A origem dos Carvalho de Almeida do Piauí

[Gilberto de Abreu Sodré Carvalho]

                     Especial para Entretextos

 

 

 

 

 

 

Sobre a hipótese de o

abade

Miguel Carvalho de Almeida

(Padre Miguel de Carvalho)

 de Santo Aleixo de Além-Tâmega, Ribeira de Pena, em Portugal, nascido em 1664, ser o patriarca dos Carvalhos de Almeida do Piauí

  

2016

SUMÁRIO

 

A “História Problema”

O problema genealógico que demanda solução

Adoção de apelidos em Portugal e na América Portuguesa                                                                            

Dança de apelidos no Piauí no século XVIII

Origens do padre Miguel Carvalho de Almeida

Relações de parentesco entre os Carvalhos

As justificações, esmiuçadas, vão contra si mesmas

 

·         Por que Videmonte?

·         Sobre justificações de nobreza: as genéricas e as específicas

·         A justificação de nobreza de 1765 “confirma” o padre Miguel

como pai de Manuel

Conclusão  

ANEXO - Justificação de nobreza de Francisco da Cunha e

Silva Castello Branco, de 1765

 

A “HISTÓRIA PROBLEMA”

 

O historiador e filósofo brasileiro José Carlos Reis, em seu O desafio historiográfico, FGV Editora, 2010, páginas 91 - 98, esclarece o conceito de “História Problema”, enunciado na primeira metade do século XX.

A “História Tradicional”, a qual a “História Problema” devia combater, era baseada na ideia de que os documentos determinavam a narrativa histórica e, assim, levariam naturalmente a conclusões. A verdade do passado era aquela recolhida nos documentos buscados, encontrados e analisados. Não se procurava uma “interpretação” do passado a partir de uma indagação ou de uma hipótese de pesquisa.

Na “História Tradicional”, os documentos eram avaliados quanto a sua veracidade como objeto e eram evaliados, no sentido da extração do seu valor informativo[1]. Importava a autoridade de quem os tinha produzido ou escrito, ou se o que informavam era consistente em relação ao que já se sabia ou se esperava.

Os documentos que não tinham inserção em uma dada narrativa eram descartados. Mas podia ocorrer que eles dessem origem a uma nova história, a ser esposada por outros pesquisadores. Quando se contradiziam, eles deviam ser agrupados pela afinidade relativa à sua consistência narrativística. Cada grupo de documentos apresentava uma versão e os seus adeptos. Sempre haveria uma versão dominante, aquela melhor que todas as outras; aquela aceita “oficialmente”.  

A noção da “História Problema” mostrou que construir narrativas baseadas unicamente em documentos que falam sobre o passado (a “História Tradicional”) não é um bom caminho. O “conhecimento histórico” deve ser uma interpretação abrangente do passado e não uma tentativa de reproduzi-lo, como se faria com uma maravilhosa “máquina do tempo”.

Ao contrário do pesquisador tradicional, o estudioso “problematizador” não se coloca como isento em sua narrativa. Este novo narrador fala de si mesmo e de seu envolvimento pessoal frente ao problema. Assume a postura de ator do tempo histórico, que observa o passado munido das informações e do conhecimento que possui do contexto geral, do ambiente próximo ao objeto de estudo e dos propósitos dos personagens.

Nessa “História Problema”, o pesquisador não apenas lê ou ouve os documentos para narrar os fatos que teriam acontecido, mas os problematiza, agindo ativamente em busca de interpretações e respostas.  

Na “História Problema” haverá uma hipótese de resposta que prevalecerá entre as outras hipóteses possíveis, mas não ocorrerá uma disputa entre versões, como se dava na “História Tradicional”. A pesquisa será feita a partir do problema que a suscitou: o historiador organizará a série de dados que ele construiu, por via de suas conclusões parciais e daquilo que sabe e que tenha implicação para a solução. A refutabilidade das conclusões será exercitada pela verificação das respostas capazes de satisfazer o que foi perguntado, sem que se despreze o que se conhece, sem que se escolha uma versão em favor de outra, mas sim pela consistência da interpretação do conjunto de dados, dos documentos e de sua contextualização no tempo e no espaço.

 

O PROBLEMA GENEALÓGICO QUE DEMANDA SOLUÇÃO

 

O assunto deste ensaio é do meu interesse direto. Não estou me metendo em segredos dos outros, ou seja, dos Castello Branco do Piauí. O personagem Antônio Carvalho de Almeida é meu 6o avô, por linha patrilinear contínua. Sou ainda, outras várias vezes, descendente de Antônio, por diversas endogamias. Dessa mesma forma, descendo também dos personagens Manuel Carvalho de Almeida, Dom Francisco da Cunha Castello Branco e Maria Eugênia de Mesquita. No entanto, Francisco da Cunha e Silva Castello Branco, o personagem que (a seu provável contragosto) nos guia para confirmarmos, no final, a nossa tese, não é meu antepassado, é um colateral.

Enfim, qual é a questão histórica e da genealogia que estava a merecer resposta?

A dissonância, ou a inexplicação, que me fez pensar, estudar, interpretar os fatos e escrever este ensaio, foi a tensão entre as duas argumentações seguintes. Elas não poderiam ser tomadas como verdadeiras ao mesmo tempo:

 

Primeira:

 

O padre Miguel Carvalho de Almeida, cronista do Piauí no final do século XVII, foi natural da freguesia de Santo Aleixo de Além-Tâmega, em Portugal, e teve pais conhecidos naquela freguesia, conforme achado do pesquisador Valdemir Miranda de Castro, em junho de 2015. Esta descoberta vai de encontro à ideia antiga, corrente na historiografia piauiense, de que o padre Miguel e os demais Carvalhos de Almeida do Piauí tenham sido naturais da freguesia de Videmonte, no antigo concelho de Linhares, também em Portugal.

Com esta descoberta, os cinco Carvalhos de Almeida dos primórdios do Piauí (o padre Miguel, o padre Inocêncio, Manuel, Antônio e padre Tomé) têm a sua origem e a razão da escolha de seu apelido ou sobrenome desvendadas. O mistério da origem dos apelidos Carvalho ou Carvalho de Almeida, adotados pelo padre Miguel, pelo padre Inocêncio, por Manuel, por Antônio e pelo padre Tomé, deixa de existir. Belchior Gomes da Cunha e Isabel Rodrigues não foram pais de Manuel Carvalho de Almeida, nem dos outros quatro Carvalhos;

 

Segunda:

 

Francisco da Cunha e Silva Castello Branco (1716 - 1793, nascimento e morte prováveis), neto de Dom Francisco da Cunha Castello Branco[2] e de Maria Eugênia de Mesquita, não indicou, na sua justificação de nobreza de 1765, os seus avós paternos, ou seja, os pais de Manuel Carvalho de Almeida, seu genitor[3]. Todavia, os indicou, conforme nova descoberta de Valdemir Miranda de Castro, de novembro de 2015, em uma petição, datada de 1787, dirigida à rainha de Portugal, Dona Maria I, na qual pedia o início dos procedimentos para a obtenção do hábito de cavaleiro da Ordem de Cristo. Nela, o peticionante declara o casal Belchior Gomes de Cunha e Isabel Rodrigues como seus avós paternos.

O fato de o neto não ter querido dizer, por algum motivo, os nomes de seus avós paternos na justificação de 1765, foi superado pelo novo fato: o de os ter identificado na petição à Rainha, em 1787. Assim, não há razão para um investigador negar a autoridade do neto Francisco da Cunha e Silva Castello Branco para indicar seus avós paternos. Ele não teria por que fornecer dados falsos na petição à Rainha de 1787.

 

Essas duas argumentações me instigaram.

A minha hipótese, que foi inicialmente a mesma de Valdemir, era a de que o padre Miguel Carvalho de Almeida poderia ser o pai escondido de Manuel com uma mulher desconhecida. No entanto, a tradição piauiense — que tem berço na petição à Rainha de 1787 —, falava em Belchior Gomes de Cunha e Isabel Rodrigues como os pais de Manuel Carvalho de Almeida e avós de Francisco da Cunha e Silva Castello Branco.

A partir do achado da petição à Rainha de 1787, Valdemir e eu divergimos quanto a quem fossem os pais de Manuel Carvalho de Almeida, e ainda quanto ao parentesco entre os diversos Carvalhos de Almeida do Piauí, no final do século XVII e início do século XVIII. Ele entendeu, encerrando sua pesquisa, que os pais de Manuel seriam Belchior Gomes de Cunha e Isabel Rodrigues, acreditando na veracidade das declarações feitas na petição de 1787.

Eu, de meu lado, insisti que os pais de Manuel poderiam ser o padre Miguel Carvalho de Almeida e uma mulher desconhecida. Fui além disso, com base em minhas pesquisas paralelas, conhecidas por Valdemir. Assumi que o padre Miguel foi o pai também, com a mesma mulher desconhecida ou com outra, de Antônio Carvalho de Almeida e do padre Tomé Carvalho e Silva. O padre Inocêncio Carvalho de Almeida seria, então, irmão do padre Miguel e tio paternal de Manuel, de Antônio e do padre Tomé.

A petição à Rainha para ingresso na Ordem de Cristo, em 1787, e outras redigidas por Francisco da Cunha e Silva Castello Branco, não comprovariam uma solução em favor de Belchior e Isabel como genitores. Para mim, não importa que se tivesse isso como verdadeiro no Piauí, há mais de duzentos anos. Pensei: Quando Francisco apresenta como seus avós paternos Belchior e Isabel, ele o faz porque assim estaria minimamente atendendo ao que se exigia (a indicação de todos os avós) para o ingresso naquela instituição multissecular, a Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Há ainda a dizer o seguinte.

O peso documental da justificação de nobreza de 1765 e da petição à Rainha de 1787 circunscreve-se a mostrar Francisco como um fidalgo muito rico da América Portuguesa de seu tempo, ambicioso de títulos e de reconhecimento de sua nobreza. Os documentos de 1765 e de 1787 falam sobre ele, sobre os seus propósitos, sobre sua apreciação de si mesmo, sobre o que alega para ter os resultados que busca. Não são prova de que seus argumentos e “dados” sejam verdadeiros. 

O que se segue é a exposição de como foi meu caminho como investigador, a partir dos achados documentais de Valdemir Miranda de Castro.

 

ADOÇÃO DE APELIDOS EM PORTUGAL E NA AMÉRICA PORTUGUESA

 

Um ponto importante para esse estudo é o nome completo adotado pelo justificante de 1765 e peticionante de 1787, qual seja, “Francisco da Cunha e Silva Castello Branco”. Poderia Francisco ter adotado como seus apelidos só aqueles usados por sua mãe, Clara da Cunha e Silva Castello Branco? Por que não se apelidou “Carvalho de Almeida”, uma vez que o pai, Manuel, de quem era o primogênito, foi um dos principais conquistadores do Piauí e pessoa de grande prestígio nas guerras aos indígenas?

Vamos a essa discussão.

A adoção de apelido, no tempo que vai até o início do século XX, em Portugal e no Brasil, caracterizava-se pela inexistência de normatividade legal sobre o assunto. Só na adolescência ou na maioridade, as pessoas se dotavam de apelidos de família, ou de sobrenomes, como dizemos no Brasil. Ao nascerem, nobres e gente do povo, todos eram designados pelo nome dado no batismo. Os seus pais e, eventualmente, os avós, esses sim tinham os nomes completos identificados no assentamento do recém-nascido.

Essa prática durou em Portugal até a década de 1920 e no Brasil até a de 1930. Em dezembro de 1939, foi publicada no nosso país a lei dos Registros Públicos, que obrigou os pais ou responsáveis a dar os nomes completos das crianças assim que elas nascessem. Antes da lei, a escolha dos seus apelidos era feita pelo próprio titular, na idade adulta, quando fosse assinar um documento ou identificar-se por alguma razão. Ao casar ou morrer, o seu nome completo, conforme tivesse sido escolhido e fosse conhecido, ia para os assentamentos das paróquias ou para o registro municipal.

Desde a Idade Média, a tradição ibérica, que inclui a portuguesa, iguala, em valor, os sobrenomes e heranças culturais vindos de ambos os genitores. Pai e mãe nos são iguais. Não nos fazemos, como os ingleses e franceses, ligados apenas aos pais, desprezando as mães e seus legados[4].

Cabe dizer que, em contraste com o que determinava o instituto do morgado[5], a “bilateralidade” ou “bilinearidade”— termo que prefiro[6] — das tradições de pais e de mães foi muito praticada, tanto em Portugal como por cá. É a regra cognática, segundo a qual não há diferença, na avaliação social ou na sucessão, se uma pessoa descende de um ancestral por via feminina ou masculina.

Em Portugal e na América Portuguesa, nem mesmo as regras do instituto do morgado, que eram uma espécie de transição da regra cognática para a regra agnática, fizeram com que a linearidade masculina concentrasse a sucessão do patrimônio material e abstrato.

Em Portugal e na América Portuguesa, havia uma preferência pelo apelido que o pai usasse, em especial pelo filho primogênito ou pela mulher que fosse herdeira, na falta de varões. Mas também era uma escolha possível a assunção de apelidos vindos da mãe até por primogênitos homens.

