A literatura brasileira: novas pesquisas

                           Cunha e Silva Filho - especial para o Entretextos


                           Não há como negar a importância capital que a pesquisa acadêmica assumiu em todas as épocas, ou seja, desde que se implantaram os curso superiores no país e sobretudo quando foram criados os cursos de pós-graduação. É na universidade, no contato diuturno do ambiente do campus, da interação dos cursos e disciplinas, na troca de experiências em salas de aula com alunos, ou fora das salas de aulas, com ouros professores e com o conjunto das disciplinas de uma faculdade que novas ideias vão surgindo e com elas novas formas de construção do saber. O campus universitário torna-se indispensável ambiente intelectual no qual temas e aspectos de uma área do conhecimento humano vão aflorando e se transformando em inovadoras vias de pesquisas e se estabelecendo como terreno fértil de produção cujo sentido maior é o de avançar o conhecimento de um dado domínio do conhecimento.
                           Fora dos muros acadêmicos, podem igualmente vicejar novos saberes, novas linhas de pesquisas mas sempre tendo em vista a desvantagem de que são mais lentas e com maior dificuldade de elaboração já que neste caso o pesquisador está mais na sua condição de investigador autônomo, e muitas vezes, com dificuldades de arcar com despesas de custos no processo e desenvolvimento de suas pesquisas. Nesta segunda situação, só os grandes abnegados conseguem levar adiante todas as etapas do processo de desenvolvimento e conclusão de suas pesquisas ou descobertas.
                         No campo da pesquisa universitária vale registrar mais uma vertente de estudos de literatura brasileira, a que foi concluída pelo pesquisador Eduardo de Assis Duarte, professor da Faculdade de Letras de Minas Gerais. A pesquisa - um amplo trabalho de equipe envolvendo até colaboradores estrangeiros -, se ocupou em aprofundar a produção literária brasileira de autores com ascendência africana. O resultado disso foi a coleção recém-editada pela Editora da UFMG, Literatura e afrodescendência no Brasil: antologia crítica. A coleção foi assim dividida: : 1º volume “Precursores”; 2º volume, “Consolidação”; 3º volume, Contemporaneidade” e 4º volume “História, teoria, polêmica”. 
A novidade da coleção se assenta não só no levantamento de escritores brasileiros negros ou mulatos completamente desconhecidos até nos círculos acadêmicos, como são os exemplos de Nascimento Morais, Lino Guedes (autor de 13 obras vindas a lume entre 1930 e 1940, e Maria Firmina dos Reis, sendo esta a autora do primeiro romance abolicionista brasileiro, sob o título Úrsula, de 1859, mas também na maneira original de abordar a contribuição de afro-descendentes aos quais a literatura brasileira tanto deve do ponto de vista estético. 
                      É fato que uns poucos autores negros ou mulatos se distinguem no panorama da nossa literatura, como Machado de Assis, Gonçalves Dias, Tobias Barreto, Lima Barreto, Cruz e Sousa, José do Patrocínio, para ficarmos nos mais conhecidos e citados em nossas histórias literárias. 
Outro dado positivo da coleção foi, a meu ver, didaticamente estudar os autores selecionados de forma cronológica, i.e., primeiramente escolhendo 31 autores com nascimento até 1931, 30 autores nascidos a partir da de 1930 indo até 1940 e, finalmente, incluindo 39 autores co nascimento nos meados do século 20. O 4º volume cuida da apresentação de reflexões teóricas acerca do conceito de literatura afro-brasileira e de depoimentos de escritores, ensaístas, críticos e intelectuais sobre as questões ligadas à etnia dos autores que sofreram, uns mais , outros menos, o estigma de serem pretos ou mulatos.Este volume ficou sob a responsabilidade também de Maria Nazareth Soares Fonseca.
                     Aqui não faço a resenha da coleção, porque mesmo não a li ainda, mas apenas me fundamento nas informações da entrevista concedida a Guilherme Freitas, jornalista do Caderno Prosa e& Verso do Globo (05/11/2011) pelo organizador da coleção, o citado professor Eduardo de Assis Duarte. 
                     Na longa e judiciosa entrevista do organizador, percebe-se o quanto os recentes estudos críticos agora voltados sem mais os tabus que por muito tempo, sobretudo nos séculos 19 e primeiras décadas do século 20, caracterizaram os estudos críticos entre nós relegando a segundo plano muitos autores por mero eurocentrismo míope - e por que não dizer - racista, elitista, hegemônico. 
Todo estudioso de autores como Cruz e Sousa e Lima Barreto sabem o quanto eles padeceram preconceitos de cor tanto no meio social quanto profissional e intelectual manifestados pelos chamados autores brancos ou que se diziam brancos. 
                    Os estudos do “discurso das minorias” de certa forma, também auxiliaram na mudança de mentalidade do pensamento brasileiro e mesmo estrangeiro a fim de retificar abordagens preconceituosas de autores afro-descendentes através de uma revisão que resultasse positiva na erradicação de pruridos racistas.
                   O quadro atual da situação de escritores afro-brasileiros tem dado provas admiráveis de surgimento de escritores desse segmento étnico que só têm elevado o nível de nossa produção literária e teórica, conforme se pode constatar na relação de autores selecionados pela antologia. No entanto, a questão do preconceito velado ainda subsiste no meio social e cultural brasileiro, desmistificando o conceito de “democracia racial” entre nós. 
                  Outro traço importante desta antologia é abrir perspectivas promissoras para se levar adiante o debate do conceito de literatura afro-brasileira, a partir mesmo do fato de ter tirado do limbo um bom número de autores negros ou miscigenados do passado que, em sua produção, não deixaram de tratar do problema da sua própria etnia, além de problemas de relevância social da época, a escravidão, o abolicionismo, os problemas inerentes à República Velha, os interditos ou constrições à condição de ser negro ou mulato, como Cruz e Sousa, Lima Barreto, Firmina dos Reis e o próprio Machado de Assis. Segundo acentua o professor Eduardo de Assis Duarte, Machado de Assis, no romance Helena (1876) e em alguns contos, já detecta na narrativa “...crítica ao discurso senhorial e à branquitude que busca naturalizar esse discurso como verdadeiro”. 
                 Penso que esta antologia virá novamente pôr em discussão os temas polêmicos enfocados nas narrativas desses autores e, ao fazer isso, terá mais possibilidade de reforçar a necessidade de ler alguns autores esquecidos e de se pensar neles como autores que merecem ser reavaliados e até valorizados dentro de novos enfoques críticos que sejam isentos de ranços preconceituosos, cujo única consequência mais grave é novamente cometer-se o erro da omissão ou da falta de coragem intelectual para mostrá-los às novas gerações de estudantes e professores.
                Sequestrá-los das histórias literárias seria um desserviço em matéria de pesquisas nos campos literário e cultural. Os estudos acadêmicos não podem deixar de lado esta oportunidade de conhecer esses autores e enriquecer o debate nacional das questões étnicas e de valorização de autores ainda não contemplados pela pesquisa em nossas universidades.