Talvez seja já oportuno adiantar: despiciendo nos parece atribuir parâmetros ou gradações à violência cometida por alguém, um grupo ou por um evento natural ou não, no qual não temos poder de interferir, se ela resulta na morte de um ser. Nenhum crime pode ser tomado como mais ou menos violento se seu escopo é o extermínio de uma vida. Matar é e sempre será um ato de extremada e incomensurável violência. Morrer é a pior de suas consequências, a despeito de se saber, e até se aceitar, que há de existir um fim para a vida, como houve o início. Esta deveria ser a lógica: nascer e morrer, naturalmente. O interregno cronológico-existencial entre os dois extremos garantiria a seleção e a perpetuação das espécies.

             Ocorre que não basta à morte ser apenas a previsível materialização de um ato de violência; ela “parece fazer questão” de mostrar-se oportunista, sorrateira, dissimulada; covarde, por vezes; indigitada, sempre. E nem precisaria que assim fosse, haja vista, diante dela, não termos qualquer chance: nenhum ser vivo, humano, animal ou vegetal consegue vencê-la.

            O processo que a morte exercita até o momento em que nos abate não tem mistério; como não sabemos se seremos atendidos, acaso tentemos apelar por um pouco mais de complacência, muita vez fazemos isso, senão como mero desencargo de consciência, a quem não pode ou não nos quer atender. Ela, por vezes, nos consume, no curso ou no interregno de um ciclo em que chegáramos a pensar que havia nos esquecido, temporariamente. Pragmática, vem e nos tolhe, apressadamente ou não, mas sempre como se fôssemos o último a quem precisava levar. Pressa ou necessidade, a propósito, são duas de suas características que jamais conseguiremos discernir. Fato é que, a partir do momento em recebemos a animação corporal, a natureza nos informa qual passa a ser o objetivo, inarredável, inescapável, inexorável de nossa vida: a morte; vivemos cada dia, querendo ou não, como se fosse o último; a vida não nos espera, a morte, sim; nossa existência nem sempre é um processo de preparação para a morte, mas de espera por ela, certamente o é.

            Se há algo que se possa aproveitar da morte é o fato de, mesmo sabendo que ela nos vai desanimar ou desconstruir a qualquer momento, este, ao que tudo indica, nem a própria sabe quando acontecerá. Convém não nos iludirmos com essa falsa beatitude: já que não temos certeza da chegada do instante exato que determinará nosso final, ideal seria – ou não - que estivéssemos o mais pronto possível para nos abandonarmos, com poucas demandas a cumprir, quase sem pendências existenciais. Fato é que, com ou sem missões em andamento, ao nos chamar, tudo ficará para trás.

            É possível que apenas nós, seres racionais, tenhamos preocupação com a chegada de esse momento em que, naturalmente ou não, vamos morrer.  Essa certeza deve nos mover a tentar fazer da morte a mais tardia realidade possível.

            Tanto mais poderia ser dito a respeito da indigitada figura. Parece, contudo, inconcebível pensar de outro modo um ser iluminado, como não se esperaria, racionalmente, de um cético, gnóstico ou agnóstico duvidar de este fato: quem ou o que quer que haja permitido que alguém ou algo tivesse o direito de nascer, esse ente ou conhecimento sobrenatural ou ideológico, certamente, não fez tal concessão por mero diletantismo: ele tinha plano para essa vida e, claro, estabeleceu prazo para cumprimento do mesmo. Por conseguinte, partindo de esse pressuposto e como ninguém sabe qual seu tempo de duração ou vigência, talvez somente a morte natural, que apesar de também ser uma violência, poderia parecer aceitável. 

            Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected])