A previsão do temporal pelo jabuti
Por Flávio Bittencourt Em: 21/06/2013, às 14H12
[Flávio Bittencourt]
A previsão do temporal pelo jabuti
"JABUTI - O METEOROLOGISTA", por Epaminondas Barahuna.
"TEMPESTADE
s. f.
2. Procela.
Haicai [RIMADO] do dia:
depois da cancela
- Virgem, Nosso Senhor! -
vislumbro a procela
(F. B., hoje)
UMA "PROCELA":
TEMPORAL, PROCELA, TORÓ, CHUVARADA,
TEMPESTADE (na formação que a antecede):
prever com antecedência de muitos meses, a intensidade das chuvas do inverno que se avizinha, a magnitude da próxima inundação
E. B.
Quando no himeneu, em plena floresta densa e remota, é capaz de promover assombrações.
E.B.
21.6.2013 - F.
"JABUTI - O METEOROLOGISTA
Um dos componentes mais modestos e populares da fauna brasileira é o nosso conhecido jabuti (testudo tabulata), quelônio que é encontrado em toda a área do Espírito Santo para o Extremo Norte. Na Amazônia, ele é muito vulgar e constitui um dos acepipes mais apreciados da culinária interiorana.
O aspecto curioso de sua carapaça, formada de numerosos escudos solidamente unidos, a sua inofensividade [*], fizeram dele objeto de várias lendas, onde aparece como personagem central, geralmente vitorioso pela astúcia. Vagaroso, tardo, é presa fácil de quantos inimigos dele queiram apossar. Não resiste, não esperneia. Não conhece o famoso direito de espernear, que herdamos dos romanos. A morosidade dos seus movimentos, sua lerdeza, entretanto, não impedem que possua uma extraordinária capacidade de fugir, sumir, em poucos minutos, de qualquer lugar aberto. Esconde-se.
Quando no himeneu, em plena floresta densa e remota, é capaz de promover assombrações. Em grupos, disputa duramente a posse de sua dama, travando lutas que são ouvidas a distância. Conquista a preferida com o ardor de um cavaleiro medieval, chocando as carapaças como armaduras de aço, com surdos impactos, seguidos de gemidos cavos, pungentes, que logo associam ao espírito do caçador menos avisado a idéia de morte e a lembrança de almas penadas, sofredoras, vagantes pelas selvas, forçando-o a acelerar o passo, a afastar-se do local. Neste particular, na defesa da bem-amada, em que pesem as aparências, identifica-se com qualquer daquelas personagens menos distinguidas dos chamados tempos românticos. Toma a sua atitude.
Mas não é só no aspecto curioso do seu físico ou nas suas aventuras amorosas, que o jabuti se notabiliza. A acreditar no que dizem os ribeirinhos, tem qualidades muito mais apreciáveis, condições excepcionais de prever com antecedência de muitos meses, a intensidade das chuvas do inverno que se avizinha, a magnitude da próxima inundação. Por isso mesmo, antecipando-se ao perigo, procura abandonar as margens baixas do rio, para encontrar do outro lado a terra firme. Um morador local, em sua canoa, encontrando um jabuti a meio do caudal, na sua lenta natação, fazendo a travessia, logo conclui que ele vai de muda, motivado pela previsão da ocorrência de fenômenos transcendentais, como a intensidade das chuvas e consequente inundação, acima dos níveis normais. Na sua lerdeza, parte cedo, ganhando tempo. É entendido em assuntos do tempo, qualificação, que, naqueles anos já bastante recuados, só encontrava competidor, em exatidão, no famoso Almanaque de Bristol, que também fazia estimativas a longo prazo, com indicações para todo ano, o que o tornava uma preciosidade. Cúmulos e nimbos, tempestades, chuvas, estiagem, tudo lá estava catalogado, mês por mês, e muitos testemunhavam a sua exatidão, em linhas gerais.
Por outro lado, essa capacidade de prever as chuvas, não constitui um monopólio do jabuti, já que o joão-de-barro, pássaro vulgar nas margens dos pequenos afluentes, costuma indicar, aos que neles navegam, a grandeza da futura inundação, pela altura em que constrói os seus grandes ninhos de argila, nas oiranas das margens.
Assim, a se dar aceitas essas versões, formas primárias de interpretar os fatos, o nosso simplório jabuti não é apenas herói de várias lendas, mas também, e muito especialmente, um abalizado meteorologista." (pp. 129 - 131)
[*] - Apesar de, nesse texto, ser ressaltada tal inofensividade, o jabuti arranca ponta de dedo humano; uma falangeta de indicador, por ex., se em sua boca for colocada, por desconhecimento da força muscular da mandíbula do bicho manso!