A poética de Da Costa e Silva: uma síntese de temas e formas
Em: 31/05/2023, às 11H21
[Cunha e Silva Filho - Pós-Doutor em Literatura pela UFRJ]
Preliminares
No início dos anos de 1990, me decidi a estudar, através de um Projeto de Mestrado submetido e aprovado pela Faculdade de Letras da U.F.R.J, a obra poética de Da Costa e Silva (1885-1950), poeta considerado, até hoje, como a maior expressão, do ponto de vista de seu valor canônico, em todos os tempos, no campo da poesia de autores piauienses, dado que teve, na sua época, larga repercussão fora do Piauí. Seu nome completo é Antônio Francisco da Costa e Silva.
O poeta nasceu na cidade de Amarante, caracterizada como um recanto lírico, à beira do rio Parnaíba, conhecido como o Velho Monge, antonomásia criada, em célebre soneto dacostiano, de título “Saudade” sobre o qual, mais adiante, me reportarei.
Vista do alto da sua famosa escadaria, a cidade descortina, de perto ou de longe, uma paisagem pitoresca, deslumbrante, reunindo casario, serras e vales, paisagem na qual, nas noites frias de junho, se pode ouvir o piar contínuo de um pássaro, o caburé, “...as folhas lívidas cantado/ A saudade imortal de um sol de estio.” (do soneto “Saudade,” do livro Sangue,p. 75. A edição que estou usando nesta síntese é a 4 ed.de Poesias completas, nova edição revista, ampliada e anotada por Alberto da Costa e Silva Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2000). Cumpre acentuar que essa paisagem, na sua totalidade, atravessa os limites de Amarante e alcança também a natureza exuberante do lado da cidade maranhense, chamada São Francisco. A par disso, a beleza de Amarante valeu ao vate um belíssimo soneto homólogo, “Amarante,” extraído do seu segundo livro, Zodíaco (1917).
Da Costa e Silva formou-se em Direito pela célebre Faculdade do Recife. Foi um poeta também artista de trabalhos de escultura em madeira, feitos com a mão habilidosa do poeta a ponto de ser chamado de “santeiro,” porquanto esculpia imagens para as capelas e santuários de Amarante durante o período de festejos religiosos. Era um menino precoce, frágil e tímido, segundo nos relata o maior conhecedor de sua obra, o filho Alberto da Costa e Silva, poeta, ensaísta, embaixador e africanólogo de renome.
A poesia dacostiana se posiciona literariamente num período de transição de sincretismos de estilos de época diferentes: Simbolismo, Parnasianismo e, no caso de Da Costa e Silva, eu diria que nele se evidenciam inegavelmente alguns traços românticos, abeirando-se – o que é de muita relevância para a obra do poeta - até para sinalizações de duas outras vertentes: o Modernismo e o Concretismo.
Manuel Bandeira (1886-1968) o faria com maior amplitude visto que sobreviveu a Da Costa e Silva, que adoecera e não mais publicaria poemas. O que ainda é mais significativo e potencial à sua poética, para o Concretismo de 56, mormente quando identificamos poemas nos quais o espaço gráfico da disposição dos poemas nos lembra o citado Concretismo de 1956. Por conseguinte, conforme assinalei acima, o “Poeta da Saudade” ficou impossibilitado de dar continuidade a essas tendências vanguardistas e precoces.
Alfredo Bosi (1936-2021), provavelmente por carecer de maior familiaridade de um pesquisador que se debruçasse sobre leituras mais densas do vate amarantino, não soube descortinar essas tendências em Da Costa e Silva e até cometeu um engano na classificação da produção mais recente dos poemas deixados pelo poeta, ao rotulá-lo como Neoparnasiano (Ver BOSI,Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 38 ed. São Paulo: Cultrix, 2001, p.286.).
Poder-se-ia, diante as características de seu estro, classificá-lo como um poeta heterodoxo, ou melhor, um poeta eclético com evidentes traços de experimentalista somente identificado nos grandes verse-makers. Essa foi a conclusão a que cheguei no desenvolvimento de minha dissertação de Mestrado.
As gerações mais novas e mesmo especialistas, salvo um ou outro, de literatura brasileira de outras regiões do país, e aqui considerando o meu período do Mestrado, em geral desconheciam completamente Da Costa e Silva.
