A lenda da Yara e Jaguarari
Por Flávio Bittencourt Em: 16/02/2011, às 05H15
[Flávio Bittencourt]
A lenda da Yara e Jaguarari
No portal Jangada Brasil lendas amazônicas podem ser encontradas.
"(...) Jaguarari era estupendo... (...)"
(MARIA ROSA MOREIRA LIMA, passagem do relato fantástico adiante transcrito)
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10-12-2009 18:21:41
A I Semana de Educação Profissional mobilizou a comunidade de Jaguarari. Realizado nos dias 02 e 03 de Dezembro, pelo Centro Territorial de Educação Profissional Piemonte Norte do Itapicuru, com apoio da Prefeitura Municipal e empresas da região, o evento debateu a realidade do ensino médio em Jaguarari.
"(...) A velha tapuia, solidária com o sofrimento do filho bem amado, dizia também, entre soluços:
– Foge, Jaguarari... Foge daquele enleio maldito. Escuta os meus conselhos. Foge dos encantos da Yara, porque eles carregarão contigo para o reino de Tupã. Meu filho, meu bravo guerreiro. Foge enquanto é possível. Yara representa a morte. (...)"
(MARIA ROSA MOREIRA LIMA, trecho da lenda da Yara e Jaguarari no qual a mãe de Jaguarari alerta seu filho sobre aquilo que a terrível Yara representa)
"Lenda amazônica da Yara e Jaguarari
Jaci há muito se escondera manhosamente para adormecer agasalhada no seu leito de nebulosas. Longe, bem longe, as águas do Rio Negro se estendiam imponentes e, a cachoeira do Turuman descia caudalosa e barulhenta para mais adiante deslizar entre margens verdejantes. Os ingazeiros e os jatobás seculares estendiam os galhos colossais sobre a vegetação rasteira. Parasitas multicores desciam das ramadas em torrentes de flores perfumosas. Do naitimbó já não se ouvia o cantar tão conhecido naquelas paragens e as garças e os jacamins, preguiçosamente abriam as asas enormes, sacudindo as gotas de orvalho que lhes resvalavam pela macia plumagem. Um caitetu passou em disparada e um gavião assustado desviou o rumo do vôo para ficar imóvel pousado nos galhos de cedro gigante, vencido talvez pelo feitiço do canto do uirapuru, ou inebriado pelas essências das flores silvestres e das resinas perfumosas.
O rio imenso, ao deslizar além à luz da madrugada, refletia na superfície polida com espelho, a copa exuberante das árvores gigantescas.
Jaguarari, um jovem guerreiro índio, mal despontara o dia, abandona a rede de tucum e, apanhando seus pertences de caça e pesca, caminhou para as margens do rio, não muito distante da taba onde moravam seus velhos pais. Em derredor tudo era calmo, repousante, belo. Os primeiros raios de sol coloriam de estrias luminosas as folhas dos jequitibás. As plantas silvestres se apresentavam enfeitadas de pequeninos pontos de luz de orvalho, como se tivesse baixado sobre a imensidão dos campos, todas as estrelas do céu. Ao leve sopro da brisa, as ramadas agitavam faceiras as hastes viçosas. Mas, Jaguarari, passava indiferente diante de tanta beleza.
O velho cacique, ouvindo o rumor dos passos do filho querido, abandona o local onde estivera agachado enquanto as sombras da noite envolviam a terra e, enquadrando-se na porta, alongou os olhos cansados para o jovem que partia. O velho selvagem orgulhava-se da destreza do moço, revendo-se na compleição atlética, no moreno escuro do rosto na pujança do talhe esbelto e vigoroso, nos cabelos negros e lisos e, orgulhosamente considerava-o a imagem da força e da bravura. Jaguarari, criado liberto nos campos, queimado de sol, tinha se tornado na altivez do porte, uma figura imponentemente bela. Talvez, em derredor ou muitas léguas distantes, não se encontrasse alguém capaz de sobrepujá-lo na coragem, na audácia, no domínio absoluto da mataria exuberante. Estatura fora do normal, musculoso, bem proporcionado, despertava o orgulho dos velhos pais e a paixão das jovens da sua e das tribos vizinhas.
Jaguarari era estupendo...
Durante muitas luas a mãe do guerreiro valente, observou a tristeza estampada no rosto do filho notando também que ele passava horas intermináveis, sentado silencioso à sombra de uma velha e esgalhada mamaurama, com os olhos perdidos na imensidão das águas. Somente se recolhia a oca, depois das trevas da noite ficarem esgarçadas pelos primeiros albores da alvorada.
