Cunha e Silva Filho

                                  Para meu pai, Cunha e Silva , no 104º aniversário de seu nascimento(1905-1990)

                      

                        Pertenço a três gerações de formas de escrever: a manuscrita, a máquina de escrever e o computador. A primeira não esqueci ainda, pois continuo, o mais das vezes, usando-a. A segunda tem uma história, que lhe passo a contar, leitor.
                      Nunca, me passou pela cabeça que aprender a escrever à máquina me trouxesse tantos dissabores e prejuízos financeiros. Enquanto morei em Teresina, já existiam cursos de datilografia.       Não sabia quanta falta iria me fazer tal curso. Primeiro, para conseguir um emprego, seja num banco, seja num escritório. Na verdade, poucas funções ficavam de fora dessa exigência, o que agravava a minha situação de desempregado.
                     Vim pro Rio de Janeiro sem nenhuma noção de datilografia. Ao procurar uma colocação, topava sempre com a mesma exigência-chave: - “Sabe datilografia?," perguntavam-me. A resposta era a mesma:  - "Não," dizia tristemente. Oh, tempos de procura de emprego...
                    Foi quando me matriculei num curso de datilografia na Praça Tiradentes, centro. Era um antigo curso nesse ramo de preparação técnica que combinava datilografia e speedwritng (taquigrafia). Optei apenas por datilografia. Fiquei só por um mês. Não sei por que desisti. Talvez por dois motivos, porque aprendi ali pelo menos a bater o a-s-d-f-g e o ç-l-k-j-h, ou seja, o princípio do beabá, ou porque não tinha mais dinheiro pro curso.. 
                   Paulatinamente, fui aprendendo mais no próprio emprego, o de escriturário principiante de um banco particular, já extinto, onde acumulava a função, por exploração do banco, de correspondente inglês-português, mas com salário apenas pela primeira função.
Anos depois, comprei uma Ollivetti portátil, pequenina, frágil, que me ajudou muito. Nela preparava meus artigos e minhas provas pros colégios. Nela pude desenvolver, aos trancos e barrancos, um pouco mais de habilidade.
                 Dois bons empregos perdi por conta da minha medíocre capacidade datilográfica. Passei, no exame oral, para tradutor do inglês pro português e, no exame de datilografia, levei bomba. Era uma editora que ficava na Rua México. O texto que me deram no exame escrito constava de uma ou duas páginas da obra de Jonathan Swift, Gulliver’s travels. Logo o examinador percebeu quão mal ia com os dedos na máquina... Mas, confesso que fui ousado, porque o meu inglês da época não me permitiria fôlego de tradutor literário daquele romance. O outro emprego foi uma colocação na então Embaixada Americana, também no centro, na Presidente Wilson. Desta vez, estava  internado num hospital, o Pedro Ernesto. Estava quase tendo alta. Tinha lido um anúncio no Jornal do Brasil de domingo publicado pela Embaixada procurando pessoas que soubessem inglês para trabalhos burocráticos. Lá também me saí bem no exame oral, mas perdi no de datilografia. Com os diabos!
              Nunca tive, no entanto, um ótimo relacionamento na habilidade com a máquina de escrever. Com o tempo, melhorei, mas nunca cheguei a ser exímio no teclado, naquele ponto ideal de bater sem olhar pro teclado e sem cometer muitos erros.
             Chegou, finalmente, a minha hora e vez do computador. Antes mesmo de comprar um, ouvia conversas de colegas do magistério sobre o uso do computador.- “Ah, não sei como vou me arrumar com aquele mouse apontando pra certos pontos do monitor, clicando aqui e ali. Acho que não vou aprender”Isso me deixou preocupado. – “E eu? Como farei?” Já estão falando que não demora muito e o colégio  ou  a faculdade vão exigir conhecimento básico de informática. Fiquei apavorado. Não há senão que comprar um aparelho. Como já sei um pouco de datilografia, é só me adaptar a essa nova forma de escrever.
           Comprei um. Aprendi, sozinho, um pouco e perguntava muita coisa a quem sabia mexer com aquilo. Chateava até minhas alunas na faculdade. Anotava isso, aquilo. Devagar, devagar, os mais próximos,  amigos, família, colegas, alunos  foram me  desasnando. Claro que hoje sei o básico, ou até mais um pouco. No entanto, nunca serei um bom digitador. Isso só pode bem ser uma vocação, que no meu caso é falta de vocação mesmo. Penei, penei, até à exaustão.Agradeço, agora, a todos que me ajudaram nessa aprendizagem. Tenho, agora, alguma quilometragem de prática de digitação, no barato, uns dez anos. A minha melhoria foi tão significativa que me deram, na universidade, uma disciplina relacionada com computador, inglês instrumental para informática, encargo de que me incumbi satisfatoriamente
          Lidar com o computador não se resume apenas a digitar textos. Há que usar a Internet, ter uma senha, um e-mail, um provedor pago ou gratuito. Por tudo isso passei. Cabe, ao final, dessa crônica, uma observação relevante.
         A minha relação com o computador atualmente é uma fase de longa lua mel. Descobri que consigo criar um texto direto no computador e descubro, com imensa alegria, quão grandes são as possibilidades com ele. Digito, deleto, arrasto, colo, recorto, salvo, emendo, transponho, faço o diabo com esse aparelho que me revela outra vantagem no trabalho criativo ou profissional: pensava erroneamaente que, no computador, as idéias não me vinham ao socorro da pena, ou melhor, do computador. É tudo uma questão de tempo e adaptação.
         A grandíssima vantagem do computador é que, no momento de digitar meu texto, na maior parte das vezes, escrito primeiro à mão, múltiplas ideias me vêm acudir durante esse processo. O texto escrito à mão é reescrito, melhorado, aperfeiçoado durante o processo de digitação. Por isso, não tenho senão que louvar essa bendita máquina. Veio pra permanecer. Veio pra ajudar. Máquina perfeita pro escritor, pra quem escreve em geral. Máquina de rasuras, de apagamentos, construção técnica milagrosa que se confunde, pelas suas inúmeras funções, com o papel – não secundário – da criação literária e da escrita nas suas diversas finalidades. Talvez só para a crítica genética, infelizmente, ela não seja proveitosa, mas nem tudo é perfeito.
        A mão e o computador estão de mãos dadas. A máquina de datilografia confinou-se aos museus. Palmas para as mãos e pro computador e vivas pra seu inventor, o matemático inglês Charles Babbage (1792-1871).


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