Entretanto, no auge de sua atividade poética, ele alcançou alta repercussão nacional desde a sua estreia com o livro Sangue (1908). Na época em que foi lançado, houve até um leitor que quebrou a vidraça de uma livraria a fim de conseguir um exemplar dessa obra de estreia, segundo novamente relata Alberto da Costa e Silva.
Os temas dacostianos.
A antonomásia “O poeta da Saudade,” tão largamente empregada para designar a pessoa de Da Costa e Silva, sintetiza exemplarmente o tema mais caro na escrita poética do vate, tema tão conspícuo na sua obra que praticamente, ou senão completamente, a percorreu explícita ou implicitamente. Por conseguinte, no meu juízo, não seria um truísmo ou um mero lugar-comum tomar-se a saudade como tema repisado ou despiciendo, ao contrário do que pretende insinuar um dos analistas da poesia dacostiana.
É possível rastrear, na produção deixada pelo autor, as múltiplas vezes em que este tema surge de uma maneira ou de outra, nos livros legados por ele desde a sua estreia, segundo já frisei antes, em 1908, com o primeiro livro, Sangue até aproximadamente o conjunto de poemas reunidos no livro Alhambra. O pesquisador criterioso encontrará, em situações descritivas, narrativas ou por alusões implícitas ou não, o tema da saudade. Daí a razão pela qual reitero ser esse tópico o que mais singularizou o sentido global do universo poético dacostianao. Portanto, por ser potencialmente a vertente mais explorada do seu estro, me animei a pesquisar exaustivamente o tema da saudade.
Porém, ao lado desse tema potencial no conjunto de sua obra, o poeta se distinguiu, com rara habilidade pela heterogeneidade temático-formal e mais ainda com evidentes características de cunho experimentalista. Urge explicitar que a sua força poética, ao tematizar a saudade, não o fez empobrecer na composição de outras obras, na quais demonstrou novamente a sua versatilidade e diversidade de temas.
Por conseguinte, não houve um rebaixamento na qualidade do ato criativo e sobretudo do alto nível estilístico de seus versos, fato que redundaria em obras posteriores como Zodíaco (1917), de resto, já citado linhas atrás, Verhaeren (1917), Pandora (1919) e Alhambra (1950), este último foi organizado pelo também já citado filho do poeta, Alberto da Costa e Silva.
Sintetizando ao máximo esta exposição acerca da temática do poeta, diria que, ao longo do seu percurso produtivo, em Sangue desentranharíamos, a partir do poema inicial ou introdutório, uma espécie de profissão de fé ilustrada pelo poema “Cântico do Sangue.” Salvo um ou outro poema daquela obra, pode-se delimitar um provável projeto poético dacostiano no tocante à sua obra geral, abreviada precocemente em termos de continuidade criativa pela doença que acometeu o poeta falecido aos sessenta e cinco anos (1950), sendo que, desde 1934, não mais escreveria poema algum, excetuando a organização que ele próprio fez de uma Antologia naquele ano e já se encontrando enfermo. Quer dizer, aos quarenta e nove anos, o poeta silenciou a sua voz de grande lírico da poesia brasileira.
Tematicamente, Zodíaco é uma obra na qual a Natureza, em todo os seus aspectos e matizes, assume um protagonismo de grande monta se o configurarmos como um livro de grande atualidade dadas as implicações relacionadas à ecologia e a práticas atuais de crimes contra o meio ambiente, sobretudo dos desmatamentos na Amazônia.
Ler projetivamente essa obra não deixa de ser uma tentativa de uma leitura onde prevalece laivos evidentes de profetismo ou vaticino, constituindo, para a época em que foi editado, 1917, uma preocupação e um modo lúcido e reprovador de o poeta se indignar contra a destruição do meio-ambiente, vegetal animal ou mineral, i.e., um problema que se agravaria assustadoramente no Brasil de nossos dias.
Por exemplo, tudo o que compõe a flora e a fauna da paisagem florestal compõe um cenário que, ao ver do poeta, deve ser preservado e jamais presa de destruição provocadora da deterioração do nosso ecossistema e, por metonímia, isso valeria para uma discussão de uma questão irrecusável, em dimensão universal, que a consciência das nações jamais poderia deixar de debater e procurar dar-lhe soluções urgentes,em razão da abrangência do tema para a continuidade da sobrevivência do planeta Terra. Vejam-se, em Zodíaco, os poemas que dizem respeito ao cerne da questão ecológica: “A queimada” (p.151-153), A derrubada” (p.154-156).
