(Miguel Carqueija)
Fantasia mística e ficção científica se mistural no espaço profundo

CAPÍTULO 4


INSANIDADE



O local se encontrava repleto, com gente em pé e tudo. O comandante Rostroff, com sua barba negra e horrível, verdadeiro matagal, estava visivelmente transtornado. Quando soube que todos, menos mortos, feridos e a equipe médica, lá se encontravam, dispensando assento, começou a falar:
- Ao todo dez pessoas morreram, inclusive a chefe das comissárias de bordo, Ethel. Há oito pessoas gravemente feridas, inclusive Storm, o meu imediato. Não sabemos o que foi feito das criaturas extraterrestres, mas detectamos um objeto luminoso que se afasta a grande velocidade. Nesse momento a nave, sob comando automático, segue esse objeto, e o computador está programado para destruí-lo assim que a distância se reduzir em oitenta por cento. Não o deixaremos escapar!
- Espere! – disse Carlos, admirando-se da própria audácia – Nós vamos enfrentar as criaturas?
Mas o capitão não respondeu, pois, no tumulto então surgido, nem escutou a objeção. Muitas vozes disputavam a atenção:
- Vamos fugir! Eles vão nos matar a todos!
- Nós não somos um navio de guerra!
- Não pode fazer isso! Nós somos passageiros!
- Temos de chamar a patrulha cósmica!
Beth sussurrou a Carlos:
- Que loucura! Somente paranormais podem enfrentar os Grandes Antigos em igualdade de condições, só que ele nem sabe quem sou eu e nem irei me revelar.
- Espere! Ele está falando!
- Mataram meus tripulantes! – berrou Rostroff, possesso. – Não quero saber! Como comandante eu posso impor a lei marcial! Nós vamos atrás dos monstros e vamos matá-los! Se alguém quiser se opor eu considerarei isso crime de alta traição
Beth sussurrou:
- Se eu quiser posso detonar esse homem.  Mas é melhor aguardar os acontecimentos. E você não fale mais nada!
- E se destruírem a nossa nave?
- A estrela não permitirá isso – respondeu ela, sorrindo.
- Que é que você pretende fazer agora?
- Shiu! Ouça!
O capitão continuava berrando e seus homens, tomando posição, assumiram posturas ameaçadoras contra os passageiros. Como a maioria das pessoas não tem vocação para o heroísmo, os protestos foram baixando de tom até que uma única voz se fez ouvir:
- Está consciente, Capitão Rostroff, que nós não possuímos armamentos para enfrentar essas criaturas e que o senhor está nos levando para a morte?
Era Albatroz Schmidt. Carlos reconheceu logo a sua voz, que era inconfundível. Encolerizados ambos, os dois barbudos se enfrentaram com o olhar, e o capitão então falou:
- Podemos não ser uma nave de guerra, mas alguns armamentos eu tenho e além disso eu tenho coragem. Não sei se o senhor é homem, mas eu sou!
- Não me insulte, capitão. Mesmo que imponha aqui a lei marcial, não escapará de uma investigação “a posteriori”. Além disso, como não somos nave militar e o senhor é um civil, não lhe reconheço autoridade para impor a lei marcial.
- Pode ter a sua opinião, contanto que não me atrapalhe. Além disso, já estamos alertando a Patrulha Cósmica, só que temos que ir atrás dos monstros para que eles não escapem. Se conseguirmos reforços, nós os cercaremos e os queimaremos.
- Mas escute...
- Professor Albatroz, detesto a sua intromissão, mas quero que venha falar comigo em particular. O senhor é cientista e talvez possa me esclarecer alguma coisa sobre a natureza dos aliens. Me acompanhe. É a sua chance de colaborar. Não me queira ter como inimigo, estou avisando.
O “Barbaça” deu de ombros e respondeu:
- Está bem. Vamos conversar a sós.


