A nudez do poeta
Em: 09/07/2013, às 07H57
Admmauro Gommes
Poeta e professor de Teoria Literária da FAMASUL (Palmares/PE)
O poema não é máscara que esconda a face de ninguém, mesmo que se procure ficar por trás das palavras, há de ser revelado nas entrelinhas, um pouco de quem verseja. A obra A nudez de escrever, de Roberto de Queiroz, provoca este entendimento. O autor sugere que o texto o denuncia, mostrando como se é internamente. Mas quando isso acontece, faz-se, como é de se esperar, pela força das metáforas, o que não diminui a veracidade, pois no que se vê percebe-se a existência de certas verdades, ou meias-verdades (que muda tudo).
Mesmo assim, ele se expõe diante do espelho das letras e surge quase nu de seu sentimento, transparente, mas não todo exposto, como defendem os versos do livro citado (p. 39): “Escrever é se despir/ (si próprio e o sentimento)/ daquilo que há no âmago (...) que se expõem ao grafar.” Tudo vai muito bem, mas quando ele introduz a palavra “âmago,” carregada de ambiguidade, veste-se de novo em seu manto opaco, pois “âmago” oculta, indecifra qualquer sentimento, não permitindo que se descubra a límpida realidade. Como quem quer e não quer, finge querer revelar-se, mas, é “fingimento deveras.”
Ainda que se deixe ocultar entre versos meio obscuros (p. 46): “circunspeto à candura dos lorpas,/ atreve-se a vir à tona o ubíquo,” o poeta revela sua posição, dentro de uma crítica visão de mundo, bem como o domínio que exerce sobre a linguagem figurada, mas reveladora de identidades. É claro que o leitor atento sabe que isso é um jogo de esconde-esconde e ver um poeta nu, nos termos em que estamos tratando, é algo que beira a impossibilidade. É que o poema, na condição de reflexo do espelho interno do escritor, traduz imagens distorcidas, modificadas, embora verdadeiras na sua essência, no âmago, por assim dizer. Sem controvérsias, todos manipulam a imagem que publicam, nunca negando a verdadeira face, mas investindo no disfarce da própria realidade vivida ou desejada.
Com isso, pode-se afirmar que o poeta, que é um inventor/ator por natureza, não se permite aparecer de cara limpa em nenhum de seus versos, principalmente nas obras-primas, onde a invenção é regra. Porquanto, há um jogo de ideias e sentidos figurados para guardar o que só ele sabe e a ninguém diz. Por assim dizer, a mimese, que é a imitação por palavras, na literatura, não se configura em copiar a realidade dos fatos, mas moldá-la ao cunho artístico, exigindo que o escritor se vista sempre de uma roupa pelo menos linguística, invisível aos olhos comuns e sabe que não se pode despir completamente, porque possui alguma caixinha de segredo que não se abre. Há sempre um tapa-olho nas partes mais íntimas da poesia.
Para aumentar o disfarce, o autor dialoga com outros poetas, quase que inconscientemente, mas descobre o caminho e provoca a intertextualidade, bem ao gosto dos modernistas, como se atesta em “Uma parte de mim é permanente/ outra parte se sabe de repente” de Ferreira Gullar e que Roberto de Queiroz (p. 63) atualiza como “Um pedaço de mim é permanente/ outro pedaço surge de repente”. De quem trata “essa parte?” De Gullar ou de Queiroz? O certo é que existe um elemento chamado eu-lírico que anula a verdade de ambos e se pronuncia como uma voz dentro do poema que não pertence mais a nudez dos autores, mas a dos leitores quando percebem que a verdade do escritor é também a sua. E quem aparece nu, nessa história: o autor ou o leitor?
Na verdade, só o poeta sabe onde “os poemas estão prontos sem estar” (p. 61) e isso Roberto de Queiroz descobriu há muito tempo, desde seu primeiro livro publicado. Agora tenta desnudar-se, mas ainda com muito recato, porque não se mostra por inteiro, mas o que se permite revelar aponta para a grandeza de uma poesia que transita com facilidade entre o verso branco e o tradicional.
Vamos ver se da próxima vez ele tira a roupa (sentimento) por completo e se revela nos versos como em carta-aberta aos leitores. Du-vi-de-ó-dó!