É indiscutível o respeito e a admiração manifestados por da Costa e Silva no que tange a todos os poemas de Zodíaco. Toda essa obra se destina à exaltação e aos brados indignados do poeta contra a selvageria perpetrada pelo homem iníquo contra a Natureza primitiva, bela e fecunda. Vejam-se, abaixo, esses breves versos extraídos de “A derrubada,” lembrando, mutatis mutandi, o poema de George P. More (1802-1864), “The woodcutter, spare the tree:”
E a máter-Natureza, amargurada
Dos espaços chora sobre a derrubada
Em Pandora, Da Costa e Silva demonstra, outra vez, uma virada diferente, de livro para livro, sem prejuízo do seu projeto poético. Desta vez, observa-se uma vertente retroativa histórico-literário-estilística. Por ser organicamente um autor eclético, intelectualmente inquieto quanto à sua variabilidade de temas e com uma predisposição inata às formas poéticas de viés experimentalista, seja seguindo a tradição canônica de sua época, seja enveredando por temas bem remotos vinculados à Grécia Antiga e à sua mitologia e, por conseguinte, à reconstrução, reitero, fora do eixo de sua temporalidade, é que o conduziu com sucesso à composição de Pandora.
Nessa obra, temas caros à sua poesia, como o amor, incluindo o materno, vida e morte, assim como poemas repletos, segundo me referi acima, de alusões à mitologia helênica, a começar do próprio título do livro, Pandora, divindade grega, cujo sentido é “àquela que detém todos os dons.” (Ver o verbete “Pandora” do livro Dicionário da mitologia greco-romana publicada pela Abril Cultural 2 ed. , 1976, p. 143). Convém observar que exemplo típico dessa referência à figura de Pandora se encontra no poema final da obra “Canto Simbólico” (p. 235), identificado nos quatro versos de um poema de sete estrofes.
[...]
Como Pandora, incauta, irrefletida
O arcano do meu se, mudo e profundo,
Desvenda e exibe revelando ao mundo
Todos os dons que recebi da vida.
É curioso destacar que, em Pandora, se reúnem ainda os famosos poemas à maneira dos cancioneiros medievais e os de sabor clássico camoniano. Refiro-me aos “Palimpsestos” e aos “Vilancetes” e ainda a um soneto grafematicamente excêntrico, um trabalho genial de experimentalismo composicional, bem evidente nos seus pressupostos espácio-visuais, como ocorreria com as vanguardas opostas ao verso tradicional, romântico simbolista e parnasiano, e sobretudo com o movimentos concretista de 1956. Aludo ao soneto “A margem de um pergaminho” (p.240).
Com o livro posterior a Pandora, cujo título é Verônica, me deparo com outra clave variante da poética dacostiana: o devotamento ao tema do amor platônico como também outra tipo de sentimento amoroso, ou seja, não platônico, dedicada à primeira esposa do poeta, de nome Alice, nome que o poeta daria a um das filhas do seu segundo casamento. O tema amoroso começa na segunda parte do livro denominada “Imagens do amor e da morte.”
Por outro lado, a primeira parte, convém não esquecer, do livro se compõe de poemas de teor filosófico, já definido também pelo crítico literário e ensaísta José Guilherme Merquior (1941-1991) numa conferência sobre o poeta, de título “Indicações para o estudo da obra de Da Costa e Silva (apud Poesias completas, op. cit., p.37-45) proferida, em 1984, em Teresina e por ocasião do centenário de nascimento de Da Costa e Silva. O crítico fala de “musa filosófica,” como também fala de “musa moral” ou “ética.”(Op. cit, p. 42)
Essa é uma das dimensões em que o poeta lida com a condição humana, o destino, a tristeza, o mistério da vida, “a incerteza da vida”, a morte, o tempo, até mesmo a ironia, muito presente no penúltimo poema de Verônica, de título “Adeus à vida,” (p.274), cujo primeiro quarteto do soneto cito abaixo:
É, então , isso a vida: nau perdida.
Sem bússola e sem leme, aos temporais?
A flórea escarpa, de íngreme subida,
Da montanha dos riscos e dos ais?
E então isso a vida: a flor colhida
Sobre abismos ocultos e fatais?
A quimera da Terra Prometida,
No êxodo eterno para o Nunca-Mais?
