(Miguel Carqueija)

Resenhamos hoje um importante livro recente da nossa ficção imaginativa


    Poucos livros terão sido mais discutidos e analisados que “1984”, de George Orwell (1903-1950). O autor britânico criou a mais impressionante distopia ao imaginar que, em poucos anos, surgisse o Estado Total, capaz de controlar até mesmo os pensamentos dos indivíduos. Ao mesmo tempo é um romance bem escrito, envolvente, muito bem construído e concatenado.
    Esta obra exemplar ganhou, recentemente, uma continuação livre no Brasil: “O Camarada O’Brien”, de Roberval Barcellos, realiza o que parecia impossível: uma sequência para um livro que fecha tão bem.
     Roberval prossegue do ponto em que Orwell parou. Wiston Smith, reeducado por O’Brien, converteu-se ao Grande Irmão, passando a amá-lo. Entretanto, como todo reeducado, não tinha futuro; era uma impessoa e, cedo ou tarde, seria “vaporizado”.
     A história então mostra o que aconteceu em seguida com o Camarada O’Brien e como, eventualmente, ele se deparou com a vingança de Wiston e a inevitável evolução da luta pelo poder em Oceania. A tese de Roberval favorece a ascensão da Polícia do Pensamento, até então um instrumento do Partido Interno.
    “O Camarada O’Brien” reproduz com talento o clima sombrio e sufocante de “1984”, inclusive nas cenas em que O’Brien tortura Tillotson, culminando por levá-lo à sinistra sala 101. As palavras de O’Brien definem bastante o que seria o Estado Total, do qual muitas tiranias reais se aproximaram (um pouco como o zero absoluto e a velocidade da luz, que não se consegue atingir mas apenas chegar mais perto):
    “(...) temos o poder para definir a loucura e, portanto, quem está louco. O Estado controla tudo e o Partido controla o Estado, logo, cabe a nós definirmos o que é pureza, ortodoxia saudável, patriotismo sincero e servilismo necessário, ao passo que também podemos definir o oposto a tudo isso e aplicarmos a pena adequada.”
    No círculo sem horizontes do mundo fechado concebido por George Orwell, o autor brasileiro Roberval Barcellos consegue encaixar um grande arremate, que é a substituição da Estátua da Liberdade pela do Grande Irmão.
    Uma das melhores novelas que eu já li na ficção científica brasileira, “O Camarada O’Brien” é leitura que recomendo vivamente.
    Escrevo esta crítica na esperança de que a mesma possa incentivar Roberval Barcellos a reaparecer publicando seus textos.

    Coleção Fantástica, segunda série, nº. 1, setembro de 2002 – Edições Hiperespaço. Capa: Cerito. O volume pode ser encomendado através do correio [email protected] ou do endereço postal Rua dos Vianas 500/71, São Bernardo do Campo – SP, CEP 09760-000.