(Miguel Carqueija)


CAPÍTULO 5



A FADA DO ESPAÇO




Naquela nave não existiam cabines individuais, assim, tentando conversar com privacidade, Carlos e Beth foram parar na capela, onde poucos dos presentes iam.
Beth apontou o grande crucifixo na parede e comentou:
- Sempre confiei n’Ele... e não me arrependi.
- Creio que precisamos mesmo rezar. Depois do que eu vi...
- Bem, o que é que você quer falar comigo?
- Quero que me conte o que vem a ser essa estrela que você usa e como a obteve.
Ela sorriu.
Existem dimensões mais sutis que a nossa, e seres poderosos tanto bons quanto maus. Eu recebi essa estrela de uma entidade em forma de esfinge, que no passado orientou os faraós egípcios. O abade Moreux, autor de “A ciência misteriosa dos faraós”, era adepto da tese de uma revelação sobrenatural, para explicar essa ciência.
- Espere aí, você vai depressa demais. Você disse uma entidade em forma de esfinge?
- Isso mesmo. Em honra dela foi construída a famosa estátua do Egito... a Esfinge.
- Estamos em pleno reino da fábula.
- Está muito bem. Você não me acredita, mas essa entidade cósmica me apareceu, me presenteou com o turbilhão de luz - isto é, a estrela de prata – e me deu a missão de deter a invasão dos Grandes Antigos, que iriam tentar retornar ao nosso universo.
- Mas eles já tentaram... alguma vez...
- Muitas. Inúmeras. Nos últimos séculos eles têm sido barrados pela ação de algumas mulheres... porque a mulher é mais mística que o homem, menos cética, por isso desenvolve melhor os poderes paranormais.
- Você então é uma paranormal?
- Eu própria não creio. Apenas estou com uma arma que me torna quase invulnerável.
- Olhe, eu não consigo acreditar nessas coisas...
- Que é que eu posso fazer? Você viu os monstros e viu como minha arma funciona. Agora, se você não acredita no testemunho dos seus próprios olhos, sugiro que procure um psiquiatra.
 - E que mulheres são essas, posso saber?
- Sailor Moon... Valquíria Cruz... Cristal Estelar... as gêmeas Íris e Aurora... cada uma delas com seus métodos próprios. Sem esquecer Alter, que combateu uma entidade conhecida como o Senhor das Chamas.
- Essas mulheres não passam de lendas!
- Cuidado com o que fala. Depois que eu recebi o turbilhão de luz, fiquei sabendo alguma coisa sobre essas pessoas. E Serena ou Selenite, a Princesa da Lua, certamente, com suas companheiras, travou a Batalha do Ártico contra o Negaverso e o exército das malignas, demônios extradimensionais que tentaram obter o domínio sobre a Terra, no século XX. Ela usava o cristal de prata, uma arma tão poderosa que expulsou o Negaverso do nosso mundo. Isso, embora fosse uma entidade maligna de grande força.
- E que fim levou esse cristal de prata? Aliás, de onde ele veio?
- Ninguém sabe. Provavelmente Serena o recebeu da Esfinge, pois ela periodicamente se comunica com a humanidade. E desde que o cristal perdesse a sua utilidade ou a sua eficácia, a Esfinge a pegaria de volta. O que provavelmente aconteceu antes da morte de Sailor Moon.
- E você, como recebeu o turbilhão de luz?
- Isso aconteceu, por incrível que pareça, após uma das minhas brigas habituais com o meu pai.
- O senador...
- Sim. O Senador Alceu. Gosto de papai, mas não suportei mais morar com ele.
- Bem, como foi a coisa?