É, então, isso a vida: o sonho obscuro
Dos Ícaros, Jasões e Prometeus,
Perdidos na celagem d futuro?
É, então, isso a vida: __ Vida, adeus!
Não é esse o caminho que procuro...
Mas seja tudo por amor de Deus.
Retomando as anotações já expendidas incialmente linhas acima, é preciso ter em conta, no tocante à segunda parte, a questão amorosa, na qual subsiste o eixo central dos temas no poeta, consubstanciado no lexema “saudade” funcionando como macro-tema, portanto, da sua poética como um todo. O saudosismo dacostinao é um dado imanente à sua poética. Daí que, em Da Costa e Silva, o sujeito lírico se confunde com a dimensão muito forte nele da memória afetiva, subjetiva, visceralmente subjetiva e biográfica, muito particularmente nos poemas de evocação elegíaca, motivada pela morte de Alice, sua musa inspiradora.
Por conseguinte, é nessa segunda parte de Verônica que se vai encontrar toda a multiplicidade girando em torno da temática amorosa, do sentimento saudosista a que já me referi, enfim, todas as linhas de força do seu lirismo evocativo, lirismo este definido por Emil Staiger (1908-1987) como sendo de fundo romântico, graças à espontaneidade e ao viés autobiográfico e que vai funcionar, no conjunto dos poemas dessa parte, como quatro forças-motrizes:
O amor à sua amada Alice;
O amor materno;
O amor ao rio Parnaíba;
O amor à terra natal;
O amor à Natureza, como componente basilar de seu estro.
Como se pode depreender, o sentimento da saudade é puramente lírico, e lírico também por ser um poeta que produziu versos de estilos literários diferentes e em fase de transição da lírica brasileira: Simbolismo Parnasianismo e Modernismo. Aspecto bem lembrado, de resto, pelo grande crítico Fausto Cunha (1924-2004). Lirismo puro porque não dimana de distanciamentos abstratos, mas por ser radical na sua interioridade. Lirismo ainda por ter motivos românticos em vituude da sua natureza memorialística, evocatória e altamente subjetivista em muitos poemas, notadamente nos alusivos à terra natal e, como bem recorda José Guilherme Merquior, por suas vinculações neo-simbolistas.(Op.cit, p.41)
Veja-se que, na abertura de Verônica, o autor faz questão de dedicar uma epigrafe à sua musa Alice, além de uma outra referência epigráfica: uma carta de Heloísa a Abelardo, duas figuras históricas profundamente conexionadas com o sentimento de grandeza do amor. Esse lirismo aí evidente equivaleria ao que o erudito Karl Vossler (1872-1949) denomina de “pequena poetização.” Portanto, saudade e lirismo, no vate piauiense, se funde harmoniosamente e é onipresente e inarredável de sua poética.
A linguagem em Da Costa e Silva
Da Costa e Silva se destaca como um poeta virtuoso e altamente multifacetado no tocante aos aspectos estilísticos, sintáticos, semânticos da sua dicção esmerada e em virtude de seu domínio incomum de escrever poesia, aspectos que, em parte, já foram brilhantemente analisados pelo crítico, ensaísta, poeta e tradutor de poesia Oswaldino Marques (1916-2003) no ensaio “Espelho do mundo refrações,”(apud Poesias completas de Da Costa e Silva. p.15-35) publicado, junto com o belo ensaio de José Guilherme Merquior, ”Indicações para um estudo da obra de Da Costa e Silva” (Apud Poesias completas de Da Costa e Silva, op. cit.p. 37-45
A visão de ambos neste sentido de investigação percuciente de bases estilísticas, já foi, aliás, sintetizada por mim na minha dissertação de Mestrado defendida em 1994, na UFRJ e, posteriormente editada, em 1996, pela Universidade Federal do Piauiense em convênio com a Academia Piauiense de Letras (APL).
Todavia, em trabalhos posteriores que escrevi sobre o vate e, mesmo na minha dissertação, eu já havia tecido algumas considerações de natureza estilística, porém me aprofundando em novos acréscimos de pesquisas sobre o autor. No que diz respeito ao lado experimentalista do seu estro, procurei ângulos menos explorados em três ensaios: 1) “A função da epígrafes em Da Costa e Silva”; 2) “Da Costa e Silva: “Do cânone ao modernismo; “ 3) Um olhar atual para o Centenário de Sangue (1908).
