A gênese de “Meus Olhinhos de Brinquedo

Senhores e senhoras,

Como não é  de bom tom ao autor falar de sua própria obra (conceitos e valoração pertencem aos leitores e à crítica especializada), nestas breves palavras, dadas as circunstâncias de lançamento coletivo de obras, atenho-me a discorrer sumaria e superficialmente acerca de particularidades do gênero a que Meus Olhinhos de Brinquedo pertence e a  comentar a gênese da criação desta obra. Embora o livro que aqui trago à lume destine-se a crianças de 6 a 9 anos, dirijo-me sobretudo aos adultos aqui presentes.

Em Manual prático voltado a escritores e interessados em literatura infantil, traduzido pelo escritor Gabriel Perissé, a pesquisadora de Escrita Criativa Sílvia Adela Kohan  conta (ela não especifica de que ambientação real  retirou a alegoria, mas conta, e dou a ela algum crédito):

“Certa vez, uma senhora extremamente desejosa de educar seu filho perguntou a Albert Einstein:

- O que devo ler para meu filho, para que ele se torne um grande matemático e cientista?

- Contos de fadas – respondeu Einstein.

-Está bem, mas o que mais eu posso ler para ele?

- Mais contos de fadas – replicou Einstein.

- E além disso? – insistiu a mãe.

- Mais contos de fadas ainda!"

A  relevância da literatura infantil, originada nos contos populares,  as antigas estórias de assombrações e encantamentos  contadas nas comunidades rurais e nas calçadas dos lugarejos, em um tempo sem o regozijo das tecnologias,   tem na imaginação, operação necessária mesmo para as competências e habilidades mais racionais, o seu maior mérito.

Desde sempre o fantástico, o maravilhoso, a ficção científica, a aventura, o terror, o humorístico, os enigmas, as charadas e as adivinhações  fascinaram crianças e adultos. Chapeuzinho Vermelho, Pinóquio, Aladim e sua lâmpada maravilhosa, Peter Pan, Robinson Crusoé, Narizinho, Pedrinho, Emília e tantos outros – para ficar apenas nos mais tradicionais personagens da literatura infantil - ainda estão no baú da memória de milhares de adultos e na convivência das fabulações infantis de hoje.

Além deles, fadas, príncipes, magos, monstros e os mais variados animais falantes. Na memória de milhares de adultos e na convivência das fabulações infantis de hoje, agora mais sistematizados pelo universo do ensino formal, como parte indispensável do processo de socialização e interação com o mundo adulto. De Bilac a José Paulo Paulo; de Monteiro Lobato a Ruth Rocha, a literatura é a sombra do corpo de toda criança, projetando-se para além do momento mais imediato e acompanhando-a para sempre no menino que em cada um de nós nunca para de respirar.

Escrevendo sobre a memória em Graciliano Ramos, o crítico literário Álvaro Lins diz:

“Ao abandonar certos aspectos da infância, ao fixar-se em outros, o artista não o faz arbitrariamente, mas determinado pelas impressões que se prolongaram nele, que o influenciaram, que marcaram depois os seus sentimentos, ideias e visões de adulto.”

A literatura infantil, talvez mais do que qualquer outra forma literária, particularmente, é feita de impressões, das impressões que se estendem por toda a vida. Nela a capacidade de abstração vem da lógica das associações. Nela, a habilidade de manipular tropos é mais exigente; porque tudo é feito para que, lendo, a criança possa brincar.

Trata-se Meus olhinhos de brinquedo de uma tentativa de ir à essência do ser criança.:

“Venha

Venha comigo,

Você, meu amigo,

Correr, pular, dançar.

 

Criança gosta de brincar.

Criança gosta de olhar.

 

A manhã

Nascendo nos telhados,

Minguante, crescente, nova,

A luas, as asas de meus brinquedos

(...)”

 

Trata-se de um convite para a valorização da brincadeira e da amizade. Nesse poema infantil, a brincadeira é a percepção do mundo, um ato saudável cuja condição é, em primeiro lugar, a capacidade de imaginar e perceber a própria realidade objetiva e os seus reflexos na subjetividade. A brincadeira que não necessita dos aparatos das tecnologias. A brincadeira que está na luz do dia, no tocar do vento,  na fisionomia das casas e ruas, em brinquedos simples como o barquinho de papel e, principalmente, na interação com a natureza da qual nós mesmos fazemos parte e, quase sempre, hoje, a isso não concedemos importância.

A brincadeira de meus olhinhos de brinquedo é a própria e inadiável capacidade de sentir. Inclusive a presença amiga. 

Trata-se de um livro concebido para que seja também um brinquedo. Para que a criança se sinta como parte de uma estória que é a sua  estória. Nela, o pequenino gigante pode não apenas ler, mas fotografar, colar, pintar, desenhar, contar, recortar e tudo o que a imaginação mandar. Nela, a ordem é inventar sem limites para a criação e a sensibilidade.

Teorizando sobre literatura infantil, Peter Hunt, explicando o que fazemos no ato comum da leitura, propõe caminhos para mediar a relação da criança com o livro. As orientações dele aqui transformo em perguntas:

“Que impressão o livro proporciona? Como se sente o pequeno leitor? Que habilidades dele são exigidas? Qual a circunstância da leitura? Como se relaciona a criança com o estilo, a estrutura e os sentidos gerados a partir deles? Qual relação estabelece com os elementos fora do texto?

Independente das respostas que possamos – ou possa o leitor dar a essas perguntas- que o lúdico, sem moralismo – o intertexto, o humor, a imagem simbólica sejam maiores que qualquer explicação. Que o limite desse poema seja a infindável vontade de ser criança. A infindável vontade de brincar e ter amigos.

Afinal, a brincadeira e a amizade são as portas largas da felicidade.

Muito obrigado!

Dílson Lages Monteiro - da Academia Piauiense de Letras

Breve oração pronunciada por ocasião do lançamento de Meus Olhinhos de Brinquedo, na Academia Piauiense de Letras, em 05.12.2015