- Eu estava na mansão de papai em Brasília, quando ele me chamou e disse para colocar uma roupa decente. Eu estava de short e corpete, e descalça, praticando um pouco de arco e flecha. Ele ia receber visitas, estava todo engravatado, aquelas frescuras da alta sociedade. “Você não pode ficar seminua, você é filha de um senador”, disse ele. Ora, eu estudava em faculdade e tinha um emprego nepótico no gabinete do papai. Conhecia as suas fraquezas de político e já havia recusado ir para a cama com dez de seus amigos. Procure entender, eu não sou uma prostituta de luxo, eu recebi bons valores de minha mãe e quero um dia me casar pela Igreja. Eu odeio a política pela maneira como ela corrompe as pessoas sob uma capa de respeitabilidade.  É como aquelas sepulturas caiadas que Jesus falou, que por dentro estão cheias de podridão. Aí dessa vez eu disse a papai claramente o que pensava. Eu disse:
- Se mamãe ainda estivesse aqui, me protegeria desses fricotes. Eu estou em minha casa!
Ele respondeu: “– Não fale em sua mãe!”. E eu repliquei: “Falo sim! Ela morreu mais cedo de tanto desgosto que você lhe deu! Você com as suas amantes!”.
Ele tentou me esbofetear. Eu fugi e o encarei, e disse: “Cuidado, papai. Se tocar em mim a imprensa marrom vai ter um ótimo assunto...”
Então ele me disse para arrumar as minhas coisas e ir embora. E chegou a ponto de falar: “Você não é mais minha filha”.
Isso parece um dramalhão barato e eu não gosto de dramalhões. Fui para o meu quarto, disposta a sair em definitivo daquela casa de luxo e hipocrisia. Foi quando me olhei ao espelho, sentindo me perturbada e afogueada de tanta raiva.
Foi quando eu vi a Esfinge, por trás de mim, no espelho.
- Você deve estar sonhando.
- Você parece a Scully do Arquivos X. O que eu vi foi isso, e ela falou comigo. Uma voz estranha, percebe? Como se soasse diretamente no eu cérebro, e ecoasse de uma longa distância no tempo, de milhões de séculos atrás. Por trás da Esfinge havia um deserto amarelo e soprava um vento simum qualquer, que espalhava a areia, que escoava pelos ares como o tempo se escoa inexoravelmente, século após século. Você não está me achando maluca, está?
- Não sei – admitiu ele, sorrindo.
- Pois bem. A Esfinge falou comigo, nesses termos: “Pegue sobre a sua mesa.”
- O que? – perguntei.
- O turbilhão de luz. Você precisará dele. Você foi escolhida pelos Arcanos como a guerreira, a guardiã do universo, a Portadora da Estrela. Você será a guerreira que enfrentará os Grandes Antigos e os impedirá de retornar ao Universo.
“E assim prosseguiu o diálogo:”
- Quem é você?
- Que eu sou não importa. Eu lhe falo de outra dimensão. Existe uma guerra cósmica cujo alcance está além de sua compreensão. Você deve, porém, fazer a sua parte. Pegue o turbilhão de luz: a estrela de prata. Use-a sempre. Com ela você estará apta a enfrentar o Mal, que está prestes a invadir o Universo Galáctico.
- O Mal?
- O Mal Ancestral, que Nós conjuramos há milhões de anos... digo eu, anos conforme o seu conceito. Nós o conjuramos, mas ele está de volta. Já não podemos intervir diretamente; por isso eu lhe entrego esse poder para que você faça bom uso dele.
- Mas quem são os Grandes Antigos?
- São os seres que representam o Mal em estado puro. Existe um livro humano dedicado a esse assunto: o Necronomicon. Procure lê-lo: mas não se deixe perverter por ele. Lá se encontra o mapeamento do Mal. Você saberá quem eles são.
- Mas você deve estar brincando... como eu poderei enfrentar esses seres... eu sou humano e mortal...
- Você o fará. Você encontrará em si forças das quais não suspeita... mas que nós detectamos.
Eu ainda insisti. Tornei a perguntar: - Quem é você? – E ela apenas respondeu: - Eu sou a Esfinge.
E desapareceu. E foi assim que eu obtive essa arma incrível, essa estrela de prata que parece uma vara de condão.
E eu vou lhe contar um último segredo: o que os antigos mitos humanos contam a respeito de fadas e suas varinhas de condão... nada mais é do que as mulheres que
receberam, no passado remotíssimo, a estrela de prata ou outras armas que a Esfinge lhes deu... as fadas existiram, e eu sou uma delas.”