Nesses três estudos, julguei ter avançado nas minhas pesquisas e até, por isso, pretendo, se possível, adicioná-los a uma nova edição do meu ensaio em livro. Os três trabalhos, mais uma vez, põem em evidência o nível elevado e ainda pouco conhecido do que representou Da Costa e Silva como autor de relevo no quadro geral da história da poesia brasileira dos anos de 1908 até aproximadamente os anos de 1934, considerando a circunstância de que o poeta, segundo já acentuei anteriormente, em 1934, já doente, conseguiu reunir sua Antologia, graças ao contínuo e profícuo desvelo demonstrado pelo filho Alberto da Costa e Silva. Entretanto, recorda José Guilherme Merquior, no seu citado estudo, que Da Costa e Silva produziu poemas durante a Belle Époque brasileira, período cultural que, segundo ele, “... só termina em 1930.”
Na verdade. Lembra ainda Merquior que Da Costa e Silva só teve 20 anos de produção poética, ou seja, de 1908 a 1927, ano da publicação de Verônica. Um vasto espaço de tempo improdutivo teria inegavelmente agravado o esquecimento do poeta. No referido ensaio, conclui Merquior, argumentando que, se não fosse pelos cuidados e amor filial de Alberto da Costa e Silva, que editou as Poesias Completas de Da Costa e Silva, edição O Cruzeiro, em 1950, o vate amarantino estaria ainda mais esquecido das novas gerações.
Conforme já ponderei alhures, Da Costa e Silva se mostrou, logo de início, como uma voz poética potencializada, vibrante, versátil, original e aberta a tentativas de não se estagnar nunca, o que, de fato aconteceu graças às suas habilidades de conhecedor profundo do verso em língua portuguesa, ao seu manejo e técnicas, sobretudo no domínio da musicalidade, ritmos, riqueza vocabular, erudição, domínio de línguas no original, conhecimento das literaturas clássicas, dele fazendo um excelso verse-maker.
Senhor de uma poética inquieta, dinâmica e marcadamente atualizada para o seu tempo, de tal sorte que, do ponto de vista historiográfico, laborou em erro palmar, a historiadora Lucina Steggano-Picchia, na sua apreciada História da literatura brasileira, ao incluir Da Costa e Silva como um poeta menor. Erro, na realidade, deplorável por revelar, da parte dela, pouca familiaridade com a obra de Da Costa e Silva.
Por outro lado, ensaístas eminentes do passado e do presente, ainda os mais novos, felizmente souberam se pronunciar favoráveis ao real valor estético do poeta. Citaremos, entre outros mais novos, José Guilherme Merquior, Pedro Lyra (1945-2017) e Carlos Nejar na sua História da literatura brasileira – da carta de Pero Vaz de Caminha à contemporaneidade (Rio de Janeiro: Relume Dumará:Copersul:Telos, 2007, p.136-137)
Os erros e omissões de historiadores literários são frequentes, a meu ver, por desconhecimento, ausência de leituras suficientes para avaliarem imparcialmente alguns poetas nacionais ou estrangeiros, ou emitirem juízos de valor deformados por outras razões quaisquer.
No que tange ao que se poderia chamar de projeto literário da produção legada por Da Costa e Silva, se verifica que ele era um artífice do verso que não se afastou, tanto quanto lhe foi possível, das mudanças que desejava imprimir à sua poesia, i.e., do que provavelmente tinha em vista concretizar. Em outras palavras, o vate tinha plena consciência de que não iria permanecer estático e repetitivo artisticamente, notadamente no tocante aos seus pressupostos estético-composicionais que, no meu juízo, iriam desaguar (caso não fosse impedido, ainda moço, de escrever outras obras) em formas renovadoras do seu fazer poético, como aconteceria com, por exemplo, Manuel Bandeira, o qual passaria do verso de corte tradicional, parnasiano, simbolista, por vezes romântico, para aderir, em seguida, por completo, ao Modernismo.