Em Portugal, mesmo o instituto do morgado, vigente entre 1603 e 1863, que rememora o feudalismo, não levou a uma uniformização de apelidos entre os irmãos. Esse regime jurídico de sucessão serviu antes para proteger a aparência de nobreza da linhagem principal, que para representar poder. Afora das regras do morgado, a assunção na idade adulta de apelidos se dava por escolha dos indivíduos. Em Portugal, só se vai preferir manter os mesmos apelidos entre irmãos inteiros em meados do século XIX, não antes.

Abaixo, está um quadro que mostra a tomada de apelidos em Portugal.

 

 

Apelidos usados por filhos de nobres titulados em Portugal [7]

 

Pais nascidos

A

B

C

D

Antes de 1650

46

9

55

84%

1651-1700

49

15

64

77%

1701-1750

20

34

54

37%

Após 1750

10

74

84

12%

 

A–  número de filhos e filhas com apelidos diferentes;

B – número de filhos e filhas com apelidos iguais;

C – número total de filhos e filhas (A+B);

D– percentagem de A sobre C;

 

 

O mesmo ocorre na elite colonial da América Portuguesa, segundo a obra do linhagista Pedro Tacques[8]. Nos séculos XVI, XVII e XVIII, um total de 645 casamentos, com dois ou mais filhos, gerou cerca de 3.800 descendentes legítimos. Desses descendentes, apenas 8,2% adotaram os mesmos apelidos entre irmãos. Dos descendentes imediatos, 75% não apresentaram nem ao menos um único componente dos seus apelidos em comum com um irmão ou uma irmã.

Sabe-se pouco dos procedimentos entre as pessoas “comuns”, mas é provável que entre o povo houvesse a mesma confusão.

 

DANÇA DE APELIDOS NO PIAUÍ NO SÉCULO XVIII

 

Edgardo Pires Ferreira[9], em seu estudo sobre a genealogia piauiense e maranhense, apresenta diversas formas de tomada de apelidos, no século XVIII, dentro da tradição luso-brasileira, o que nos confirma que não havia respeito a uma regra geral. Observa-se ainda que uma mesma pessoa podia ser referenciada em documentos ou apresentar-se em escrituras públicas e privadas de formas diferentes, ou seja, com a mudança da ordem dos apelidos ou a exclusão de um ou de outro.

Na literatura genealógica fluminense, como em Macedo Soares e em Carlos Rheingantz[10], ocorre exatamente o mesmo fenômeno. Não se trata, assim, de algo piauiense, mas geral na cultura luso-brasileira.

Do levantamento realizado por Edgardo Pires Ferreira, das escolhas de apelidos feitas pelos filhos e filhas dos cinco casais reconhecidos como geradores das descendências Carvalho de Almeida, Castello Branco e Rêgo Barros, no Piauí do início do século XVIII, apresento aqui as formas adotadas:

 

(i)            pelas filhas de Dom Francisco da Cunha Castello Branco e Maria Eugênia de Mesquita;

 

(ii)          pelos filhos e filhas de João Gomes do Rêgo Barros  com  Ana Castello Branco de Mesquita (filha mais velha de Francisco e Maria Eugênia);

 

(iii)         pelas filhas do mesmo João Gomes do Rêgo Barros, em segundas núpcias, com Maria do Monte Serrate Castello Branco (terceira filha de Francisco e Maria Eugênia);

 

(iv)         pelos filhos e filhas de Manuel Carvalho de Almeida e Clara da Cunha e Silva Castello Branco (segunda filha de Francisco e de Maria Eugênia);

 

(v)          pelos filhos e filhas de Antônio Carvalho de Almeida, irmão de Manuel (item iv), e Maria Eugênia Mesquita Castello Branco (filha de João Gomes do Rego Barros e Ana Castello Branco de Mesquita, e assim neta de Francisco e Maria Eugênia).

 

Dom Francisco da Cunha Castello Branco e Maria Eugênia de Mesquita, filhas:

Ana Castello Branco de Mesquita — segue a regra ibérica de pôr o apelido do pai, Castello Branco, seguido pelo da mãe.

Clara da Cunha e Silva Castello Branco — toma o apelido completo do pai, ao qual adiciona Silva, apelido antigo e de prestígio de sua avó paterna, Maria da Silva, 9a senhora do morgado de Belas, em Portugal. Clara nada aproveita da mãe.

Maria do Monte Serrate Castello Branco — assume um nome composto, que pode ter sido o seu de batismo ou revisto por ocasião da crisma, seguido do apelido Castello Branco do pai.

 

João Gomes do Rêgo Barros e Ana Castello Branco de Mesquita, filhos:

Maria Eugênia de Mesquita Castello Branco — põe antes o apelido da mãe (tomado da avó materna), seguido pelo Castello Branco do avô materno. Não adota o apelido Rêgo Barros do pai.

Lourenço dos Passos Rêgo Castello Branco — “dos Passos”, que parece ter sido tomado por gosto, é seguido pela parte principal do apelido do pai e pelo Castello Branco da mãe. Segue a regra ibérica de pôr primeiro o apelido paterno.

Rosendo Lopes do Rêgo Castello Branco — adota um Lopes por gosto e cria um novo apelido composto, ao repetir o que fizera seu irmão Lourenço: Rêgo Castello Branco.

João do Rêgo Castello Branco — repete o apelido compostode seus irmãos mais velhos.

 

João Gomes do Rêgo Barros e Maria do Monte Serrate Castello Branco, filhas:

Francisca do Monte Serrate Castello Branco — mantém o apelido inteiro da sua mãe, nada toma do pai.

Florência do Monte Serrate Castello Branco — faz o mesmo que a irmã.

Ana do Monte Serrate Castello Branco — faz o mesmo que as irmãs.

 

Manuel Carvalho de Almeida e Clara da Cunha e Silva Castello Branco; filhos:

Francisco da Cunha e Silva Castello Branco (o autor dos documentos de 1765 e de 1787) — assume todos os apelidos da tradição da mãe, por conta do pai dela. Descarta inteiramente o Carvalho de Almeida do seu pai. Esse é um comportamento raro entre os primogênitos. A exclusão dos apelidos do pai era rara; no entanto, era aceitável e absolutamente legal.

Manuel Carvalho de Almeida — repete o apelido inteiro do pai. É um comportamento incomum entre os secundogênitos.

Belchior Carvalho de Almeida (também referido no documento de 1765, como Belchior de Castello Branco) — escolhe o apelido paterno em alguns documentos e, noutras vezes, o apelido da mãe.

Antônio Carvalho de Almeida — toma o apelido do pai.

Isabel da Cunha e Silva Castello Branco — adota os apelidos da mãe. É comportamento comum às mulheres.

Arcângela Úrsula da Cunha e Silva Castello Branco — somente o apelido da mãe.

Francisca da Cunha Mesquita Castello Branco — adota o apelido da mãe, mas substitui o Silva pelo Mesquita, da avó materna.

Ana Eugênia de Castello Branco — usa o apelido Castello Branco da mãe, deixando de lado o Cunha e Silva. Segue o padrão de descarte, pelas mulheres, do apelido do pai.

Clara da Cunha e Silva Castello Branco — reproduz o nome completo da mãe.

 

Antônio Carvalho de Almeida e Maria Eugênia de Mesquita Castello Branco (filha mais velha de João do Rêgo Barros e de Ana Castello Branco de Mesquita), filhos:

Ana Rosa Pereira Teresa do Lago (foi esposa do seu primo Francisco da Cunha e Silva Castello Branco, o autor dos documentos de 1765 e de 1787) — assume um nome completo muito estranho, uma vez que Pereira parece ser apelido adotado de um padrinho ou madrinha. Do mesmo modo, o que se segue, Teresa do Lago, é uma adoção do seu gosto. Descarta os apelidos de pai e de mãe, ainda que seja a primogênita.

Antônio Carvalho de Almeida — toma o nome completo do pai.

Miguel Carvalho de Almeida e Silva — assume o apelido do pai, mas adiciona, ao final, o Silva, apelido ilustre de sua trisavó Maria da Silva, mãe de Dom Francisco da Cunha Castello Branco, o fidalgo vindo de Portugal, bisavô materno de Miguel.

Antônio de Carvalho Castello Branco — adota, primeiro, a parte nuclear do apelido composto do pai, depois o Castello Branco da mãe. Tomar o apelido da tradição do pai antes do da mãe era o costume.

 

Deste levantamento, observa-se que não houve a exclusão do apelido “Carvalho de Almeida”. Ao contrário, esse sobrenome foi muito adotado pelos homens e mulheres, na descendência imediata de Dom Francisco da Cunha Castello Branco e de Maria Eugênia de Mesquita, casal que potencializou a adoção do apelido “Castello Branco” por três séculos. Isso indica, a meu ver, que “Carvalho de Almeida” tinha um passado genealógico e, portanto, valor social.

 

ORIGENS DO PADRE MIGUEL CARVALHO DE ALMEIDA

 

Como já mencionei, o pesquisador Valdemir Miranda de Castro, em junho de 2015, descobriu que o padre Miguel de Carvalho, também referido como Miguel de Carvalho e Almeida, ou ainda Miguel Carvalho de Almeida[11], nasceu em 1664, na freguesia de Santo Aleixo de Além-Tâmega, no antigo arcebispado de Braga, no norte de Portugal.

Hoje, em 2015, essa freguesia é chamada de “Salvador e Santo Aleixo de Além-Tâmega”, está no concelho de Ribeira de Pena, distrito de Vila Real. O padre Miguel possivelmente morreu em Lisboa, tendo passado um tempo na então circunscrição do bispado de Olinda, também referido como de Pernambuco.

A descoberta da verdadeira naturalidade do famoso padre Miguel Carvalho de Almeida, o primeiro cronista do Piauí, a quem se atribuía ser irmão de Manuel Carvalho de Almeida, de Antônio Carvalho de Almeida, do padre Tomé Carvalho e Silva e do padre Inocêncio Carvalho de Almeida, levava diretamente à conclusão de que todos os cinco Carvalhos dos primórdios do Piauí, irmãos ou parentes próximos, teriam vindo do mesmo lugar. O apelido “Carvalho de Almeida”, então, vinha daquela freguesia.

Depois da descoberta de Valdemir, quanto a quem fosse o padre Miguel e seu local de nascimento, fiz minha investigação sobre as famílias do concelho de Ribeira de Pena, buscando dados para iluminar mais o assunto. Encontrei um estudo do festejado genealogista português Manuel Abranches de Soveral, em que o padre Miguel Carvalho de Almeida, ou abade Miguel Carvalho de Almeida, aparecia como alguém muito bem-posto socialmente, descendente de gente fidalga, ainda que de bem menor prestígio e nobreza que os Castello Branco.[12]

O padre Miguel foi abade de Ribeira de Pena, capelão-fidalgo da Casa Real, sacerdote do hábito de São Pedro, vigário da vara e cura da freguesia de Rodelas, no bispado de Olinda, ou de Pernambuco, como alguns se referem à unidade eclesiástica. Ele esteve no Brasil, por poucos anos, como vigário da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Cabrobó de Olinda e padre visitador, como investigador do Santo Ofício da Inquisição, mas não como membro do mesmo Santo Ofício.

Como eu já disse, ele nasceu em 1664. Este dado é importante, como se verá em seguida. Adentrou o sertão profundo do nordeste brasileiro, onde recomendou a instalação de duas freguesias, e sua moção foi acatada com o estabelecimento da freguesia de São Francisco, na região de Rodelas, e de Nossa Senhora da Vitória, no Piauí.[13] Foi, também, ele quem escreveu o relatório “Descrição do sertão do Piauí”, em 1697, o primeiro sobre a região e a gente piauienses.

Segundo Manuel Abranches de Soveral, em seu estudo “Famílias de Ribeira de Pena”, o padre Miguel foi filho de Miguel Carvalho de Almeida (sênior) — nascido em cerca de 1630, capitão de infantaria dos auxiliares de Ribeira de Pena, senhor da Quinta de Bragadas de Além-Tâmega, em Santo Aleixo — e de Helena Gonçalves de Matos, falecida em 15 de setembro de 1684, em Santo Aleixo, provavelmente sua prima.

Miguel Carvalho de Almeida (sênior) foi filho de Domingos de Carvalho, moço fidalgo da Casa Real, juiz de órfãos de Ribeira da Pena e senhor da Quinta de Bragadas de Além-Tâmega, em Santo Aleixo, onde faleceu em 1668, e de Catarina de Almeida, nascida em 1608. Catarina foi filha de Antônio Gonçalves de Matos e de Maria Leitão de Almeida, nascida em Santa Marinha de Ribeira de Pena.

 Em “Famílias de Ribeira de Pena” se tem que o Padre Miguel teve três irmãos:

Domingos Carvalho de Almeida[14] — moço da câmara da Casa Real, cavaleiro da Ordem de Cristo, capitão-mor de Ribeira de Pena, familiar do Santo Ofício da Inquisição, senhor da Quinta de Bragadas, em Além-Tâmega, Santo Aleixo, e da Quinta de Senra de Cima, em Salvador, Ribeira de Pena;

Antônio Carvalho de Almeida — moço da câmara da Casa Real, cavaleiro da Ordem de Cristo, capitão de infantaria, mestre de campo dos auxiliares de Chaves, capitão-mor de Natal, no Rio Grande do Norte[15], familiar do Santo Ofício da Inquisição, escrivão proprietário do cartório de Cabeceiras de Basto;

Inocêncio Carvalho de Almeida[16] — capelão-fidalgo da Casa Real.

