vitória de petistas e sobretudo da eleição presidencial.
    Esse, a meu ver, é o cerne da imoralidade que se plantou em solo brasileiro com consequências deletérias para os cofres públicos e com irradiações destrutivas das finanças dos estados e prefeituras e sucateamento da máquina do Estado, cujas consequências esperadas foram a quebradeira das finanças públicas e a deterioração da nossa economia e suas sequelas conhecidas lançadas no bolso da sociedade: inflação de dois dígitos, juros altíssimos, encarecimentos do custo de vida em todos os seus produtos, desemprego, fechamento de firmas, indústrias, sucateamento dos hospitais públicos, crescimento gigantesco da violência, entre tantos outros flagelos sociais que nos amedrontam dia a dia.
  Entretanto, a despeito disso, os intelectuais do Direito, alguns sociólogos, cientistas políticos, diplomatas são contra literalmente o afastamento de Dilma. Qualquer tentativa de fazê-la sair do governo é por eles considerada um golpe contra as instituições democráticas.
  Ora, se não há, segundo esses juristas pró-Dilma, nenhum sinal de que ela cometeu alguma venalidade, um crime que a impedisse de continuar mandando no país, como fica, então, o lado imoral do seu governo, do seu relacionamento com o PT,  da sua fidelidade a esse partido, das suas inverdades proferidas no seu último debate de campanha,?
   Prometendo mundos e fundos visando a dar continuidade ao seu programa de governo e, logo depois de empossada, tendo a certeza de que saíra vitoriosa, saiu a campo esquecendo as promessas e as propostas de governo com a validade apenas até o derradeiro instante de retórica vazia e enganadora?
    Creio que isso já é suficiente para caracterizar o seu segundo mandato como uma quebra  de ética de um chefe de Estado. Todas as ações tomadas no segundo mandato foram determinantes para a sua acelerada perda de popularidade, uma vez que a sociedade logo percebeu o quão tinha sido engabelada pelos discursos eleitoreiro de D. Dilma.
    A par de não haver cumprido o que prometera, um outro fator crucial de sua queda de prestígio junto aos brasileiros foi o recrudescimento dos escândalos e denúncias no seio de sua segunda gestão, em especial com a operação iniciada pela Lava Jato desdobrada em várias etapas de investigações e consequentes prisões de empresários e políticos  ligados ao governo federal através do esquema de propinas pagas a políticos do PT e de outros partidos aliados.
    Quer dizer, revelações bastante comprometedoras do envolvimento do governo federal em licitações de obras de vulto mediante o pagamento das referidas propinas que entupiriam de dinheiro a direção do PT e de outros partidos implicados no mesmo esquema a ponto de um ilustre membro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, declarar que, no país, se havia formado um Estado cleptocrático, cujos dividendos oriundos de esquema com grandes empresas renderiam a vitória do PT em pelo menos trinta anos.

     Fatos com esses não seriam suficientes para derrubar um presidente da República?  Daí se concluir que a crise política brasileira tem seu centro de gravidade no seio do próprio governo, ou seja, na pessoa responsável pela moralização da rex publica. Não reconhecer a seriedade desses argumentos contra o atual governo é querer tapar o sol com uma peneira ou não querer enxergar que o rei (ou rainha) está nu (a) quando praticamente todo o país vê claramente visto a nudez imperial e a moralidade esfacelada.