Mas, um coração de mãe jamais se engana: ele pulsa no peito de todas as mulheres e, sendo assim, um pressentimento mau desabrochou na alma da índia tapuia, ao sentir silêncio do filho amado, uma pungente agonia a torturá-lo. E um dia, quando Jaguarari voltava da pesca, ela, ao vê-lo cabisbaixo, sem demonstrar aquela vivacidade costumeira, pressurosa colocou ao alcance da suas mãos, uma cuia de cauim, tentando confortá-lo. Ofereceu-lhe uma rede nova, tecida com muito carinho pelos seus dedos trêmulos, enfeitada com penas azuis, brancas, amarelas e vermelhas, retiradas das asas dos mutuns, das garças e dos jacamins. Infelizmente a tudo o guerreiro permanecia indiferente, o olhar perdido além, sempre a meditar, tendo as mãos crispadas denunciando um tormento íntimo.
A esposa do cacique olhando-os nos olhos, falou:
– Filho, os juruparis puseram curare nas folhas das árvores para que a sua sombra te seja venenosa. Teus inimigos de guerra, tangeram o acauari para ele cantar ao pôr-do-sol no alto do coqueiro e teus ouvidos ficarem surdos aos meus conselhos. Já não admiras o despontar do amanhecer e não te alegras com o mavioso canto das aves. Eu e teu pai, levantaremos nossa velha taba deste lugar agora para nós maldito, porque aqui, eu te vi chorar. Talvez em outras terras distantes, o sorriso volte a iluminar teus lábios e teus olhos se encham de luz brilhante como o sol.
Jaguarari fitou-a melancolicamente e, abraçando-a, falou com a voz embargada pela emoção:
– Mãe, eu vi a Yara... Ela é linda, muito mais linda do que a vitória-régia desabrochada nos igarapés em noites de lua cheia. Seus cabelos de ouro derramam-se sobre o corpo maravilhoso como se fosse um manto iluminado. A sua voz é como o arrulhar das pombas brancas, tem a ternura da cotovia, a beleza e agilidade de ema selvagem, e cantou para mim, quando o crescente brilhava entre as estrelas. E faceira como a gazela da mata sequiosa de carinho, estendeu-me os braços formosos, oferecendo-me os lábios para a festa de amor, rolando na relva macia tal qual uma serpente. Aproximei-me mansamente, atirando longe o arco e a flecha. E quando pensava em apertá-la em meus braços, ela fugiu tão ligeira como a corça perseguida e mergulhou nas águas do rio. Oh, mãe, não sabes quanto eu a quero para mim. Não sabes quanto desejo o calor do seu feitiço, quanto desejo aconchegar ao meu aquele corpo lindo, esmagar seus lábios com meus beijos quentes, apertá-la em meus braços como o cipó abraça a gigantesca baraúna da floresta. E na sua alucinante paixão, o índio fechava os olhos para não deixar fugir a imagem tentadora da Yara, quando pela primeira vez a vir ternamente enamorada do disco branco da lua, surgir do fundo das águas divinamente bela, esplendidamente nua.
E tal qual um inocente curumim se desfez em prantos, agasalhado nos braços materno, despido da vaidade e orgulho legado pelos seus ancestrais. E chorou longamente. Chorou o gigante que jamais se vergara a dor física, fazendo-o naquele momento, curvado à mágoa do coração.
A velha tapuia, solidária com o sofrimento do filho bem amado, dizia também, entre soluços:
– Foge, Jaguarari... Foge daquele enleio maldito. Escuta os meus conselhos. Foge dos encantos da Yara, porque eles carregarão contigo para o reino de Tupã. Meu filho, meu bravo guerreiro. Foge enquanto é possível. Yara representa a morte.
Mas, Jaguarari estava enlouquecendo de amor, enfeitiçado pelos olhos verdes e pelas promessas que, na sua fantasia, pensara ouvir pronunciadas pelos lábios ardentes e sensuais da senhora das águas. E desvencilhando-se do amplexo materno, o índio com a agilidade inata aos de sua raça, corre ligeiro até onde se encontrava a sua pequenina e frágil embarcação e, desamarrando-a do cipó que a sustinha presa à margem, impeliu-a com a força dos seus músculos possantes, para a cabeceira do rio. Depois de algumas remadas vigorosas, o mundo se iluminou. O sol despontara no horizonte. E ao esplendor nascente do astro-rei, alguns nativos postados nas imediações, assustados viram uma neblina aurifulgente envolver e com uma força estranha e poderosa impelir sobre a superfície líquida a canoa de Jaguarari. E dentro dela, o jovem guerreiro abraçava as formas esculturais de uma formosa mulher nua com os cabelos de luz soltos aos ventos, enquanto suas bocas se uniam num beijo de amor. Repentinamente as águas do Rio Negro se fenderam e a igara com os dois enamorados sumiu nas profundezas da linfa azulada.
(http://www.jangadabrasil.com.br/revista/janeiro120/im12001.asp)