 

RELAÇÕES DE PARENTESCO ENTRE OS CARVALHOS

 

Fiquei confuso com o fato de Soveral não fazer menção, em seu estudo, a Manuel Carvalho de Almeida e a Tomé Carvalho e Silva.  Além disso, era improvável que Antônio, irmão do padre Miguel, fosse o mesmo Antônio Carvalho de Almeida, irmão de Manuel Carvalho de Almeida. O irmão do padre Miguel era alguém bem mais velho do que o Antônio do Piauí.

A questão era importante, porque a literatura genealógica piauiense se baseou, principalmente na obra do padre Cláudio Melo,[17] para concluir que havia cinco irmãos Carvalho de Almeida no Piauí, entre o final do século XVII e o início do século XVIII. Eu mesmo cria nisso. O que fazer? As novidades me pesavam como chumbo. Desdiziam, de frente, o que parecia assentado.

Pensei no que fazer.

Escrevi, então, um e-mail para Manuel Abranches de Soveral e perguntei qual a melhor visão da documentação sobre os Carvalho de Almeida: os de Ribeira de Pena e os do Piauí. Ele me respondeu, em 29 de setembro de 2015:

 

[...] O Manuel Carvalho de Almeida que refere foi comissário-geral do Piauí em 1714 e casou depois dessa data... Este Manuel dificilmente nasceu antes de 1680, pelo que também não me parece que possa ser filho de Miguel Carvalho de Almeida e Helena Gonçalves de Matos, casados cerca de 1654.

Mas esse Manuel podia ser filho do abade Miguel Carvalho de Almeida, que foi vigário de Rodelas, no sertão do rio de São Francisco, bispado de Pernambuco.

Tomé Carvalho e Silva (vigário) que refere é mais provavelmente irmão deste Manuel, pois nos antepassados de Miguel Carvalho de Almeida (casado com Helena Gonçalves de Matos) não há o nome Silva.

Neste caso, dos cinco irmãos que refere na verdade só três eram irmãos (Miguel, António e Inocêncio) e os outros dois (Manuel e Tomé) eram filhos de Miguel e sobrinhos de António e Inocêncio.

Contudo, se me diz que António Carvalho de Almeida casou com uma Castello Branco, já duvido que se trate do António Carvalho de Almeida, que foi capitão-mor de Natal, no Rio Grande do Sul, pois esse se casou com d. Maria Teresa Pereira Rebello Leite, com geração. Só se se trata de um 2º matrimónio. Em alternativa, o António Carvalho de Almeida, casado com um Castello Branco podia ser irmão do Manuel, portanto também filho do abade Miguel Carvalho de Almeida.

De sublinhar, também, que Inocêncio Carvalho de Almeida, que refiro no meu trabalho, já era clérigo em 1699.

 

Ora, a resposta do genealogista português, conhecido por dezenas de trabalhos de alto padrão metodológico e de erudição, desencadeou as seguintes conclusões minhas, que seguem abaixo na sua ordem lógica:

 

1.    O padre Miguel Carvalho de Almeida, muito conhecido como o autor de “Descrição do sertão do Piauí”, é a mesma pessoa referida como o abade Miguel Carvalho de Almeida, de Ribeira da Pena, nos registros portugueses;

 

2.    O padre Miguel foi provavelmente pai de Manuel Carvalho de Almeida e de Tomé Carvalho e Silva, com a mesma mulher ou não. Não fazia sentido que fosse irmão deles, e também de Antônio, uma vez que era bem mais velho;

 

3.    Antônio Carvalho de Almeida, referido em “Famílias de Ribeira de Pena” como irmão do padre Miguel, não deve ser o Antônio Carvalho de Almeida do Piauí. Este último, provavelmente, é também filho do padre Miguel;

 

4.    O registro dos filhos do capitão Miguel Carvalho de Almeida (pai do padre Miguel) e de Helena Gonçalves de Matos não omitiriam outros filhos que o casal tenha tido, uma vez que estiveram sempre na mesma freguesia;

 

5.    Mesmo que o capitão Miguel Carvalho de Almeida (pai do padre Miguel) tenha tido, em idade avançada, outros filhos fora do casamento, a presença e a dinâmica da estada do padre Miguel na região do rio São Francisco e no atual Piauí indicam que é com ele, pela sua idade e prestígio, a ligação dos Carvalho de Almeida do Piauí com os Carvalhos de Almeida de Portugal. Haver filhos naturais do capitão Miguel seria uma aposta sem sustentação;

 

6.    O padre Inocêncio Carvalho de Almeida, do Piauí, é o mesmo que é referido em “Famílias de Ribeira de Pena” como irmão do Padre Miguel;

 

7.    Os nascimentos desses três “filhos-de-padre” (Manuel, Antônio e Tomé) devem ter ocorrido em Portugal, na freguesia de Santo Aleixo de Além-Tâmega, ou perto, em anos posteriores a 1680. As crianças podem ter sido criadas em Videmonte, lugar bem longe, pelos pais de criação, Belchior Gomes da Cunha e Isabel Rodrigues;

 

8.    O fato de Manuel Carvalho de Almeida e Antônio Carvalho de Almeida, do Piauí, terem tomado o apelido “Carvalho de Almeida” não foi algo gratuito. Eles queriam fazer-se relacionar com seus antepassados de Santo Aleixo de Além-Tâmega;

 

9.    É a origem fidalga, ainda que repassada sacrilegamente por um sacerdote, que daria sustentação para os casamentos que fizeram Manuel Carvalho de Almeida e Antônio Carvalho de Almeida. O primeiro com a segunda filha de Dom Francisco da Cunha Castello Branco e de Maria Eugênia de Mesquita. O segundo com uma neta deste casal e filha de um fidalgo, João Gomes do Rêgo Barros;

 

10. O fato de haver alguns estudiosos, como o padre Cláudio Melo, que fizeram até hoje crer que os cinco contemporâneos do tempo da conquista do Piauí (Miguel, Manuel, Antônio, Inocêncio e Tomé) fossem irmãos é decorrência de se querer esconder, a bem dos costumes, as bastardias de Manuel, de Antônio e de Tomé, bem como a incontinência do padre Miguel quando jovem.

 

Em suma, o padre Miguel Carvalho de Almeida foi provavelmente pai de Manuel Carvalho de Almeida, de Antônio Carvalho de Almeida e do padre Tomé Carvalho e Silva, com mulher ou mulheres cujos nomes me são desconhecidos.

Fiz a mim mesmo a pergunta: Por que o padre Miguel não reconheceu e muito menos legitimou os seus três filhos?

Respondo. Para alguém ser reconhecido como filho ou filha fora da situação de casamento (“reconhecimento de paternidade”), era preciso simplesmente que o pai natural se declarasse como pai no assentamento de batismo da criança na paróquia. Ou que fizesse uma declaração notarial de perfilhação, ou ainda se identificasse como genitor nas suas disposições testamentárias. Não havia, naquele tempo, o procedimento judicial de reconhecimento de paternidade, como hoje.

A hipótese, no entanto, de se “legitimar” o filho reconhecido ou a filha reconhecida, servia para sustentar uma pretensão hereditária em relação a morgados, a mercês, a títulos nobiliárquicos, a brasões, a benefícios de qualquer ordem que tivessem o soberano como fonte de outorga. Cabia que se obtivesse do rei uma carta de legitimação para o descendente. No caso de pais religiosos, cabia uma carta de legitimação do Papa. Era comum que se requeressem essas cartas e que elas fossem obtidas[18].

Creio que a razão básica para o não reconhecimento e para a não legitimação seja a de que o padre Miguel não era detentor de bens vinculados, de mercês de possível sucessão ou de morgados. Esses bens de sua família restaram para seu irmão leigo Domingos Carvalho de Almeida, o qual sucedeu o pai (o capitão Miguel Carvalho de Almeida) em tudo que fosse do patrimônio físico e do simbólico.

Por outro lado, o padre Miguel não deve ter pensado que seus filhos pudessem almejar o reconhecimento de nobreza ou uma das três Ordens (Cristo, Avis ou Santiago), para o que eles precisassem ser filhos legitimados frente ao rei e frente ao Papa. Entenda-se que a legitimação limpava, em relação ao filho ou à filha, a sua origem espúria ou sacrílega.

O padre Miguel deve, eu imagino que por praticidade, ter visto vantagens em não ser identificado como genitor de Manuel, de Antônio e do padre Tomé. A condição de não parente poderia servir para fazer mais fácil sua ajuda aos filhos. Um caso exemplar de não reconhecimento e de não legitimação, para efeito de ajudar mais e melhor um filho bastardo, é o de Tomé de Sousa[19], primeiro governador geral do Brasil com relação a Garcia d’Ávila. O que seria proibido a Tomé de Sousa fazer em benefício de um filho, poderia ser feito muito largamente a um estranho[20].

Não há que se comparar a amplitude de poder de Tomé de Sousa com a do padre Miguel. No entanto, sempre ajuda mais quem “ajuda por fora”.

Quanto à adoção do apelido “Carvalho” ou “Carvalho de Almeida” pelos três filhos, problema algum houve. Eles poderiam tomá-lo na idade adulta, sem precisar para isso ter qualquer autorização paterna ou de outra espécie, como se viu na seção “Adoção de apelido em Portugal e na América Portuguesa”, acima neste ensaio.

  

AS JUSTIFICAÇÕES, ESMIUÇADAS, VÃO CONTRA SI MESMAS

 

A Segunda Argumentação, apresentada em “O problema genealógico que demanda solução”, no início deste ensaio, não é uma hipótese consistente. Ela queda, por inteiro, frente à Primeira Argumentação, desenvolvida logo acima. Mais exatamente, os documentos relacionados à Segunda Argumentação, uma vez esmiuçados, reforçam a solução a que chegamos em favor da patriarcalidade do padre Miguel Carvalho de Almeida.    

 De acordo com o escritor Miguel de Sousa Borges Leal de Castello Branco, em livro de 1879[21], Manuel Carvalho de Almeida foi filho legítimo do casal Belchior Gomes da Cunha e Isabel Rodrigues, pessoas que seriam da freguesia de Videmonte, concelho de Linhares, Portugal. Hoje, freguesia de Videmonte, concelho da Guarda, distrito da Guarda.  

Provavelmente, Miguel de Sousa Borges Leal Castello Branco colheu tais dados na petição à Rainha de 1787, de Francisco da Cunha e Silva Castello Branco, que mencionava Belchior e Isabel como avós paternos de Francisco.

Havia uma tensão a ser superada: o conflito entre

·                o que fazia sentido por um conjunto de dados e argumentações, de um lado, e

·     o que parecia ter valor emotivo notável: a declaração do neto Francisco, o filho mais velho de Manuel Carvalho de Almeida, de que os seus avós paternos eram de Videmonte (na justificação de nobreza de 1765), e que se chamavam Belchior Gomes da Cunha e Isabel Rodrigues (na petição à Rainha de 1787).

 

Por que Videmonte?

 

A primeira fonte, no tempo, que toma Videmonte como o local de nascimento de Manuel Carvalho de Almeida (também, por inferência, de Antônio, do padre Tomé, do padre Miguel e do padre Inocêncio) é a justificação de nobreza de três irmãos signatários: Francisco da Cunha e Silva de Castello Branco, Belchior de Castello Branco e Manuel Carvalho de Almeida ou Manuel de Almeida, datada do ano de 1765.  

Nesse documento, em que Francisco, o primogênito, é o cabeça do trio de justificantes, não há menção de quem sejam os avós paternos, ou seja, os pais de Manuel Carvalho de Almeida.

A segunda fonte é uma petição de Francisco à rainha dona Maria I, solicitando o hábito da Ordem de Cristo, datada de 22 de agosto de 1787, ou seja, mais de vinte anos depois da justificação de nobreza de 1765. Neste pedido de ingresso na Ordem de Cristo, a mais prestigiosa de Portugal, Francisco indica como seus avós paternos Belchior Gomes da Cunha e Isabel Rodrigues.

Muito estranhamente, no primeiro documento, de 1765, Francisco diz que os avós paternos são de Videmonte, mas não diz quem eles são. Não lhes dá os nomes, que decerto sabia, bem como, possivelmente, sabiam as testemunhas que arrolou. Por que dizer que eram de Videmonte, sem dizer quem eram eles?

É a justificação de nobreza, feita em 1765, sob a condução de Francisco, que, analisada com atenção, desvenda o que houve e sugere o que ocorreu vinte anos depois, quando Francisco pediu, em 1787, o hábito da Ordem de Cristo, o seu provável objetivo final desde a providência de 1765.[22]

O procedimento de 1665 foi processado frente ao Juiz Ordinário e de Órfãos Manuel Gomes de Figueiredo, titular desse ofício na vila de Santo Antônio de Campo Maior, comarca de Oeiras, na capitania do Piauí.