Lembro o leitor daquela declaração de Da Costa e Silva sintomaticamente elucidadora de alcançar novas maneiras de poetar. Aludo ao que dissera Judas Isgorogota(1901-1979) sobre essa declaração numa enquete sobre o poeta realizada em São Paulo, publicada em A gazeta, 1950). Nela o poeta, cuja voz fora interrompida pelo silêncio do destino, tratando do momento literário de então, reafirmava com o espírito aberto às novidades no campo da criação literária, o seguinte: “Na arte como na vida, só há renovação.” (grifo meu)
Atente-se, ademais, que Da Costa e Silva, ao final da enquete, ainda declarara algo de sua importância, o que reitera a premissa de que ele tinha essa consciência de que as obras já escritas necessitariam de uma nova guinada, um nova fase de outras realizações no campo da poesia nas quais um das linhas de força seria, sem dúvida, uma adesão à atualização de sua própria poesia: ”Os livros anunciados perdem a atualidade. Trabalho agora em Jangada (não me roubem o título), poema livre e selvagem, aprendido com mestre Amazonas.”(grifos meus)
Ora, em resumo, à vista do que expus linhas atrás, chega-se à comprovação de que Da Costa e Silva esteve sempre coerente com o que ia produzindo. A par disso, o seu decantado experimentalismo, ou mesmo algumas estratégias estilísticas desse poeta já indiciam o seu apego, ou melhor, sua tendência inata em direção a formas prematuras de escrever seus poemas, tendo em consideração, consoante em estudos sobre o autor, vestígios ou marcas evidentes voltados para a renovação, para a mudança de dicção, o que o tornaria um poeta moderno e desejoso de contribuir mercê de sua conhecida versatilidade grafemática, como é exemplo magnífico a construção inusitada e originalíssima do poema “Pero Vaz de Caminha,” ou em alguns poemas enfeixados no livro póstumo Alhambra, organizado pelo filho, Alberto da Costa e Silva.
Merquior, se reportando e se apoiando em Ezra Pound (1885-1972), traz à baila no seu ensaio as três categorias do “fenômeno poético” formuldas por Pound, logopeia, melopeia e fanopeia, afirmou que Da Costa e Silva era um poeta muito visual, i.e., se enquadrando, portanto, na classificação da fanopeia além de que, com igual intensidade, foi um poeta extremamente musical, portanto, um prato cheio para análises do domínio da estilística fônica, portanto seria um poeta que também usou a melopeia.Na categioia fanopeia , diria mais, mais, por ser muito convincente nas descrições de um imagismo concreto, realista em quadros vivos da paisagem em geral, da flora e da fauna brasileiras, o que levou Merquior, no citado ensaio, a falar de “presentificação” das imagens(Apud Poesias completas de Da Costa e Silva. Op.cit., p.) A meu ver, penso até que essa inclinação para descrições concretas de Da Costa e Silva, fortemente visuais, estaria ligada ao talento dacostinano, desde menino, para a escultura, arte profundamente plástica, táctil, marmórea.
Da mesma forma, valeria reiterar os seus dotes de poeta cujos recursos de linguagem lhe ensejariam poema fora do seu tempo cronológico, já referido neste breve estudo. Inclusive, numa análise comparativa, em se tratando de escrever poemas “inatuais,” poder-se-ia citar igualmente o solitário José Albano (1882-1923) que poetizou à maneira clássica de forma brilhante, pois temperamentalmente era um poeta que voluntariamente se dissociou dos estilos de sua época para mergulhar fundo no espaço e tempo do Classicismo luso.
Na minha análise, já mencionada, de título “Da Costa e Silva: do cânone ao Modernismo” constatei a influência de Da Costa e Silva em Manuel Bandeira, de resto, já apontada pelo crítico Pedro Lyra. Trata-se dos poemas “Refrão do trem noturno” ( do livro Alhambra, ) e do poema “Trem de ferro “( do livro Estrela da manhã, de Manuel Bandeira). Vejam-se os dois versos seguintes comparados aos de Bandeira e note igualmente o ritmo e a cadência do refrão dacostiano ressonando no de Bandeira:
Em Da Costa e Silva:
Muita força pouca terra
Muita força, pouca terra
Em Bandeira:
Café com pão
Café com pão
[...]
Muita força
Muita força
[...]
Pouca gente,
Pouca gente
Pouca gente...
Para concluir essas breves notas, me permita o leitor fazer uma auto-citação do meu mencionado ensaio no que concerne à comparação entre Da Costa e Silva e Manuel Bandeira: "É na semântica do tema que Bandeira se revela como um poeta modernista, ao passo que é no exercício da visualidade, fisicidade ou materialidade textuais que Da Costa e Silva se mostra afinado com a modernidade."