Cunha  e Silva Filho

 

 

DESTINO ?

 

Um ramo primaveril,
pleno de muitas flores
enche com perfume o ar.

 

Aí, um vento invernal


despe o florido ramo.
Reveste o chão de cores,
num tapete matizado.

 

Sem nenhuma piedade,
este perverso vento,
muda o destino do ramo.

( de Madalena Ferrante Pizzatto )

 

 

         O que logo me chama a atenção no poema “Destino?” é o seu título em forma de interrogação. Assim,  ele   próprio me dá alguma pista  em direção a uma    das possíveis leituras da composição. Sabe-se que uma interrogação pode tanto ser uma forma   retórica lançada ao receptor tanto quanto  uma dúvida mesmo  sobre o destino  do ser humano.      

         Trata-se de uma dúvida    sobre   algo que todos nós podemos compreender  como naturais  acontecimentos na vida do ser humano contra os quais nada podemos fazer  por estar  relacionada acidentes ou condições  determinadas  da existência natural  ou  transcendente que s escapam  do nosso controle e da nossa vontade. Como exemplos mais relevantes  podiam-se citar  o nascimento  e a morte.

         No   poema, a metáforas  do “ramo  e do” vento,  da quais a do vento instaura  um sentido antitético  e, portanto, desumanizado,  são os dois elementos que sustentam semanticamente   o arcabouço do poema.   Daí   o sujeito lírico   falar de “perverso vento,” reforçado negativamente  por outro sintagma   nominal – “vento invernal” e  por todo um verso da terceira estrofe  “Sem nenhuma piedade.” Ora, o surgimento imprevisível  do vento desfavorável  pode  interromper, a qualquer momento da vida  de cada um de nós,  a possibilidade da felicidade plena. Por outro lado, observe-se que, numa primeira camada  significativa    do poema,   tem-se   como referência  básica  no conjunto   da mensagem   do poema  a referência literal entre  as duas estações  sucessivas e opostas  nos seus traços  de mudanças  da Natureza  da  paisagem   do ano: a primavera e o inverno.

      Não devemos  descurar  uma observação dos dois últimos dois versos  do terceto (Reveste o chão de cores/  num tapete matizado)  da segunda estrofe que destoam  dessa  estrofe no que tange  ao sentido disfórico  e antitético  do todo dessa estrofe e sinalizam um estado de neutralidade entre o significado de oposição equilíbrio versus desequilíbrio. Poder-se-ia   aventar aqui  uma terceira via  de entendimento   do tema  pendular    felicidade versus infelicidade, ou seja, vale repetir,  equilíbrio versus desequilíbrio; Mesmo se  levando  em conta  a negatividade das  segunda e terceira  estrofes,  nesse dois versos   se abre um luz  que talvez corresponda a um estado  de aceitação  dolorida embora,  da ausência  plena  da  felicidade.     

     Ou seja, a metáfora do “vento” corresponderia, mutatis mutandis,  àquela “pedra  no meio do caminho” drumommondiana.  Representa  o acidente ou os acidentes do percurso, da travessia  existencial,   de cada indivíduo na Terra, dos quais nenhum  indivíduo  escapa    enquanto vivente. As fases   da vida, infância,  adolescência,  mocidade, maturidade e  velhice  são sucessivas a menos que um “vento perverso” venha mudar  esse percurso. A segunda estrofe semanticamente   se opõe à primeira.

    A primeira estrofe  figura,   pois,  o presente  em estado de tranquilidade,    quer dizer,  a  situação  de equilíbrio vivencial, enquanto a segunda estrofe   rompe com essa estado  de positividade. Convém observar que  o percurso  em geral do ser humano  transcorre entre   o equilíbrio e o desequilíbrio, i.e., não existe felicidade  completa, mas instantes  ou períodos de bem-aventurança, assim como pode haver  ainda  períodos longos  e inaceitáveis de  anormalidade, por exemplo,  nas situações  de catástrofes naturais ou  guerras  entre nações. O que significa que não  há a possibilidade  de  a existência  ser   vivida como um  mar de  rosas, sendo, por conseguinte,  a condição  humana  precária, imprevisível e finita.

    Por fim, há que considerar-se o artesanato   da construção do poema  estilisticamente  falando. Gostaria apenas de mencionar um  recurso de estilística fônica (aliteração) que  podemos depreender na leitura  da linguagem  em si  dessa composição poética:  a) Na primeira estrofe, a incidência do fonema / p/, remetendo à primaveril/pleno/perfume; b)Na     segunda e terceira estrofes, a incidência do fonema  /v/, remetendo a vento/ invernal/reveste, um oclusivo  surdo e um fricativo sonoro. Desse modo, se constata que  a camada fônica dos versos  acompanha  o traço  de oposição semântica  do poema   em exame.