Até há pouco tempo, no Brasil, ainda existia o procedimento judicial da “justificação”, nos moldes das antigas justificações e provanças genéricas. Ou seja, não eram feitas no curso de um processo judicial propriamente dito, com contraditório e julgamento de mérito. O novo Código de Processo Civil, de 2015, não mais prevê nomeadamente esse instituto, embora ainda se possa praticá-lo, como procedimento inominado, seja cautelar ou preparatório, frente a uma futura ação judicial.[23]

Ora, os dados mais importantes em uma justificação de nobreza do tipo espontâneo (sem causa em um pleito específico), como a feita por Francisco da Cunha e Silva Castello Branco, em 1765, eram as identificações dos pais e dos quatro avós, e o fato de o justificante, seus pais e os quatro avós serem nobres, quanto a seguirem as regras de conduta da nobreza e terem recursos para viver sem o trabalho manual ou, como se dizia, mecânico. Ora, se o justificante de 1765 não disse quem eram seus avós paternos foi por haver algum impedimento prático e de natureza grave.

Quanto à referência à freguesia de Videmonte, não posso sugerir qualquer explicação. Pode ser que lá tivessem morada os padrinhos, os pais adotivos de Manuel Carvalho de Almeida ou gente de confiança, a outro título. Ou alguma outra coisa que deve seguir essa linha de raciocínio, uma vez que é Videmonte que volta a surgir na petição à Rainha de 1787, quando Francisco diz serem seus avós paternos Belchior Gomes da Cunha e Isabel Rodrigues.

  

Sobre justificações de nobreza: as genéricas e as específicas

 

As justificações genéricas eram autônomas, sem causa direta, ou propósito já sabido ou anunciado. Eram feitas sob reserva.

Nelas, a questão de Genere, Vita et Moribus (sobre antepassados, vida e costumes) não se submetia a um processo jurídico propriamente dito, frente a um tribunal ou mesa julgadora. Sua finalidade era a demonstração genealógica para futuros pleitos sobre sucessão de bens vincu­lados a hereditariedade; ou prova prévia de nobreza, pois o privilégio dessa condição torna o justificante elegível para alguns cargos. Podiam também servir como primeiro passo para requerimento de carta de brasão, uma espécie de sondagem sobre a aceitação, ou não, da argumentação nobilitante.

As justificações específicas eram feitas quando se queria habilitação para posição ou cargo específico em uma instituição da Coroa, dignidades ou mercês. Tais processos deveriam comprovar nobreza, sem fama em contrário, tanto do justificante quanto de seus quatro avós. Eram processos jurídicos públicos, com a possibilidade de intervenções e embargos dos terceiros que tivessem interesse legítimo em contradizer o que estivesse sendo afirmado como a verdade por testemunhas simpáticas ao justificante.

Segundo Guilherme Maia de Loureiro, no livro antes referido, as justificações, em geral, específicas e genéricas, deviam ser apoiadas em documentos, mas eram admitidas testemunhas que confirmassem que o justificante possuía pelo menos um dos sete atributos exigidos:

a)    o justificante, seus pais e avós, serem e terem sido comumente tidos, havidos e reputados como nobres;

b)    servir ou ter servido ao governo de cidades, de vilas ou em alguma outra ocupação das que costumam ser atribuídas a nobres;

c)    seu nome constar ou ter constado na lista de nobreza das Casas da Misericórdia e das companhias das Ordenanças[24];

d)    serem ricos e tratarem nobremente com cavalos, mulas e criados[25];

e)    terem fama antiga e constante de serem nobres, e que disso se tenha ouvido dizer por pessoas idosas[26];

f)     serem, por si e por seus antepassados, senhores desde o tempo imemorial, por via de sucessão e não de compra, de alguma casa, a que chamam paço[27];

g)    sua estirpe, desde o tempo antiquíssimo, possuir castelo ou torre com ameias[28], e ser descendente do ancestral que obteve a licença régia para a poder edificar[29].

 

                  O rigor na exigência dos sete indicadores variava conforme a finalidade da justificação, bem como, no caso das específicas, segundo o critério da entidade competente. Neste último caso, órgão cuidadoso e investigativo foi a Mesa da Consciência e Ordens, decidindo pela concessão ou negação da mercê do hábito de uma ordem militar, como a Ordem de Cristo.

              Usualmente, o cuidado era pouco. O foco estava em o candidato não ser, evidentemente, plebeu, nem seus pais e avós, o que se sabia pelo não exercício de ofícios mecânicos, ainda que isso, quando houvesse empenho e dinheiro, pudesse ser superado. Prestava-se mais atenção ao sangue limpo de “infecção” por hebreu, por mouro ou por negro.

               Nas justificações genéricas, o rigor foi inexistente. Eram procedimentos feitos perante uma autoridade judiciária, vista como competente. A análise dessas justificações nos estudos históricos demonstra que, por vezes, houve descumprimento total dos sete indicadores indicados. Não se descumpria a forma, nas referências à nobreza do justificante e de seus antepassados, mas mentia-se e inventava-se sobre essa condição.

 

              A “prova” era feita através dos depoimentos prestados, perante um escrivão, por pessoas escolhidas pelo próprio interessado. Em Portugal ou no Brasil, quando a justificação chegava ao magistrado competente, fosse um juiz ordinário de um concelho ou município[30], ou mesmo os desembargadores da Casa da Suplicação, em Lisboa, não havia como contestar, a não ser com contratempo. Por que indispor-se com gente rica e influente? Seria bobagem, afinal, os verdadeiros nobres são outros e todos o sabem. O juiz ordinário ou os desembargadores acatavam a justificação como boa na forma e encerravam o processo.

A justificação de nobreza de 1765 “confirma” o padre Miguel como o pai de Manuel

 

Como disse antes, o extraordinário na justificação de nobreza de Francisco, aceita pelo Juiz Ordinário de Campo Maior, Piauí, é que nenhuma declaração existe sobre quem sejam os avós paternos dos três irmãos. É dito apenas que:

 

[...] os Justificantes são filhos legítimos de Manuel Carvalho de Almeida e D. Clara Castello Branco da Cunha e Silva. Que o dito Pai é oriundo de Vide do Monte, Freguesia de São João Batista, vila de Linhares, filho de Pais de conhecida nobreza e aí desta sempre se tratou nesta Capitania com cavalos na estrebaria e pajens...[31]

 

A íntegra do documento consta no Anexo 1, transcrita literalmente, conforme consta no livro de Renato Castelo Branco, Os Castelo Branco d’aquém e d’além mar, páginas 217 a 238.

Esta inexplicável ausência de nomeação dos avós paternos é mantida em todo o documento, pelas várias testemunhas. Todas dizem que os genitores de Manuel Carvalho de Almeida são “nobres”, mas não dizem os nomes, nem quem seriam.

Isso não ocorre quanto aos avós maternos de Francisco, ou seja, os pais de Clara da Cunha e Silva Castello Branco, ou Clara Castello Branco da Cunha e Silva, como é identificada no documento. Seus genitores são expressamente nomeados, como é esperado em toda e qualquer justificação de nobreza. O fato de ser uma provança genérica não exclui esse requisito mínimo: avós declarados. A omissão da origem paterna, em 1765, leva à conclusão de que Francisco e as testemunhas não quiseram mentir inventando nomes para os avós.

No entanto, essa omissão era juridicamente impossível, tornando a justificação inepta, em qualquer canto do Império Português, ou seja, inaceitável por não se poder acatar que o justificante fosse nobre, sem que houvesse conhecimento de quem eram os seus avós paternos.

É possível, agora entro no campo das conjecturas, que Francisco, o irmão mais velho, nascido em 1716, e o mais afidalgado de todos — haja vista o nome completo que assumiu, Francisco da Cunha e Silva Castello Branco[32] —, tenha ficado em dúvida sobre como agir para obter o hábito da Ordem de Cristo.

A busca dessa dignidade deve ter sido o motivo para a estropiada justificação de nobreza de 1665. Francisco deve ter consultado gente pouco versada no assunto, pois, mesmo um documento prévio, não poderia omitir dados tão importantes.

A suposição que emerge, com muita força, é a de que Francisco não podia indicar como avós paternos um sacerdote, que nem reconheceu nem legitimou o seu pai Manuel como filho, e uma mulher desconhecida ou impassível de ser mostrada.

Em suma, os genitores de Manuel Carvalho de Almeida e de seus irmãos não devem ter sido Belchior Gomes da Cunha e Isabel Rodrigues, mas sim o Padre Miguel Carvalho de Almeida e uma mulher desconhecida.

Essa é uma hipótese provável, em vista da inconsistência formal da justificação de nobreza de 1765.

Ocorre, então, de vinte anos depois, no ano de 1787, Francisco da Cunha e Silva Castello Branco pedir o hábito da Ordem de Cristo. Na petição à Rainha de 1787, ele cita os avós paternos, nomeando-os: Belchior Gomes de Cunha e Isabel Rodrigues.

Por que fez isso? Por que só então disse quem seriam os avós paternos?

Porque esta indicação é uma exigência mínima das provanças em geral, específicas e genéricas, sendo absolutamente intransponível nas específicas, como, no caso, uma petição à rainha dona Maria I, para ingresso na Ordem de Cristo. Esta ordem militar era a mais importante do Reino, secundada pela de Avis e a de Santiago. Portanto, penso, Francisco teve de apresentar avós paternos. É provável que Francisco tenha consultado jurisconsultos entendidos em provanças e que eles o tenham aconselhado a indicar nomes. Sem essa indicação, um pedido de acesso à Ordem de Cristo não seria admitido, desde o princípio.

As justificações ou provanças, sejam elas genéricas ou específicas (no que importa à sua petição inaugural), não podem ser vistas como documentos, como provas. As provanças genéricas não supõem contraditório. Nas específicas, a petição inaugural ou inicial, como a de Francisco, é uma simples alegação, tal qual são as petições iniciais apresentadas a um juiz de direito, hoje em dia. O itinerário ou o processo legal para a Ordem de Cristo, a ser seguido por alguém interessado, como o caso de Francisco, com domicílio no Ultramar, era o que está abaixo[33]:

 

a)    peticionava-se à rainha Dona Maria, então soberana, no ano de 1787, por meio do Conselho Ultramarino;

b)    o Conselho Ultramarino, em Lisboa, observaria as condições mínimas de admissibilidade e de recolhimento das custas; se admitisse o pedido como regular na forma, enviava-o à Rainha para ser dada a mercê em caráter provisório; ao mesmo tempo, o enviava para a Mesa da Consciência e Ordens, órgão colegiado formado por cinco membros, que servia como um tribunal administrativo, sob as regras e eventuais intromissões do monarca, a quem servia;

c)    a Mesa da Consciência e Ordens (órgão de avaliação de candidaturas às Ordens de Cristo, de Avis e de Santiago) iniciava o processo de provança específica, propriamente dito[34]: seriam ouvidas as testemunhas, em número julgado suficiente, nos lugares da naturalidade do candidato e dos seus ascendentes (pais e os quatro avós); todas as despesas e custas processuais eram suportadas pelo candidato; após esse processo, que poderia demorar anos, a Mesa daria seu parecer (não era um acórdão de julgamento, mas um parecer circunstanciado) à Rainha;

d)    no caso de um parecer negativo, a Rainha poderia acatá-lo e cassar a outorga provisória, ou confirmá-la e torná-la definitiva, à revelia do parecer da Mesa;

e)    no caso de um parecer positivo, a Rainha concederia o hábito; mas poderia não o conceder, considerando seu poder discricionário de agir conforme sua própria vontade;

f)     Por ocasião da concessão definitiva do hábito de Cristo, o processo era reenviado à Chancelaria das Ordens para a expedição da “carta de hábito” dirigida ao candidato definitivamente feito cavaleiro.

Os processos para efeito da concessão da Ordem de Cristo demoravam anos e eram sujeitos a amplo escrutínio. O fato, por tudo que se sabe, é que Francisco da Cunha e Silva Castello Branco não foi elevado a cavaleiro, mediante procedimento oficial da Chancelaria das Ordens, órgão executivo da Mesa da Consciência e Ordens, depois da aprovação final da soberana Dona Maria. O documento de aprovação, expedido pela referida Chancelaria, era a “carta de hábito”. Francisco teria morrido em 1793.

A origem familiar do padre Miguel Carvalho de Almeida está na pequena nobreza provinciana de Ribeira de Pena. Por esse lado, não haveria o que Francisco temer. Seu grande receio deveria ser o de alguém indicar o padre Miguel como seu avô paterno. Teria alguma ou mais testemunhas alertado a Mesa da Consciência e Ordens sobre a alegação inverdadeira de Francisco de serem seus avós paternos Belchior e Isabel?

O fato é que o padre Miguel não reconheceu e, muito menos, legitimou seu filho Manuel (o pai de Francisco), nem Antônio, nem Tomé. Por tal, Francisco não poderia agir de outra maneira, ou seja, tinha de inventar avós paternos isentos de mácula.

