[Bráulio Tavares]

A história da Narrativa (cinema, literatura, etc.) é cheia de arquétipos e estereótipos que a gente identifica sem problemas. (A distinção entre estes dois conceitos, aliás, daria um bom tema para outra coluna – ou para uma tese de mestrado.)  Eles vão desde os mais simples e universais (o Herói, o Vilão, a Mocinha Indefesa, o Monstro, o Cientista Louco, etc.) até outros mais específicos, como O Matador Aposentado Que Aceita Uma Derradeira Missão, O Frio Executivo Que Será Vítima da Própria Ambição e Indiferença, A Mocinha Honesta Que Derrotará As Amigas Interesseiras e Casará Com O Príncipe Encantado, O Jovem Mimado A Quem A Vida Se Encarregará De Dar Umas Boas Lições – e por aí vai. 
 
Um desses tipos é A Mulher Fatal, aquela hipnótica deusa do sexo aos pés de quem os homens mais fortes se arrojam sem pensar duas vezes, e que os destrói como quem risca fósforos pelo simples prazer de ficar olhando para uma chama.  Pense Marlene Dietrich, Rita Hayworth, Greta Garbo, Sharon Stone, Bette Davis…
 
É engraçado que nenhum livro sobre cinema se detenha num arquétipo oposto e igualmente poderoso, ao qual eu chamaria, por simetria, A Mulher Vital.  É aquela mulher que consegue arrancar do abismo um homem semi-destruído, insuflar-lhe auto-estima, injetar-lhe energias, reerguê-lo diante do mundo, tirá-lo da sarjeta e colocá-lo num lugar a que ele sempre tivera direito.  São mulheres redentoras cheias de um espírito de auto-sacrifício que não tem sinais de fraqueza, pelo contrário, são sintomas de uma força interna tão vulcânica, tão tectônica quanto o poder destrutivo das “devoradoras de homens”. 
 
Já escrevi (http://bit.ly/M3DkJI) sobre mulheres que amam um homem com uma afeição tão pura que aceitam como verdade qualquer delírio ou fantasia rebuscada que eles lhes contem; em torno de mulheres assim giram filmes como A Hora do Lobo de Bergman ou Janela Indiscreta de Hitchcock.  O cinema francês da época da “nouvelle-vague” nos mostrou a Jeanne capaz de lentamente conquistar a confiança e o amor do batedor de carteiras em Pickpocket de Robert Bresson (1959). Em Atirem no pianista de Truffaut (1960), a mulher que acompanha a queda gradual do protagonista (Charles Aznavour) é uma mulher vital que não consegue salvá-lo.  Muitas vezes, esse arquétipo feminino aparece na narrativa como uma força secundária, pois a história está centrada na auto-destruição do protagonista masculino.  Ela surge como uma hipótese de salvação que não se confirma, como se o autor dissesse: “Vejam só a tragédia desse sujeito: nem mesmo uma mulher dedicada como esta conseguiu tirá-lo do abismo”.