CAPÍTULO 6


VISÃO DO MAL




Desde o “princípio da incerteza”, de Heisenberg, ou antes disso, desde a  Teoria dos Quanta de Plank, tornou-se difícil afirmar alguma coisa com certeza em matéria de cosmologia ou física. Em seu gabinete, amarando a cólera de um Capitão Nemo, Rostroff encarou Albatroz.
- Se tem alguma coisa útil a falar, diga o que acha que são essas criaturas e como elas poderiam ser mortas.
- Não sei se elas podem ser mortas. Não na forma que forjaram, que é evidentemente falsa. Se for desfeita, eles voltarão simplesmente ao seu estado original, que é amorfo e indiferenciado.
- O que? E como é que o senhor sabe disso?
- Já analisei o que eu pude com o meu Bolsit de última geração e lhe afirmo que os monstros que nós vimos não fazem parte de uma raça com aquele aspecto horrível. Aliás, como eu suponho que a televisão interna poderá confirmar, não havia dois semelhantes. Por outro lado a mancha negra não dá sinal de ter vida em seu interior. Não, ela própria é o monstro, que se multiplica e assumiu formas materiais pontiagudas para realizar a sua carnificina.
- O que poderíamos fazer contra esse monstro?
- É difícil dizer. O grau de entropia dessa coisa é tão acentuado que pouco lhe falta para ser indestrutível.
- Não estou entendendo – disse a oficial Martha, que também estava presente.
- Bem, é o seguinte. O universo, conforme a Segunda Lei da Termodinâmica, está caminhando para a entropia final, pela ausência de um processo criador. Quando isso acontecer, o espaço será um inconcebível oceano sem margens, no qual o acaso terá chegado à completa exacerbação. E isso é tido como inevitável, como os próprios Einstein e Goliano admitiam, já que os processos
físicos são irreversíveis. Trocando em miúdos, quando se produz energia – por exemplo, na combustão de uma estrela – se perde energia, uma parte de dispersa e se indiferencia. Quando o universo atingir a entropia final, nem o tempo mais existirá.
- O senhor está sendo contraditório, professor - disse Rostroff. – Se essa coisa que nós estamos perseguindo é entrópica, como pode estar se movendo e agindo com propósito inteligente?
- Será preciso providenciar toda uma explicação teórica sobre esse assunto, mas o fato é que esse objeto possui características de entropia dentro dos seus limites: caos e indiferenciamento. Não me parece um objeto cósmico, porque o Cosmos é ordenado.
- Você quer dizer que isso vem de outra dimensão?
- Eu diria que sim, por mais absurdo e fantástico...
Rostroff interrompeu-o, socando a palma esquerda.
- É isso! Nós íamos passar para o hiperespaço quando... Articmiev, é possível dirigir o disruptor energético para fora da nave?
- O senhor quer dizer, dirigi-lo àquela massa e lançá-la no hiperespaço? Não sei... teoricamente é possível mas isso nunca foi feito antes...
-Pois nós vamos fazê-lo! – rugiu Rostroff. – E no hiperespaço, aquilo poderá causar algum dano?
- Não o creio – foi a vez de Albatroz responder. – Os corpos no hiperespaço não podem sofrer choques externos.
- Tornar-se-á um fantasma do espaço.- disse Martha. – Não poderá voltar.
- Pois muito bem. – Rostroff estava determinado. – Vamos logo com isso!
—  O que você acha? – perguntou Carlos, quando pôde falar com ela a sós.
- É perigoso, mas talvez dê resultado. Esse comandante é louco, mas audacioso.
- E se não der certo?
- É um risco que nós vamos correr. Vou lhe pedir um favor. Converse com o professor Albatroz, que é seu amigo. Veja qual é a situação do disruptor, tente arranjar uma planta tridimensional do navio. Eu nem vou tentar para não despertar suspeitas, mas eu tenho que saber isso com precisão.
- O que você poderá fazer?
- Estou amadurecendo as coisas dentro de mim. Não fique excessivamente preocupado, meu amor. Eu sou portadora de uma arma missionária, isto é, uma arma que um poder superior entrega a alguém para o cumprimento de uma missão. Como Sailor Moon, como a Esfinge Negra... esse poder haverá de conduzir a um final favorável, a menos que eu não me mostre digna do favor recebido. Veremos.
- E se o outro poder for maior... for mais poderoso do que o seu?
Ela ia responder quando o homem das caveiras, Atílio Corman, se aproximou da mesa onde estavam:
- Posso sentar aqui para tomar um refrigerante? Se não for incomodar os dois pombinhos...
- Não, absolutamente – respondeu Carlos, sorrindo amarelo.
Beth fechou-se num dos banheiros – único local onde encontraria privacidade. Segurou então a estrelinha, fez aparecer a luz prateada e murmurou:
- Mostre-me o que eles são. Eu quero vê-los!
Não tinha certeza de obter êxito; mas o fato é que a emanação luminosa forjou uma tela no ar envolta em um perímetro de cores girantes e múltiplas. No interior daquele turbilhão foi se formando uma imagem caótica, uma espécie de catadupa interminável e negra. Algo estranho e perverso que parecia fluir do nada, fluir eternamente, derramando-se pela eternidade... Beth sentiu a antiguidade daquele monstro das trevas. Sentiu o ódio latente, a feroz inveja dos viventes, naquele universo contido da anti-vida.
- Eu sei quem você é – disse a Portadora da Estrela, segura de si. – Você é o Negaverso. Você é aquele a quem a Sailor Moon expulsou. Você tentou de novo, nos tempos de Cristal Estelar, e ela também o expulsou. E se Deus me ajudar, eu também o expulsarei.