Ocorreu de o padre Miguel, como já se disse, ser da pequena nobreza provinciana. Não eram pessoas com a administração de morgados e capelas, com títulos ou tenças. Foi com o capitão Miguel Carvalho de Almeida, seu pai, que se iniciou uma fase de nobilitamento.

Ainda em resposta a meu pedido de pesquisa, o doutor Guilherme Maia de Loureiro, disse o seguinte, em 29 de novembro de 2015:

 

a)    Domingos de Carvalho (sênior), avô do padre Miguel, não teria sido moço da câmara e juiz dos órfãos; isso seria uma “criação” posterior dos seus descendentes, pois não há suporte documental a respeito;

b)    no processo de habilitação para familiar do Santo Ofício de Domingos de Carvalho Almeida, irmão do padre Miguel, datado de 1699, os ofícios do avô, Domingos de Carvalho (sênior), não são referidos;

c)    os avós do padre Miguel e de Domingos de Carvalho Almeida, Domingos de Carvalho e Catarina de Almeida, são sempre identificados como sendo apenas “lavradores que viveram de sua fazenda e granjearia”;o mesmo acontece na inquirição de genere de outro neto de nome Miguel de Carvalho Almeida;

d)    o foro de moço da câmara de Domingos de Carvalho (sênior), surge apenas na carta de brasão de armas do neto Domingos de Carvalho Almeida, mas sabemos como esses documentos são muito pouco fiáveis como fontes históricas; já o ofício de juiz dos órfãos, desconheço qual seja a fonte que o suporta, mas também não consultei as chancelarias onde poderia surgir a concessão ou confirmação do ofício.

 

CONCLUSÃO

 

Eu gostaria de ser portador de melhores notícias, mas foi isto o que pude apurar.

Com certeza, o prestígio do apelido “Carvalho de Almeida” ou “Carvalho e Almeida” estava ainda se formando no século XVII português.

Suponho que o fato de Francisco da Cunha e Silva Castello Branco ser de um ramo da casa de Castello Branco, decorrente de um irmão do primeiro conde de Pombeiro, deve ter sido ruim para sua pretensão de ser da Ordem de Cristo. Possivelmente esse tipo de gente ligada à Grande Nobreza deveria sofrer escrutínio mais denso e eventual oposição da gente da estirpe principal da Casa.

Em 1773, se terminou no reino com a exigência de “limpeza de sangue”. Assim, em 1787, as provanças de genere eram mais tolerantes. Muita gente de origem simples conseguiu a Ordem de Cristo. Pode ter havido, não afirmo, mas suponho, posicionamento contrário ao pedido de Francisco, por parte do então conde de Pombeiro, ou seja, o chefe da Casa.

A conclusão de o abade Miguel Carvalho de Almeida, também conhecido como padre Miguel de Carvalho, ser irmão do padre Inocêncio Carvalho de Almeida e pai de Manuel Carvalho de Almeida, de Antônio Carvalho de Almeida e do padre Tomé de Carvalho e Silva, pode levar a discussões. Muitos dos seus milhares de descendentes não gostarão disso, sejam quais forem seus apelidos ou nomes de família atualmente.

Por outro lado, o que concluo não tem valor absoluto. Não há, eu sei, como provar o que digo por meio de documentos que afirmem expressamente: “O Padre Miguel é pai de ...”. Não tenho esses documentos. Talvez, não existam hoje; talvez nunca tenham existido, em vista do sacrilégio do padre Miguel.

 

Primeiras relações entre Carvalho de Almeida, Castello Branco e Rêgo Barros no Século 18 piauiense com a paternidade do Padre Miguel Carvalho de Almeida quanto a Manuel e a Antônio

 


 

 

ANEXO

 

PÚBLICA FORMA TIRADA EM 24 DE MARÇO DE 1859 DO PROCESSO DE JUSTIFICAÇÃO DE NOBREZA, FEITO EM 1765 POR FRANCISCO DA CUNHA E SILVA CASTELO BRANCO, BELCHIOR DE CASTELLO BRANCO E MANUEL DE ALMEIDA

 

“Os Castelo Branco d’aquém e d’além mar”, de Renato Castelo Branco, São Paulo: LR Editores, 1980, pp, 217-238.

 

