Á guisa de uma breve análise do poema
Por Cunha e Silva Filho Em: 23/07/2018, às 11H20
Cunha e Silva Filho
DESTINO ?
Um ramo primaveril,
pleno de muitas flores
enche com perfume o ar.
Aí, um vento invernal
despe o florido ramo.
Reveste o chão de cores,
num tapete matizado.
Sem nenhuma piedade,
este perverso vento,
muda o destino do ramo.
( de Madalena Ferrante Pizzatto )
O que logo me chama a atenção no poema “Destino?” é o seu título em forma de interrogação. Assim, ele próprio me dá alguma pista em direção a uma das possíveis leituras da composição. Sabe-se que uma interrogação pode tanto ser uma forma retórica lançada ao receptor tanto quanto uma dúvida mesmo sobre o destino do ser humano.
Trata-se de uma dúvida sobre algo que todos nós podemos compreender como naturais acontecimentos na vida do ser humano contra os quais nada podemos fazer por estar relacionada acidentes ou condições determinadas da existência natural ou transcendente que s escapam do nosso controle e da nossa vontade. Como exemplos mais relevantes podiam-se citar o nascimento e a morte.
No poema, a metáforas do “ramo e do” vento, da quais a do vento instaura um sentido antitético e, portanto, desumanizado, são os dois elementos que sustentam semanticamente o arcabouço do poema. Daí o sujeito lírico falar de “perverso vento,” reforçado negativamente por outro sintagma nominal – “vento invernal” e por todo um verso da terceira estrofe “Sem nenhuma piedade.” Ora, o surgimento imprevisível do vento desfavorável pode interromper, a qualquer momento da vida de cada um de nós, a possibilidade da felicidade plena. Por outro lado, observe-se que, numa primeira camada significativa do poema, tem-se como referência básica no conjunto da mensagem do poema a referência literal entre as duas estações sucessivas e opostas nos seus traços de mudanças da Natureza da paisagem do ano: a primavera e o inverno.
Não devemos descurar uma observação dos dois últimos dois versos do terceto (Reveste o chão de cores/ num tapete matizado) da segunda estrofe que destoam dessa estrofe no que tange ao sentido disfórico e antitético do todo dessa estrofe e sinalizam um estado de neutralidade entre o significado de oposição equilíbrio versus desequilíbrio. Poder-se-ia aventar aqui uma terceira via de entendimento do tema pendular felicidade versus infelicidade, ou seja, vale repetir, equilíbrio versus desequilíbrio; Mesmo se levando em conta a negatividade das segunda e terceira estrofes, nesse dois versos se abre um luz que talvez corresponda a um estado de aceitação dolorida embora, da ausência plena da felicidade.
Ou seja, a metáfora do “vento” corresponderia, mutatis mutandis, àquela “pedra no meio do caminho” drumommondiana. Representa o acidente ou os acidentes do percurso, da travessia existencial, de cada indivíduo na Terra, dos quais nenhum indivíduo escapa enquanto vivente. As fases da vida, infância, adolescência, mocidade, maturidade e velhice são sucessivas a menos que um “vento perverso” venha mudar esse percurso. A segunda estrofe semanticamente se opõe à primeira.
A primeira estrofe figura, pois, o presente em estado de tranquilidade, quer dizer, a situação de equilíbrio vivencial, enquanto a segunda estrofe rompe com essa estado de positividade. Convém observar que o percurso em geral do ser humano transcorre entre o equilíbrio e o desequilíbrio, i.e., não existe felicidade completa, mas instantes ou períodos de bem-aventurança, assim como pode haver ainda períodos longos e inaceitáveis de anormalidade, por exemplo, nas situações de catástrofes naturais ou guerras entre nações. O que significa que não há a possibilidade de a existência ser vivida como um mar de rosas, sendo, por conseguinte, a condição humana precária, imprevisível e finita.
Por fim, há que considerar-se o artesanato da construção do poema estilisticamente falando. Gostaria apenas de mencionar um recurso de estilística fônica (aliteração) que podemos depreender na leitura da linguagem em si dessa composição poética: a) Na primeira estrofe, a incidência do fonema / p/, remetendo à primaveril/pleno/perfume; b)Na segunda e terceira estrofes, a incidência do fonema /v/, remetendo a vento/ invernal/reveste, um oclusivo surdo e um fricativo sonoro. Desse modo, se constata que a camada fônica dos versos acompanha o traço de oposição semântica do poema em exame.