CAPÍTULO 7



BATALHA CÓSMICA





Os jornalistas possuem certas facilidades; por isso Carlos pôde obter a planta da nave, sem despertar suspeitas.
Não era é si uma nave das mais complexas. Existia o reator termonuclear situado na popa do navio, ladeado por imensos motores giratórios de quinta geração. Um contínuo fluxo energético de movimento perimetral circulava em torno desse conjunto e garantia estabilidade à nave. No castelo da proa, aí sim, permanecia o disruptor hiperespacial, aparelho potencialmente perigoso por lidar com a própria estrutura,
com o próprio tecido espaço-temporal, conforme o sistema de equações de De Bentz (2712) que revolucionara a navegação interestelar. O paralelismo das grandes invenções aí ocorrera em nível extra-racial: os Alepho de Mongol reivindicavam para a sua grande cientista, a Dra. Aptixuspiquinber, a primazia da descoberta, mais ou menos na mesma época.
Os engenheiros de bordo, Delphim e Corn, encontravam-se do lado de fora, com seus cordões umbilicais, executando as necessárias adaptações ao disruptor, para que o mesmo pudesse direcionar a sua ação de maneira totalmente exógena em relação ao navio. Albatroz também estava lá, orientando o serviço. Os passageiros haviam sido informados.
Beth, na sala de ginástica, conversava com duas mulheres quando Carlos apareceu. Fez um discreto sinal, indicando à garota que já possuía os dados necessários.
Beth também fez um discreto sinal.
- Com licença. – disse ela. – Precisamos conversar.
E deu o braço a Carlos, provocando comentários espirituosos.
- Vamos na capela – sussurrou ela.
- Assim? Você está de maiô.
- Eu jamais entraria lá desse jeito, acho falta de respeito. Mas o que posso fazer? É o único lugar nessa maldita nave onde se tem um pouco de privacidade, e é um lugar na penumbra. Eu tenho que pegar o esquema.
- Mas você não pode mostrar...
- Estou com a minha bolsa. Lá você me passa, e a gente não demora.
Rostroff observou o mostrador ondiônico e voltou-se para Albatroz:
- Qual a chance que nós temos?
- Já ouvi falar de uma hiena que ganhou um leão numa luta.
- Isso não é muito animador.
- Nunca fizemos algo assim antes.
- Articmiev, já colocou o disruptor para fora?
- Já. Veja a linha no radar.
- E ele está lá dentro?
- Isso. Mesmo dentro da nave, o disruptor precisa de um motorista, por assim dizer.
- Não vai ensinar o Pai Nosso ao vigário. Eu sei disso – falou o barbudo, irritado.
- Então porque você perguntou?
- Calma, gente - disse Storm, que ainda estava cheio de bandagens. – Não vamos brigar, vamos agir.
Alguém surgiu na cabina.
- Que deseja o senhor? Mandei todo mundo ficar em seu lugar.
- Procurava uma amiga...
- Só estamos nós aqui. Ela deve estar no sanitário das mulheres, mas obviamente não aconselho a procurar lá. Agora dê o fora, que nós estamos ocupados.
- Torça por nós, Carlos – disse ainda o Professor Albatroz.
Angustiado, Carlos passeou pelos corredores em busca de Beth, mas sem obter sucesso. Acabou indo parar em frente à cabina do disruptor, que agora se encontrava vazia. Como estivesse com vontade de urinar, resolveu entrar no banheiro masculino, situado no corredor quase em frente à entrada do disruptor.
Teve a maior surpresa.
Um homem lá estava estendido no chão, imobilizado por cordas e amordaçado. Debatia-se, bastante irritado, pulsos e tornozelos ligados.
Era Articmiev
Carlos teve a impressão de estar delirando. Se Articmiev, o piloto do disruptor, estava ali, amarrado no banheiro, então quem estava lá fora no espaço, dirigindo o aparelho e prestes a atacar a massa negra?
- Oh, não! Você não ousaria fazer isso!
Só que não havia convicção alguma em tal frase. Carlos sabia que ela ousaria, sim.