“Instrumento de justificação passado a requerimento de Dom Francisco da Cunha e Silva de Castello Branco, e seu irmãos D. Belchior de Castello Branco, e D. Manuel de Almeida. Manuel Gomes de Figueiredo, Juiz Ordinario e Órfãos, Provedor Commissario na Arrecadação das Fazendas dos Defuntos e Ausentes nesta Villa de Santo Antonio de Campo-Maior, Comarca da Cidade de Oeiras, Capitania de São José do Piauhy, etc. A todos os Senhores Doutores, Corrigedores, Provedores, Ouvidores, Jul­gadores, Juizes de fóra, Ordinários, Officiaes de Justiça, e mais pessoas d'ella, assim como as de todo este Estado do Brasil, como as do Reino e Senhorios de Portugal, e suas conquistas, aquelles a quem, onde e perante quem esta minha prezente carta de Sentença de Justificação em forma for aprezentada, e verdadeiro conhecimento d'ella com direito e direitamente deva e haja de pertencer o seu devido efeito, e inteiro cumprimento d'ella pedir, e re­querer por qualquer via, titulo, modo, documento, ou razão que seja, e ser possa, a todos em geral, e a cada um d'elles em particular em suas jurisdicções. Faço saber em como neste meo Juizo ordinario, se tratarão, correrão e se processarão uns autos de Justificação por parte e a requerimento dos Justificantes Dom Francisco da Cunha e Silva de Castello Branco, Dom Belchior de Castello Bran­co, Dom Manuel d'Almeida, de cujos autos o seu theor é de forma e maneira seguinte: // Anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil sette centos e ses­senta e cinco annos, aos vinte dias do mez de Fevereiro do dito anno, nesta Villa de Campo-Maior, e sendo ahi em cazas de morada do Juiz Ordinário e Órfãos, o Capi­tão Manuel Gomes de Figueiredo, pelo Justificante D. Francisco da Cunha e Silva Castello Branco, me foi dada hua sua petição d'ittens, com o despacho n'ella inserto pelo dito Juiz, para efeito de Justificar o contheudo n'ella, requerendo-me a tomasse e autuasse lhe fizesse cumprimento de direito como Escrivão que para a sobre­dita Justificação fora outro, sim para isso nomeado, como se via de seu despacho por impedimento do actual, a qual petição receby e autuei, e a estes autos a ajuntei, que é a que adiante se segue, de que para constar fiz este autuamento. Eu, Gonçalo Barbalho Corte Real, Escrivão no­meado por impedimento do actual, que escrevy. // Se­gundo que tudo isto assim e tão cumpridamente se con­tinha e declarava, era contheudo escripto e declarado em dito autuamento seguinte ao qual se via e mostrava a sobredita petição da referida forma e maneira seguinte: // Senhor Juiz Ordinário //. Dizem D. Francisco da Cunha e Silva de Castello Branco, e seus irmãos D. Belchior de Castelo Branco, e D. Manuel de Almeida, que lhes faz abem de sua justiça justificarem perante vossa mercê os ittens seguintes: // Que elle supplicante D. Francisco, é Capitão de Cavallos no Regimento Auxiliar da Cavallaria da Guarnição desta Capitania do Piauhy de que é Coronel o Illustrissimo Senhor João Pereira Caldas, Governador d'ella, e o Justificante D. Belchior Tenente de Cavallos no mesmo Regimento, // Que elles justificantes são orundos desta Freguezia de Santo Antonio do Seroby, aliás villa de Santo Antonio de Campo-Maior, e nella mo­radores, onde sempre gozarão da fidalguia e nobreza de seus ascendentes, tratando-se com cavallos na Estribaria, pagens, escravos, e com todo o mais tratamento devido ás suas pessoas //. Que os Justificantes são filhos legíti­mos de Manuel Carvalho de Almeida e D. Clara Castello Branco da Cunha e Silva //. Que o dito seu Pai, é oriun­do de Vide do Monte, Freguezia de São João Baptista, Villa de Linhares, filho de Pais de conhecida nobreza e ahi desta sempre se tratou nesta Capitania com cavallos na estribaria e pagens //. Que o dito seu Pai, nesta Capi­tania sérvio a sua Magestade Fidelíssima na guerra feita ás nações do Gentio, que a infestavao desde as cabiceiras do Piauhy, até á barra do rio Parnahyba, não só com sua pessoa, cavallos, escravos e armas, mas também com ho­mens montados, armados, pagens, com sua fazenda //. Que havendo-se conquistado todas as nações do Gentio, que occupavão as referidas terras, se passou o Mestre de Campo da conquista, Antonio da Cunha Souto-Maior, a outra parte do rio Parnahyba a conquistar os gentios que infesta vão a Capitania do Maranhão; em cuja expedição foi o Pai do Justificante. Levantando-se a nação do Prín­cipe Mandú-Ladino, este matára o dito Mestre de Campo, e com grande trabalho e risco de vida escapou o Pai dos Justificantes //. Que na era de treze, fora o dito seu Pai, elevado ao honorifico Emprego de Commissario Geral da Cavalaria pelo Excellentissimo Senhor General deste Es­tado, que então era Christovão da Costa Freire, Senhor de Pancas, e militou nas Bandeiras e campanhas de que era Mestre de Campo Bernardo de Carvalho, e dando-se batalha campal ao Príncipe Mandu-Ladino, forão os con­celhos do dito seu Pai, incisivos de se atacar a batalha e o seu valor total, cauza do vencimento e inaudita destrui­ção dos contrários //. Que naquellas terras que occupa­vão aquellas Naçõens indómitas que foram desinfestadas com á ajuda e valor do Pai dos justificantes, nellas se hão, digo nellas se achao Estabelecidas hoje as nobilíssimas Cidade de Oeiras e as villas de Santo Antonio de Campo Maior e São João da Parnahyba, Valença e Marvão, com notáveis reditos na fazenda Real //. Que os justificantes pela parte materna descendem da antiga caza dos Illustrissimos Condes Pombeiro: por que Dom Francisco de Castelo Branco, éra ligitimo Irmão do Cõde de Pombeiro, e Pai de Dona Clara de Castello Branco, Mãe do Justificante //. Que o dito Dom Francisco de Castello Branco, e sua mulher Dona Maria Eugenia de Mesquita, avós dos justificantes, viérão do Reino, por ordem de Sua Magestade para Pernambuco e desta Cidade por Capitão de in­fantaria passou a de Maranhão, em soccorro dos morado­res desta na expulsão dos Olandezes no dito lugar // Que nesta expedição naufragou o navio, morrendo a maior parte que, digo da gente que nelle vinha, aumen­tando o numero dos mortos a mulher do dito Dom Fran­cisco, e este com grande risco de sua vida escapou, e de tudo o que levava só lhe escapou duas filhas de tenra idade, uma das quaes era a mãe dos justificantes, e por este motivo foi reduzido a viver em sua pobreza //. Que sem embargo d'ella sempre serviu o dito Dom Fran­cisco a Sua Magestade Fidelissima no posto de capitão de Infantaria pago até o tempo de seu fallecimento //. Por tanto Pedem a vossa mercê seja servido admittil-os a justificar o deduzido e justificado o que baste, lhe man­de dar sua sentença pelas vias que pediram. // Esperão Receber Mercê //. E não se contendo mais coiza al­guma, e na dita petição, ao pé da qual se via e mostrava o meu despacho que é do theor, forma e maneira seguin­te //: Justifiquem e visto o impedimento do Escrivão actual nomeio por Escrivão desta Justificação ao licen­ciado Gonçalo Barbalho Corte Real, com a minha rubri­ca //. Figueiredo //. Segundo, que tudo isto assim tão cumprido bem e verdadeiramente se continha e declarava éra contheudo escripto e declarado em dita petição e meu despacho, em virtude do qual nos ditos autos se via e mos­trava a inquirição que é do theor, forma e maneira se­guinte //: Aos vinte dias do mez de Fevereiro de mil sette centos sessenta e cinco annos, nesta Villa de Santo An­tonio do Campo-Maior, em cazas de assistência do Juíz Ordinário e Orfaons, o Capitão Manuel Gomes de Figuei­redo, onde Eu Escrivão nomeado por impedimento do actual fui vindo, e sendo ahi pelo dito Juiz, forão pergun­tadas e inqueridas as testemunhas que por parte dos Jus­tificantes foram produzidas para deporem sobre o contheudo, nos Ittens de sua petição que seus nomes, idades, ditos e costumes são os que ao diante se seguem, e Eu Gonçalo Barbalho Corte Real, Escrivão nomeado que o escrevy //. Manuel Simoens Vale, homem branco, soltei ro, que vive dos reditos de suas fazendas, e morador no termo desta Villa de Santo Antonio de Campo Maior, de idade que disse ser de cincoenta e quatro annos, pouco mais ou menos, testemunha a quem o dito Juiz deu o ju­ramento dos Santos Evangelhos, em que por sua mão di­reita sob cargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado sobre o contheudo na petição dos justificantes D. Francisco da Cunha e Silva de Castello Branco e seus Irmãos, e acceito por elle o dito juramento assim o prometteo fazer e dos costumes disse nada //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no primeiro ittem da petição dos Justificantes, disse que sabe pelo ver e prezenciar que o Justificante D. Francisco da Cunha e Silva, he capitão de Cavallos no Regimento auxiliar da Cavallaria da Guarnição desta Capitania do Piauhy, de que he Coronel o Illustrissimo Senhor Gover­nador João Pereira Caldas, e que o Justificante Dom Bel­chior he Tenente de Cavallos do mesmo Regimento al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no segundo Ittem da petição dos Justificantes, disse que sabe, digo que elle sabe que os Justificantes são oriundos desta Freguezia de Santo Antonio do Serobim, alias Villa de Santo Antonio de Campo maior, e que isto sabe elle testemunha de certa sciencia por ser morador na mesma Freguezia ao tempo dos nascimentos dos Justifi­cantes, e que pela mesma razão sabe sempre se tratarão os Justificantes a lei da nobreza, com cavallos na Estri­baria, pagens e com todo o mais tratamento devido ás suas pessoas e al não disse deste //. E perguntado elle teste­munha, disse que sabe de certa sciencia por ser publico e notorio serem os Justificantes filhos legítimos de Manuel Carvalho de Almeida, e de Dona Clara de Almeida Castello Branco, e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha, pelo contheudo no quarto artigo, disse que sabia por lh'o dizer seu Tio Manuel Ferreira Valle, fallecido da vida prezente e outros homens antiquíssimos, que Manuel Carvalho de Almeida, Pai dos Justificantes, éra natural do Termo do Bispado da Guarda, das principaes famílias de sua terra, em nobreza e cargos que ocupavão e al não disse //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no quinto artigo dos Ittens da petição dos Justificantes, disse que sabe, por ser publico e notorio, e por lhe dizer o dito seu tio Manuel Ferreira Valle, que o Pai dos Justificantes servira a Sua Magestade na guerra feita aos Gentios que infestavão esta Capitania, e dando outro sim para isso não só escravos seus, e armas, mais também homens armados a sua custa em attenção de que o Governador do Maranhão o constituíra Commissario da Cavalaria, e que elle testemunha vira a tal patente por onde o tal Governador o constituirá pelas ditas razoens Commissario da Cavallaria e al não disse deste //. E perguntado elle testemunha pelo contheudo no sexto ar­tigo, disse que sabia, por ser publico e notorio e por lh'o dizerem homens antigos e fidedignos, que conquistado e dominado o Mestre de Campo Antonio da Cunha Souto Maior, todo o gentio que infestava esta capitania, se passára a outra parte do rio Parnahyba a conquistar as mais naçoens que infestavão a Capitania do Maranhão, e que levando em sua companhia gentio da nasção do Mandú Ladino, matarão o tal Mestre de Campo, e se passou o tal gentio para esta Capitania, fazendo mil distúrbios e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no oitavo artigo da petição dos Justificantes, disse que sabia por ser publico e notorio em toda esta Ca­pitania que nas terras que infestavão nesta Capitania o gentio se achão hoje estabelecidas quatro Villas com gran­des reditos da Rial Fazenda e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no nono artigo da petição dos justificantes disse que sabia por ser publico e notorio em toda esta Capitania e por assim asse­verarem homens antigos e verdadeiros, filhos de Portu­gal que os Justificantes pela parte materna descendem da caza dos Condes de Pombeiros, em Portugal, por ser Dona Clara mãi dos justificantes filha legítima de Dom Fran­cisco de Castello Branco, Irmão do Conde de Pombeiro e de sua mulher Dona Maria Eugenia de Mesquita e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no decimo artigo da petição dos justificantes disse que sabia pela mesma razão de notoriedade e publicidade que o dito Dom Francisco de Castello Branco e sua mu­lher Dona Maria Eugenia, Avós dos justificantes, vierão cazados do Reino para a cidade de Pernambuco, por ordem de Sua Magestade e de Pernambuco se passarão para a Cidade de São Luis do Maranhão, hindo o tal Dom Francisco por capitão de infantaria, de huma compainha que o Governador de Paranambuco por ordem de sua Ma­gestade, mandára em socorro do Maranhão contra a invazão dos Olandezes e al não disse //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no undécimo artigo da petição dos justificantes disse, que sabia pela mesma razão de publicidade que na chegada das tropas que vinhao para o Maranhão naufragára o navio em que vinhao o tal Dom Francisco e sua mulher, avós dos justificantes, de cujo naufragio só escapou o dito Dom Francisco e duas filhas uma das quaes chamada Dona Clara, mãi dos justíficantes, razão porque ficou o tal Dom Francisco reduzido a huma pobreza e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no duodécimo artigo da petição dos justificantes disse que pela mesma razão de publicidade que reduzido o Dom Francisco ao deplorável estado de pobreza, sem embargo disso continuára no ser­viço de sua Magestade e com varonil animo e até ao tem­po do seu fallecimento sérvio da dita Cidade de Capitão de infantaria e al não disse e assignou o seu juramento, com o dito Juiz e Eu Gonçalo Barbalho Corte Real Es­crivão nomeado que o escrevy / /. Manuel Simoens Valle //. Figueiredo //. Antonio de Souza dos Anjos, ho­mem branco, cazado, e morador nesta Freguezia Villa de Santo Antonio de Campo Maior, que vive de suas lavou­ras. Testemunha a quem o dito Juiz disse o juramento dos Santos Evangelhos em um livro d'elles sob cargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado sobre o contheudo na petição de ittens dos justificantes, e acceito por elle o dito juramen­to, assim o prometteo fazer e do costume disse nada, e disse ser de idade de cincoenta anos //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no primeiro capitulo da petição dos Justificantes, disse que sabia, por ser publico e notorio, e o prezenciar elle testemunha ser o Justificante D. Francisco da Cunha e Silva Castello Branco, Capitão de Cavallos no Regimento Auxiliar de Cavallaria da Guar­nição desta Capitania de que é Coronel o Illustrissimo Se­nhor João Pereira Caldas, Governador d'ella, e que o Justificante Dom Belchior, é Tenente de Cavallos do mesmo Regimento e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no segundo ittem, disse que sabia, por ser publico e notorio, e coiza certa e sem duvida, serem os Justificantes oriundos desta Freguezia de Santo Antonio de Campo Maior, e que sabe elle teste: munha por ver e prezenciar que os Justificantes vivem á Lei da Nobreza, e sempre viverão com Cavallos na Estribaria, pagens, escravos, e com todo o mais tratamento de­vido ás suas pessoas e al não disse deste //. E pergunta- ittem 3.u do a elie testemunha pelo contheudo no terceiro artigo, por ser publico e notorio, serem os Justificantes filhos le­gítimos de Manuel de Carvalho de Almeida, e de Dona Clara de Castello Branco Cunha e Silva, e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo " 4." no quarto artigo da petição dos Justificantes, disse, que sabia por ouvir dizer alguns homens amigos, filhos de Portugal, ser o Pai dos Justificantes do Termo do Bis­pado da Cidade da Guarda e que procedia de gente prin­cipal da sua terra e de conhecida nobreza e que sabia elle testemunha pelo ver e prezenciar que o dito Pai dos Jus­tificantes sempre se tratou nesta terra á Lei da Nobreza, com muito respeito, com cavallos na Estribaria, armas, escravos e pagens, e al não disse deste //. E perguntado " a elle testemunha pelo contheudo no quinto artigo disse, que ouvira dizer elle testemunha, que o Pai dos Justifi­cantes servira a Sua Magestade nas guerras feitas ao Gen­tio na forma que contem este artigo, e al não disse des­te //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo " 6,ü no sexto disse que sabia, pelo ouvir dizer aos antigos moradores desta Capitania, ser todo o contheudo neste sexto artigo a mesma verdade //. E perguntado a elle " 7.° testemunha pelo contheudo no settimo artigo, disse que sabia por ver a patente que o pai pelo Senhor Gover­nador do Maranhão fora provido na ocupação e cargo de Commissario de Cavallaria, servindo o dito Pai dos Justificantes a Sua Magestade na guerra de que faz men­ção este artigo //, E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no oitavo artigo, disse que sabe, por ser muito publico, que na terra que se desinfestára se achão hoje estabelecidas quatro Villas, com grandes reditos na Fazenda Real, e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no nono artigo, disse, que sabia por ser publico e notorio, que de ouvir dizer a homens antigos que os Justificantes peia parte ma­terna descendem da antiga caza dos Condes de Pombeiro, por ser a sobredita Dona Clara, mai dos Supplican- tes filha legitima de Dom Francisco de Castello Branco, Irmão do Conde de Pombeiro e sua mulher Dona Maria Eugenia de Mesquita, e al nao disse deste //. E pergun­tado a elle testemunha pelo contheudo no decimo artigo, que ouvira dizer, que os Avós Maternos viérão para o Brazil e que Dom Francisco de Castello Branco de que se trata Avô dos Justificantes, é sem duvida como effeito publico fora'Capitão de Infantaria na cidade de São Luis do Maranhão, e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no undécimo artigo disse, que ouvira dizer, que os Avós sobreditos dos Justificantes naufragarão vindo para Maranhão e de cujo naufragio só escaparão o tal Dom Francisco, e duas filhas, uma das quaes foi Dona Clara, Mae dos Justificantes, e que sem embargo da muita pobreza em que o reduzio o naufragio sempre sérvio a Sua Magestade com animo igual e al não " 12.° disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo con­theudo do duodécimo artigo, disse que dito tinha e al não disse e assignou o seu juramento com o dito Juiz e Eu Gonçalo Barbalho Corte Real, Escrivão nomeado que o escrevy //. Antonio de Sousa dos Anjos //. Figueiredo //. O Alferes Domingos Martins da Silva, homem branco, cazado, morador nesta Freguezia, de idade que disse ser de oitenta e quatro annos, pouco mais ou menos. Testemunha produzida pelos Justificantes, a quem o dito Juiz deu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro d'elles sob cargo do qual lhe encarregou que bem e verda­deiramente dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado a cerca do contheudo dos ittens da petição dos Justificantes, e acceito por elle o dito juramento, assim Ittem i.