[Bráulio Tavares]



Isaac Asimov tem um conto, “Democracia Eletrônica”, sobre o possível futuro das eleições presidenciais nos EUA (o conto está traduzido na antologiaSonhos de Robô, Editora Record). Num futuro distante, as eleições presidenciais são controladas pelo grande computador Multivac. A família de Norman Muller está em polvorosa, porque o Estado de Indiana, onde eles vivem, será escolhido para a eleição. Esta é a primeira estranheza que o autor infiltra no conto. Vemos a expectativa da família, e o mau humor do sogro de Norman, que resmunga o tempo todo, relembra os bons velhos tempos, critica as eleições atuais: “Disseram que o sistema acabaria com os políticos radicais, o desperdício de dinheiro dos contribuintes na campanha e os joões-ninguém sorridentes, vendidos e anunciados para o Congresso ou para a Casa Branca...”

E de pista em pista vamos descobrindo como os presidentes são eleitos nesse futuro. Asimov explica que tudo mudou após o advento dos computadores, e principalmente do Multivac, o sistema que “tinha meia milha de comprimento e três andares”, e “cinquenta técnicos não paravam de andar pelos corredores, dentro de sua estrutura”. Pois é, amigos... o conto é de 1955, que poderíamos chamar A Era dos Computadores-Dinossauros. E logo ficamos sabendo que ele, Norman Muller, foi escolhido para ser O Eleitor. Agentes do Serviço Secreto ocupam sua casa, cortam as comunicações, e no dia marcado o conduzem para um lugar secreto. Ele é plugado a sensores que avaliam sua pressão sanguínea, batimento cardíaco, condutividade da pele, ondas cerebrais, etc. , enquanto ele responde perguntas sobre uma infinidade de assuntos, desde coleta do lixo até ser contra ou a favor de um incinerador central. 

Mas... por que Norman? Resposta: porque Multivac examinou os dados da população dos EUA, e considerou que ele era “...não o mais esperto, o mais forte, ou o mais sortudo, mas o mais representativo desse ano”. O mais mediano. O eleitor padrão. E é de acordo com as opiniões de Norman que o próximo Governo será eleito. No fim do interrogatório, Norman é liberado, e pergunta timidamente quem foi o candidato que ele acabou de eleger. Respondem-lhe que é segredo, e que terá de esperar a proclamação oficial. O que me lembra a velha história do coronel nordestino – o morador do sítio entrega-lhe a cédula em branco, o coronel preenche, bota na urna, o morador pergunta em quem votou e o coronel diz: “Oxente, meu filho, que pergunta é essa?! O voto é secreto!!!”.

O conto de Asimov ilustra um velho ideal científico: a perfeição total na arte da projeção estatística. Dizem os Ibopes que numa pesquisa de recorte bem feito (idade, classe social, região, etc.) chega um ponto a partir do qual a resposta é a mesma, com 2 mil, 200 mil, 2 milhões de pessoas. Asimov se pergunta se conseguiremos um dia encontrar a Amostragem Perfeita. Tema atualíssimo... abordado há 55 anos.