Pela tela de múltipla escolha, Beth focalizou o alvo de diversas maneiras. Quando o sistema de queda energética, responsável pelo salto no hiperespaço, atingiu o ponto ideal, ela segurou a estrela e encostou-a no espelho do disruptor. Nesse momento a massa imensa do Negaverso, como se pressentindo o ataque, deixou de fugir e veio ao encontro da astronave.
Beth acionou a descarga hiperespacial.
A luz da estrela explodiu no vácuo com a força de um milhão de locomotivas. A distorção do “continuum” chacoalhou a nave, mas o monstro, atingido em cheio pela amplificação do poder da estrela, estilhaçou-se em milhões de partículas que logo em seguida foram tragadas por um buraco negro efêmero, que se fechou em questão de minutos.
- Resta um problema muito sério. – monologou Beth. – Como explicar ao Rostroff a minha intervenção?





EPILOGO




AS HEROÍNAS TAMBÉM AMAM




- Querido, que bom estar aqui, neste hotel em Ilha da Fantasia, preparando o nosso casamento, eu precisava relaxar.
- Mas você finalmente vai me contar como conseguiu fazer tudo, não é mesmo? Eu vou morrer de curiosidade se você não me contar.
- Mas não exagere. O que eu fiz não foi assim tão extraordinário.
- Você está brincando? Nem o Nervóide teria feito melhor...
- E nem o Chapolim Colorado – brincou ela, mexendo com o copo de refresco de maracujá.
- Bem, mas o que você fez mesmo? Eu sabia que você tinha amarrado o Articmiev, mas como é que conseguiu se evadir do disruptor sem ninguém achá-la? Achei isso incrível.
- Olha só: o turbilhão de luz, que eu utilizo, possui poderes incríveis.
“Serviu-me para imobilizar Articmiev, a quem abordei pelas costas, paralisando-o. Ele nem me viu”.
“O que eu fiz depois? Se saísse pelo corredor, seria detectada. Quando encaixei o disruptor de volta à nave, fiz uma sondagem de campo com o turbilhão de luz. Escolhi um trecho da parede do disruptor e a parede ao lado da espaçonave, além das quais não passava vivalma no momento. Provoquei uma descoesão molecular e, assim, abri uma passagem suficiente para mim. Foi assim que eu escapei e ninguém me viu; é claro que obturei a minha passagem”.
- Acredito que a investigação sobre o que aconteceu vai demorar séculos...
- E não chegarão a conclusão nenhuma. – disse ela rindo.
- E o Negaverso? Ele voltará um dia?
- Eu destruí seu corpo energético. Acredito que só num distante futuro ele poderá se reerguer.
Ela suspirou.
- Vou aposentar o turbilhão de luz. Durou tão pouco tempo! Mas foi melhor assim. Não tenho sangue de heroína.
- Não tem? Pois não é o que parece! Você tem todo o perfil de heroína.
Ela o beijou.
- Quero mais ser amante que heroína, meu amor. É mais divertido.


                                                             FIM