° o prometteo fazer e do costume disse nada //. E pergun­tado a elle testemunha pelo contheudo no primeiro ittem dos Justificantes, disse, que sabia pelo ver e prezenciar, ser o Justificante Dom Francisco, Capitão de Cavallos no Regimento Auxiliar da Cavallaria da Guarnição desta Capitania de que é Coronel o Illustrissimo Senhor João Pereira Caldas, Governador d'ella, e que o Justificante Dom Belchior, é Tenente de Cavallos do mesmo Regimen­to e al não disse deste //. E perguntado a ella testemu­nha pelo contheudo no segundo artigo dise, que sabia de certa sciencia e pela sua publicidade, serem os Justifican­tes oriundos desta Matriz da Villa de Santo Antonio de Campo Maior, onde sempre se tratarão á Lei da nobreza, tanto no trato de suas pessoas como tendo cavallos de Es­tribaria, Escravos, armas e tudo o mais concernente ao bom tratamento de suas pessoas e isto o sabe elle teste­munha pelo ver e prezenciar e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no ter­ceiro artigo disse, que sabia pela sua publicidade, serem os Justificantes filhos legítimos de Manuel Carvalho de Almeida e de sua mulher Dona Clara de Castello Branco, e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no quarto artigo disse, que conhecera muito bem a Manuel Carvalho de Almeida, Pai dos Jus­tificantes, tanto nestes certões, como na sua Patria, em Portugal, no termo e Bispado da Cidade da Guarda e que era o dito Manuel Carvalho descendente de huma das principaes famílias, de seu natural com muitos parentes, ocupando postos honrozos no serviço de Sua Magestade, e conhecera elle testemunha ao dito Manuel Carvalho no seu natural, sempre vivendo á Lei da nobreza e também da mesma maneira o conhecera nestes certõens e al não disse deste / /. E perguntado a elle testemunha pelo con­theudo no quinto artigo disse, que sabia por ver huma Patente do Governador de Maranhão em que n'ella cons­titue ao Pai dos Justificantes Commissario da Cavalla­ria, e que na guerra que se deu ao Gentio acompanhou as tropas em pessoa propria, e que nas occaziones com que se não achou deu homens armados a sua custa, filhos legitimos de Manuel Carvalho d'Almei- da e de Dona Clara Castello Branco, e al não disse deste//. E perguntado a elle testemunha pelo con- theudo no quarto artigo, disse que ouvira dizer ser o Pai dos Justificantes homem principal na sua terra //. E perguntado a elle testemunha pelo contheu- do no quinto artigo, que nada sabia deste artigo, e menos do sexto //. E do settimo artigo disse que ouvira di­zer que o Senhor Governador do Maranhão elevára ao Pai dos Justificantes ao honorifico Emprego de Commissario da Cavallaria, e que elle testemunha vira a patente e al não disse deste e menos do oitavo //. E per­guntado do nono artigo disse elle testemunha, que ouvira dizer a muitos homens antigos, que os Justificantes pela parte materna éram descendentes da Illustrissima Caza dos Condes de Pombeiro, por ser sua Mãi delles Justi­ficantes sobrinha do Conde de Pombeiro, filha de um seu Irmão chamado Dom Francisco, e al não disse deste nem dos mais, só sim que ouvira dizer geralmente mor­rera o tal Dom Francisco Avô dos Justificantes, sendo capitão de Infantaria na Cidade de São Luis do Mara­nhão e al não disse deste, e assignou o seu juramento com o dito Juiz e eu Gonçalo Barbalho Corte Real, Es­crivão que o escrevy / /. Constantino Lopes Ribeiro //. Figueiredo //.O Sargento-Mór Antonio de Souza Carvalho, homem branco, viuvo, que vive dos reditos da sua Fazenda do Rosario, de idade que disse ser de sessenta e cinco annos, pouco mais ou menos. Testemunha a quem o dito Juiz deu o Juramento dos Santos Evangelhos, para que debaixo d'elle dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse perguntado sobre o contheudo nos ittens da petição dos Justificantes, o que elle assim prometteo fazer e do costume disse nada //. E perguntado a elle teste­munha sobre o contheudo no primeiro ittem da petição disse que sabia pelo ver e prezenciar ser o Justificante Dom Francisco Capitão de Cavallos no Regimento Auxi- liar da Cavallaria desta Capitania, de que he Coronel o Senhor Governador João Pereira Caldas, e que pela mesma razão que o Justificante Dom Belchior he Tenente de Cavallos do mesmo Regimento e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no se­gundo ittem disse que sabe por se achar no nascimento dos Justificantes nesta Freguezia serem os ditos oriun­dos desta mesma Freguezia do Serobim, aliás de Santo Antonio de Campo Maior, e que pela mesma razão sabe por ser de então para cá e muitos annos antes morador na mesma Freguezia e vizinho dos Justificantes trata­rem-se sempre estes á Lei da nobreza, tendo cavallos da Estribaria, armas, pagens, e Escravos e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo con­theudo no terceiro artigo da petição disse que sabia, por ser publico e notorio, serem os Justificantes filhos legí­timos de Manuel Carvalho d'Almeida e de sua legitima mulher Dona Clara de Castello Branco Cunha e Silva e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no quarto artigo disse, que sabia por ter inteiro conhecimento dos ascendentes do dito Manuel Carvalho de Almeida, em Portugal, serem do Bispado da Guarda e serem de grave família, homens honrados e que ocupavão postos graves e sempre se tratarão á Lei da nobrza e que tendo elle testemunha conhecimento a muitos annos de Manuel Carvalho nestes sertoens sem­pre o conheceu vivendo á Lei de nobreza, como outro sim he publico e notorio e al não disse deste //. E per­guntado a elle testemunha pelo contheudo no quinto artigo, disse que sabe pelo ver e prezenciar, que na guerra de que faz menção este artigo o dito Manuel Carvalho sérvio nella, e elle testemunha e que nas occazioens que não podia hir dava homens armados a sua custa e Escra­vos e al não disse deste //. E perguntado a elle teste­munha pelo contheudo do sexto artigo disse que sabia pelo ver e prezenciar ser todo o deduzido neste artigo a mesma verdade //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no sétimo artigo, disse que sabia pelo ver e prezenciar ser promovido o dito Manuel Carvalho pelo Senhor Governador de Pernambuco ao honorifico em­prego de Commissario da Cavallaria, servindo com este emprego na guerra de que faz mensão este artigo, e que tudo n'elle contheudo he a mesma verdade e al não disse " 8.° deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheu­do no oitavo artigo disse que he sem duvida que nas ter­ras que se desinfestarão com a referida guerra se achão hoje estabelecidas quatro villas com grande augmento da Real Fazenda e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no nono artigo disse que sa­bia por ser publico e notorio que os Justificantes pela parte materna descendem da nobilissima caza dos Condes de Pombeiro, por sua Mãi Dona Clara, filha legitima de Dom Francisco de Castello Branco, Irmão do dito Conde de Pombeiro e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no decimo artigo disse, que sabia por ser publico e notorio, ser tudo o deduzido neste artigo decimo a mesma verdade como outro sim pela mesma razão tudo o que contem o undécimo artigo e al não disse //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no duodécimo artigo disse que sabia por ser publico e notorio que o Avô dos Justificantes, Dom Fran­cisco de Castello Branco, sérvio, té sua morte, de Capi­tão de infantaria na Cidade de São Luis do Maranhão e al não disse e assignou o seu juramento com o dito Juiz e eu Gonçalo Barbalho Corte Real, Escrivão o es- crevy / /. Antonio de Souza Carvalho / /. Figueiredo //. O Sargento-Mór José de Souza e Aguiar, homem bran­co, cazado e morador nesta Freguezia e Villa de Santo Antonio de Campo Maior, que vive nas reditas de seus gados, idade que disse ser cincoenta e seis annos, pouco mais ou menos, testemunha a quem o dito Juiz deu o juramento dos Santos Evangelhos em um livro d'elles em que por sua mão direita sob cargo do qual lhe encarre­gou dissesse a verdade do que soubesse e lhe fosse per­guntado sobre o contheudo nos ittens da petição aquelle assim prometteu fazer e do custume disse nada //. E ittem i.° perguntado a elle testemunha pelo contheudo no primei­ro ittem da petição dos Justificantes disse que sabe, pelo ver e prezenciar, ser o Justificante Dom Francisco Ca­pitão de Cavallos no Regimento Auxiliar da Cavallaria da Guarnição desta Capitania de que he Coronel o Illus- trissimo Senhor Governador João Pereira Caldas, e que o Justificante Dom Belchior he Tenente da Cavallaria do mesmo Regimento e al não disse //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no segundo artigo da petição disse que sabe pelo ver e prezenciar serem os justificantes naturaes desta Freguezia de Santo Antonio de Campo-Maior e qeu pelo ver e prezenciar sabe que os Justificantes sempre viverão á Lei da nobreza, com cavallos na Estribaria, pagens, escravos e todo o bom tratamento e al não disse deste //. E perguntado a elle " 3.° testemunha pelo contheudo no terceiro artigo disse ser publico e notorio serem os Justificantes filhos legítimos de Manuel Carvalho d'Almeida e de Dona Clara Cas­tello Branco, e al não disse //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no quarto artigo disse que sabia pelo ouvir dizer a homens antigos contemporâneos e Patricios de Manuel Carvalho d'Almeida, Pai dos Jus­tificantes, ser o dito Manuel Carvalho d'Almeida filho de Pais illustres na sua terra e que nesta o conhecera elle testemunha, vivendo á lei da nobreza, com todo o bom tratamento como outro sim he a todos notorio e al não disse //. E perguntado a elle testemunha pelo contheu- do no quinto artigo disse sabia pelo ouvir dizer a homens antigos serviu o Pai dos Justificantes nas guerras de que fez menção este artigo e que nas funçoens d'ella em que se não podia achar pessoalmente dava homens armados á sua custa e escravos e al não disse //, E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no sexto artigo disse que sabia pelo ouvir dizer a antigos homens destes certoens e fidedignos ser todo o contheudo nestes artigo a mesma- verdade e assim mesmo o contheudo no settimo e oitavo artigo e ai não disse //. E perguntado a elle testemu­nha pelo contheudo no nonno artigo da petição disse que sabia, por ser publico e notorio, e lhe asseverarem a elle testemunha homens muito fidedignos serem os Justifi­cantes pela parte materna descendentes da antiga casa dos Senhores Condes de Pombeiro, por ser sua Mãi Dona Clara filha de Dom Francisco de Castello Branco, Irmão legitimo do dito Conde de Pombeiro e al não disse Ittens 10.°, deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo do decimo artigo disse que sabia pelo ouvir dizer a homens antigos e ser publico e ser o contheudo neste artigo a mesma verdade e o que contem no undécimo e duodécimo artigo e al não disse e assignou o seu jura­mento com o dito Juiz e eu Gonçalo Barbalho Corte Real Escrivão, que o escrevy //. José de Souza Aguiar //. Figueiredo //, O Capitão João Peres Nunes, homem branco, solteiro e morador nesta Freguezia que vive de seus negocios, de idade que disse ser de sessenta e oito annos, pouco mais ou menos, testemunha a quem o dito Juiz deu o juramento dos Santos Evangelhos, sob cargo do qual lhe encarregou dissesse a verdade do que sou­besse e lhe fosse perguntado sobre o contheudo nos ittens da petição dos Justificantes e acceito por elle assim, o prometteu fazer e do costume disse nada //. E pergun­tado a elle testemunha pelo contheudo no primeiro ittem da petição disse que sabia por ser muito publico e notorio pelo prezenciar elle testemunha ser o Justificante Capitão de Cavallos no Regimento Auxiliar da Guarnição desta Capitania de que he Coronel o Senhor Governador João Pereira Caldas e que o Justificante Dom Belchior he Tenente de Cavallos do mesmo Regimento e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no segundo ittem disse que sabia por ser muito publico e notorio serem os Justificantes oriundos desta Freguezia do Serobim, aliás Santo Antonio de Campo Maior e nella sempre morando á lei da nobreza, com cavallos na Estribaria, com todo o bom tratamento e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no terceiro ittem disse, que sabia por ser muito publico e notorio, serem os Justificantes filhos le­gítimos do Commissario Manuel Carvalho d'Almeida e de Dona Clara Castello Branco Cunha e Silva e al não disse deste / /. E perguntado a elle testemunha pelo con­theudo no quarto artigo disse que sabia pelo ouvir dizer a muitos homens antigos que tinhao conhecimento dos Pais dos Justificantes ser o dito natural da Freguezia que expõem este artigo e que elles disserão homens fidedig­nos e naturaes do mesmo lugar ser o Pai dos Justificantes descendentes de uma das principaes familias de sua terra, tanto em nobreza adquirida pelos seus antepassados, como pelos postos que occupavão no Real serviço e que neste lugar conheceu elle testemunha o Pai dos Justificantes sempre vivendo á lei da nobreza e al não disse deste / j. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no quin­to artigo disse que sabia pelo ver e prezenciar servir o Pai dos Justificantes a Sua Magestade na guerra feita ás nações dos gentios digo ás naçoens de gentio não só com a sua pessoa se não também dando homens armados á sua custa e Escravos e al não disse deste j j. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no sexto artigo disse, que sabia pelo ver e prezenciar, ser tudo o que contem este artigo a mesma verdade e al não disse //. E perguntado a elle testemunha pelo contheudo no settimo artigo disse, que dito tinha e que outro sim sabe por lhe dizerem ho­mens antigos muito fidedignos que os concelhos do Pai dos Justificantes forão a total cauza de se dar a batalha ao Príncipe Mandú Latino, como por parte do vencimen­to o seu valor e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo eontheudo no oitavo artigo da petição disse, que sabia pelo ver e prezenciar, que terras que occupavão as naçoens dos Gentios que se conquistarão se achão hoje estabelecidas quatro villas e huma cidade, com notáveis reditos a Fazenda Real e al não disse deste //. E perguntado a elle testemunha pelo eontheudo no nono artigo, disse que sabia pelo ouvir dizer publicamente a muitos homens antigos, filhos de Portugal, ser tudo o que contem este artigo a mesma verdade como também o decimo e undécimo e duodécimo, por lhe dizerem pes­soas fidedignas e que tinhão razão de saberem a verdade do deduzido nos ditos ittens ser tudo o que nelles se contem a mesma verdade e al não disse e assignou o seu juramento e eu Gonçalo Barbalho Corte Real, por impedimento do actual que o escrevy //. João Peres Nunes //. Figueiredo //. Aos vinte e sette dias do mez de Fevereiro de mil sette centos e sessenta e cinco annos, nesta Freguezia e villa de Santo Antonio de Campo Maior, sendo ahy em cazas d'assistencia do Juiz Ordinário actuai acabado de inquerir as testemunhas desta Justificação por parte dos Justificantes me foi requerido a fizesse conduza para se sentenciarem, o que cumprido o fiz, e que para constar fiz este termo. Eu, Gonçalo Barbalho Corte Real, Escrivão nomeado por impedimento do actual que o escrevy //. Concluzos //. Hei por justificados os ittens da petição dos Justificantes e mando se lhes dê suas sentenças extrahidas destes autos na forma do estylo pelas vias que forem pedidas e paguem os justificantes as custas ex-causa. Villa de Santo Antonio de Campo Maior de Março quinze de mil sette centos sessenta e cinco //. Manuel Gomes de Figueiredo //. Aos quinze dias do mez de Março de mil sette centos sessenta e cinco annos nesta, Villa de Santo Antonio de Campo Maior, em cazas de assistência do Juiz Ordinário Manuel Gomes de Figueiredo, onde eu Escrivão ao diante nomea­do fui vindo e sendo ahy pelo dito Juiz me forao dados de sua mão á minha estes autos, com sua Sentença de­finitiva supra nelles, por elle escripta e assignada, que mandou se cumprisse e guardasse como nella se contem, que de tudo par aconstar fiz este termo, Eu, Manuel da Silva Marques, digo, Eu Manoel da Silva Moreira, Es­crivão actual, que o escrevy //. Segundo que tudo isto assim tão cumprida bem e verdadeiramente se continha e declarava era contheudo escripto e declarado em ditos autos de Justificação me foi dito e requerido pelos Justi­ficantes que para conservação de seu direito e reque­rimento lhe mandasse dar sua Sentença de Justificação pelas vias que pedissem. O que visto e ouvido por mim lhe mandei dar e passar que he a prezente pelo theor da qual requeiro a todas as sobreditas Justiças no rosto desta já declaradas a cumprão e guardem fação muito inteiramente cumprir e guardar assim e de maneira que nella se contem e declara e por mim vai julgado dito e sentenciado, sem embargo, duvida nem contradição. Dada e passada nesta sobredita Villa de Santo Antonio de Cam­po Maior, sob meu signal e sello que d'ante mim serve que é valha sem sello, ex-causa, aos treze dias do mez de Abril do anno do Nascimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil sete centos e sessenta e cinco annos. Pa­gou-se do feitio desta por parte dos Justificantes, a cujo requerimento se passou ao todo na forma do Regimento observado neste Juizo tres mil nove centos réis e de assig- natura quarenta' réis — ao sello nihil e Eu Manuel da Silva Moreira, Escrivão que a fiz escrever e subscrevy. Manuel Gomes de Figueiredo. Ao sello nihil. Valha sem sello. Ex-cauza. Figueiredo. Era quanto escripto se via no documento no principio deste instrumento declarado, a cujo original me reporto no poder do requerente do mesmo, o qual por recebel-o neste momento, commigo Tabellião assigna, hindo este instrumento na verdade sem cousa que duvida faça, não o fazendo alguns digos, lapços ou groços de penna, pois que fielmente em publica forma, para aqui foi seu contheudo transcripto verbo ad verbum, com toda sua orthographia e pontuação, do que de tudo dou fé. Theresína, 24 de Março de 1859. Eu Herculano de Souza Monteiro, Tabelião Publico, que o escrevy e assigno em publico e razo. Em Fé da Verdade (estava o signal publico) O Tabelliao Publico — Herculano de Souza Monteiro.”

