Maricas Sá, musa do poeta Nogueira Tapety.
Maricas Sá, musa do poeta Nogueira Tapety.

Carlos Rubem

A Wikipédia nos ensina que panteísmo “é a crença de que absolutamente tudo e todos compõem um Deus abrangente, e imanente, ou que o Universo e Deus são idênticos. Sendo assim, os adeptos dessa posição, os panteístas, não acreditam num deus pessoal, antropomórfico ou criador.”

Livre pensador, o poeta Nogueira Tapety (1890 - 1918) era um panteísta assumido em sua vivência e arte.

Aos 20 anos, no dia 11.02.1911, no Teatro 04 de Setembro, em Teresina, pronunciou uma conferência intitulada “A Luz”,  em que estuda o sol perante a ciência, a religião. 

No verdor dos seus anos, demonstrava possuir enorme cabedal de conhecimento e verve artística.

Vejamos, adiante, um excerto da aludida conferência:

“Adorar a vida é a mais alta representação da fé, por que Deus é a vida. E, neste meu extremado amor pela natureza, eu vejo Deus em cada um desses beijos de luz que, chegando à via-láctea, pirilampeiam no azul; em cada gota d’água que, caindo na corola imaculada de um lírio, se volatiza, cantando, pelos lábios da brisa, a canção do perfume, e em cada verme que, larvoso, lesmento, rasteja molemente nas podridões de um monturo; ouço a Deus nas notas plangentes, nervosas, do violino, que resume, eu penso, a quintessência do som, no ouro que concentra a voz do canário, nos sonoros gemidos, nos prantos melodiosos de Chopin e de Strauss, que choram eternamente por suas composições transcendentais, do mesmo modo que o ouço também na litania gigantescamente dolorosa do mar – esse eterno Prometeu que soluça há milhares de séculos sem jamais encontrar um Hércules amigo que o liberte do Cáucaso de sua dor; sinto Deus na candura que irradia dum olhar, florir num sorriso inocente de criança, na doçura do beijo furtivamente librado na taça vermelha de uns lábios queridos e no travor da saudade que muitas vezes me tem derramado fel no coração!”

A par das suas elucubrações filosóficas, Nogueira Tapety foi um lírico que bem cantou a mulheres em várias e belas composições poéticas. 

“O emotivo estranho”, no dizer de Lucídio Freitas, fundador da Academia Piauiense de Letras - APL, sofreu medonhos preconceito por ser negro e tuberculoso. 

A sua musa inspiradora foi a conterrânea Maricas Sá, que também morreu solteira (e doida!). Viveram um romance frustrado!…

De geração em geração, povoa o imaginário de todos que conhecem a sua vida e obra. Sua memória vem sendo cultuada ao longo dos tempos.

Acabo de receber, via WhatsApp, uma carta do Dr. Elisabeto Ribeiro Gonçalves, médico e intelectual oeirense radicado nas Alterosas, que exalta o Mulato Genial.

Ei-la:

Belo Horizonte, 25 de julho de 2021.

Meu estimado conterrâneo e amigo CARLOS RUBEM,

Gostei muito da pequena biografia, escrita por você, do grande, memorável e reverenciado poeta oeirense, seu tio-avô, Nogueira Tapety. Olhe, Carlos, eu cresci em Oeiras ouvindo falar, sempre com admiração, reverência e respeito, do grande e inspirado poeta que foi Nogueira Tapety. Ele representa um indiscutível motivo de justo orgulho para todos nós, oeirenses e, - por que não? -  piauienses e brasileiros. Fique certo que me incluo entre tantos admiradores, sou seu macaco de auditório.  Infelizmente, nunca tive a oportunidade de ler a obra do vate mafrense, conheci-a, moleque em Oeiras, por fragmentos, versos soltos que recitávamos nas repetidas serenatas das noites oeirenses e, quando inspirados e enternecidos, ao pé do ouvido das namoradinhas crédulas. Nogueira Tapety é um patrimônio intelectual e poético para todos nós. Você, no seu último zap, fala no soneto do poeta francês, Félix-Alexis Arvers (Paris, 1806-1859), talvez o mais famoso soneto da literatura universal, dedicado a sua musa, Marie Nodier. Este “Soneto de Arvers”, como sabe você melhor que eu, mereceu mais de 100 traduções, e entre essas brasileiras e portuguesas também. Dentre os poetas brasileiros, pelo menos 18 traduziram o “Soneto de Arvers”.  E, integrando esse panteão de notáveis, Nogueira Tapety (1916) nos presenteia com uma das mais belas e fiéis alusões ao “Soneto” que, certamente você conhece, mas vale a pena repetir:
 
“Como Arvers, também tenho um segredo na vida,
um segredo e uma angústia igual à que ele tinha.
E, apesar de trazê-la em minha alma escondida,
alguém há que este mal misterioso advinha.
 
A beleza imortal nos teus versos contida,
teu “Alguém” lia, Arvers, sem saber de onde vinha,
e o meu sabe demais, vive a ler, linha a linha,
toda a história fatal de minha alma incontida.
 
E certa, como está, que os meus versos são dela,
que vem do seu olhar a rima que os constela,
finge crer que os inspira o amor de outra mulher;
 
Isto só para ungir-me em tristeza e amargura,
conservando-me, assim, nesta horrível tortura,
que é mil vezes maior que a tortura de Arvers.”
 
Não tenho nenhum livro de minha autoria, a não ser de Oftalmologia, que, certamente, não vai interessá-lo. Mas, estou com todo o material para reunir num livro (Escritos Inúteis), veremos se até o final do ano você me honrará com sua leitura e parecer.

Recomende-me a sua querida família. 

Abraços afetuosos do amigo que lhe quer bem,

Elisabeto Ribeiro Gonçalves