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Do inglês “to evaluate”: observar alguma coisa de modo a ver quanto útil ou valiosa ela é para algum propósito (Longman Dictionary of Contemporary English, Third Edition, 1995).

[2] “Dom” era um título de nobreza. Não sei se o uso desse título “dom” por Francisco da Cunha Castello Branco era legítimo ou não. Tal título poderia ser portado por filhos de um conde. No entanto, o pai de Francisco era um senhor de morgado. O irmão mais velho se fez conde, mas não se passa esse tratamento para os colaterais.

[3] É curioso que esse documento, datado originalmente de 1765, tenha sido apresentado em “Os Castelo Branco d’aquém e d’além mar”, de Renato Castelo Branco, São Paulo: LR Editores, 1980, pp, 217-238. A curiosidade está em que, no contexto do livro de Renato Castelo Branco, ele pretendia indicar, ou mesmo comprovar, a condição incontroversa de nobreza por parte de Francisco da Cunha e Silva Castello Branco. Talvez, Renato nunca pudesse admitir que o documento fosse usado como aqui neste ensaio, ou seja, para provar que Francisco escondeu seus avós paternos.

 

[4] Essa tese está em: Monteiro, Nuno Gonçalo. “Nomes e Apelidos em Portugal”. In: “História da Vida Privada em Portugal – A Idade Moderna”, José Mattoso (direção) e Nuno Gonçalo Monteiro (coordenação), Lisboa: Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2011, páginas 151-157.

[5] Por este regime de bens, apenas o primogênito herda os direitos e os bens da família. Os demais irmãos e irmãs não sucedem ao pai. Normalmente, apenas do primogênito era esperada a adoção do apelido do pai. Este apelido, usualmente, remetia à designação de um morgado.

[6] É o termo usado por Tanya Maria Pires Brandão, em seu “A elite colonial piauiense – família e poder”, 2ª. Edição, Recife: Editora Universitária UFPE, 2012, página 325-326.

[7] Fonte: MONTEIRO, Nuno Gonçalo. “Nomes e Apelidos em Portugal”. In: “História da Vida Privada em Portugal – A Idade Moderna”, José Mattoso (direção) e Nuno Gonçalo Monteiro (coordenação), Lisboa: Temas e Debates – Círculo de Leitores, 2011, página 155.

[8] Conforme Nuno Gonçalo Monteiro, idem, páginas 151-157.

[9] Pires Ferreira, Edgardo. “Os Castello Branco e seus entrelaçamentos familiares no Piauí e no Maranhão”, 2. ed., v. 5, série: “A mística do parentesco – uma genealogia inacabada”. Árvore Editorial, São Paulo: 2013.

[10] Ver (i) Macedo Soares, Julião Rangel de. “Nobiliarquia Fluminense ou Genealogia das Principais e mais Antigas Famílias da Corte e da Província do Rio de Janeiro”. Conforme as notas de Antônio Joaquim de Macedo Soares, Niterói: Imprensa Estadual, 1947; e (ii) Rheingantz, Carlos G. “Primeiras Famílias do Rio de Janeiro (séculos XVI e XVII)” – Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1965.

[11] Os apelidos da mesma pessoa podiam variar com as circunstâncias. 

[12] O genealogista português Manuel Abranches de Soveral escreveu um opúsculo chamado: Famílias de Ribeira de Pena – subsídios para a sua genealogia (séculos XV a XVIII). Tal obra é facilmente encontrada na Internet, ou no site: www.soveral.info.

[13] Ver sobre esse assunto, o artigo publicado por Valdemir Miranda de Castro no portal Entretextos, facilmente encontrado na Internet, sob o título “Ascendência do Padre Miguel de Carvalho”.

[14] Que podia variar para Domingos de Carvalho e Almeida. 

[15] O texto diz Rio Grande “do Sul”, mas parece equívoco.

[16] O nome “Inocêncio” deve ter sido dado por conta do papa Inocêncio X, que reinou entre 1644 e 1655. Não é provável que a inspiração do nome tenha vindo do Papa Inocêncio XI, que reinou entre 1676 e 1689. Esse nome de batismo era, e ainda é, incomum em Portugal. Tal nome invulgar confirma, se ainda isso fosse preciso, que o padre Miguel é o mesmo do Piauí e que o padre Inocêncio do Piauí é seu irmão.

[17] Melo, Padre Cláudio. “Fé e Civilização”, Teresina: 1991, páginas 29, 32, 78 e 85.

[18] Ver sobre este assunto o livro de Guilherme Maia de Loureiro, Estratificação e mobilidade social no Antigo Regime em Portugal (1640-1820). Lisboa: Guarda-mor, 2015, páginas 352-353.

[19] Tomé de Sousa, nascido em 1503 e morto em 1579, foi filho legitimado de João de Sousa, prior do mosteiro de São Pedro de Rates, com sua amásia Mécia Rodrigues Faria, conforme Luiz Alberto Moniz Bandeira, em “O feudo – a Casa da Torre de Garcia d’Ávila: da conquista dos sertões à independência do Brasil”, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, página 98.

[20] Ver, sobre o tema paternidade de Tomé de Sousa quanto a Garcia d’Ávila, a obra de Luiz Alberto Moniz Bandeira, acima citada, página 127.

[21] CASTELLO BRANCO, Miguel de Sousa Borges Leal de. Apontamentos bibliográficos de alguns piauienses ilustres e de outras pessoas notáveis que ocuparam cargos importantes na Província do Piauí. Teresina: 1879. Obra reeditada pela Academia Piauiense de Letras, em 2012.

[22] O teor inteiro da Justificação está transcrito em: CASTELO BRANCO, Renato. Os Castello Branco d’aquém e d’além mar, São Paulo: LR Editores, 1980, páginas 217- 238. Veja, leitor, no Anexo 1 a este ensaio, que estes três irmãos são referidos como filhos de Manuel Carvalho de Almeida e de Clara da Cunha e Silva Castello Branco. Os apelidos variam, como sempre. Não sei por que o irmão deles, Antônio, não aderiu à Justificação. Pode ser que já tivesse morrido, ou não a quisesse.

[23]O texto do antigo Código de Processo Civil diz o seguinte:

“Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção.

Art. 862. Salvo nos casos expressos em lei, é essencial a citação dos interessados.

Parágrafo único. Se o interessado não puder ser citado pessoalmente, intervirá no processo o Ministério Público.

Art. 863. A justificação consistirá na inquirição de testemunhas sobre os fatos alegados, sendo facultado ao requerente juntar documentos.

Art. 864. Ao interessado é lícito contraditar as testemunhas, reinquiri-las e manifestar-se sobre os documentos, dos quais terá vista em cartório por 24 (vinte e quatro) horas.

Art. 865. No processo de justificação não se admite defesa nem recurso.

Art. 866. A justificação será afinal julgada por sentença e os autos serão entregues ao requerente independentemente de traslado, decorridas 48 (quarenta e oito) horas da decisão.

Parágrafo único. O juiz não se pronunciará sobre o mérito da prova, limitando-se a verificar se foram observadas as formalidades legais. ”

[24] Quanto às Casas de Misericórdia, se queria constatar que o justificante era cristão generoso e que tinha bens. Quanto às Ordenanças, se seus antepassados tiveram papel efetivo na defesa do Reino.

[25] Os nobres tinham (e deviam necessariamente ter) cavalos, mulas e criados para atendê-los. Tratar “nobremente” significa não lidarem diretamente com os animais de uso ou de criação, e não se “misturarem” com os seus criados.

[26] O testemunho de pessoas idosas era muito importante, pois só elas poderiam atestar que “viram” o que se tem por condutas e hábitos nobres, como portar espada, montar cavalos, ter criados e estrebaria e não se misturarem ao povo comum. A provança era feita na pátria do justificante, onde ele e os seus antepassados eram conhecidos. “Pátria”, no caso, era o município ou concelho de origem.

[27] A ideia é de que, para ser nobre, se devia ter propriedade por hereditariedade e não por esforço próprio. O esforço físico só tinha sentido na guerra. “Paço” é corruptela para “palácio”, significa uma sede de onde se observa e se governa. 

[28] É interessante observar como Garcia d’Ávila, na Bahia, fez construir uma torre para assumir condição de fidalgo. “Ameias” são as aberturas, no alto das torres medievais, para a defesa do castelo, como lançar flechas e outros projéteis ou óleo quente sobre os atacantes. 

[29] “Obter licença régia para a poder edificar” indica que a edificação, feita pelo ancestral, foi construída em local apropriado para servir à defesa do Reino.

[30] A noção de lugar de origem era muito forte. As pessoas tinham sua “pátria” no concelho (Portugal) ou município (Brasil) onde nasceram e viviam. Lá, mais especificamente na comarca (divisão judiciária), havia um juiz ordinário, o qual supostamente teria mais acesso à verdade de Genere, Vita et Moribus” que qualquer outra autoridade. A Casa da Suplicação, em Lisboa, era uma alternativa para todos os possíveis justificantes, ainda que a sua escolha negasse a lógica da proximidade com os fatos pertinentes.

[31] Página 219 do livro de Renato Castelo Branco.

[32] Os apelidos “Cunha” e “Silva” são encontrados entre os antepassados de Francisco da Cunha Castello Branco, também chamado “Francisco de Castello Branco”. Ver GeneaPortugal, o maior documentário genealógico português de uso público na Internet.

[33] Conforme Maria Beatriz Nizza da Silva, em seu Ser nobre na Colônia, São Paulo: Editora UNESP, 2005, páginas 98 e 99.

[34] De acordo com Maria Beatriz Nizza da Silva, em sua obra citada acima, página 100, as perguntas ou requisitos a serem satisfeitos pelo candidato eram as seguintes, atendidas ou não mediante a oitiva de testemunhas isentas, que não fossem parentes até 3º grau ou pessoas sob a dependência econômica do candidato: (i) se a testemunha sabe se o candidato é nobre e se o foram seus quatro avós, nomeando cada um per si, e declarando por que razão o sabe; (ii) se o candidato é nascido de legítimo matrimônio; (iii) se o candidato é infamado de algum caso grave, de tal maneira que sua opinião e fama estejam abatidas entre os homens bons; (iv) se o candidato é filho ou neto de herege, ou de quem cometeu crime de lesa-majestade; (v) se o candidato é gentio, ou seu pai e mãe, ou avós de ambas as partes; (vi) se o candidato tem dívidas, às quais a Ordem fique obrigada, ou tem algum crime por que esteja obrigado à Justiça; (vii) se o candidato é casado, e se sua mulher é contente de ele entrar nesta religião; (viii) se o candidato é professo de alguma outra religião, e qual, e se fez voto de ir a Jerusalém, ou a Santiago; (ix) se o candidato possui alguma doença, ou aleijão, que lhe seja impedimento de servir à Ordem; e (x) se o candidato passa dos cinquenta anos, ou se é menor de dezoito. É de registrar que, em 1787, não havia mais a exigência de genere quanto a sangue de mouro, judeu ou negro, em vista da legislação pombalina. No entanto, ocorria de a rainha Dona Maria ser imensamente carola e preconceituosa. Há ainda a consignar que Francisco tinha cerca de setenta e um anos em 1787, idade que o inadmitiria ao hábito de Cristo. Ele nasceu em 1716.