A Cidade Verde: entrevista com Ribamar Garcia
Em: 01/03/2015, às 09H58
Romancista, contista e cronista, o advogado José Ribamar Garcia, natural de Teresina-PI e estabelecido no Rio de Janeiro desde a adolescência, tem como um dos temas preferidos de sua produção a cidade em que nasceu, principalmente no livro de crônicas Cidade Verde. Entretextos conversou com o escritor sobre a representação social que ele construiu nessa obra.
Dílson Lages - Ribamar, sua crônica em Imagens da Cidade Verde é marcada pela ênfase na memória, a partir da qual se aliam o lirismo, a preocupação social, o registro histórico-geográfico, o humor e o pitoresco. Nelas, tem-se um painel vivo de valores e costumes de uma Teresina que não mais existe, a Teresina de 1950 e 1960. Para o narrador, que Teresina é essa?
Ribamar Garcia - Como você bem assinalou, aquela Teresina dos anos 50 e 60, que foi a da minha infância e parte da adolescência, não existe mais. Só existe na memória. E foi esta Teresina que procurei retratar no meu livro “Imagens da Cidade Verde”. Era uma cidade provinciana, acanhada, romântica, cativante e mágica. Sua magia vinha das águas do rio Parnaíba, de suas lendas, de seus coriscos e trovões viris, do pôr do sol mais lindo do Brasil, e do teresinense valente que enfrentava assombrações, como a “Num se Pode”, mas temia e se apavorava diante da tísica.
Dílson Lages - As praças se constituem em um dos elementos mais valorizados em Imagens da Cidade Verde. Que representação social o senhor espera que os leitores, os que viveram o tempo retratado e os de hoje, construam sobre as praças da Bandeira, Saraiva, Pedro II e do Liceu?
Ribamar Garcia - Quanto às praças, notadamente as da Bandeira, Saraiva, Liceu e Pedro II, além de palcos de romantismo e de certa pureza, expunham uma segregação social silenciosa, resignada, mas explícita. Veja você: A Praça Pedro II era composta de dois planos. No primeiro plano, parte de cima, em frente ao quartel da Polícia Militar, havia o coreto e os canteiros das plantas, e era freqüentado pelas moças pobres e humildes, geralmente empregadas domésticas, do comércio e da Fiação (fábrica de tecidos, instalada quase à beira do Parnaíba). Enquanto no segundo plano, parte de baixo, defronte ao Theatro 4 de Setembro e Cine Rex, desfilavam as moças e rapazes da classe remediada e rica, que não se misturavam com o pessoal da parte de cima. Isso era tão natural, que acabou virando um costume.
Dílson Lages - A diferença de classes é tematizada em várias crônicas. Nesse sentido, há nas crônicas de Imagens da Cidade Verde valorização de figuras do povo, entre as quais se inclui o próprio narrador, em crônicas como “A penitenciária” e o “Clube do Diários”. O que era do ponto de vista da desigualdade social Teresina nas décadas de 1950 e 1960?
Ribamar Garcia - Havia como disse, uma segregação silenciosa e resignada. Aquele negócio de “conhecer o seu lugar” E de se conformar com essa, vamos dizer assim, norma consuetudinária. Isso também era exposto no Clube dos Diários. Só entrava nele quem era sócio ou convidado de um sócio. Pobre não entrava. E negro só se fosse rico ou doutor – coisa rara na época. Nos bailes ou nas festas carnavalescas, o povo se contentava em ficar do lado de fora, observando pelo portão os foliões. No hospital Getúlio Vargas existia uma ala dedica aos indigentes e aos que não tinha dinheiro para custear a internação e a cirurgia.
Dílson Lages - Imagens da Cidade verde constrói um painel vivo dos costumes e valores de Teresina em 1950 e 1960. Quais costumes e valores o senhor crê definem com maior exatidão a cidade de sua infância?
Ribamar Garcia - Diria que eram os valores relativos à honra. Embora o conceito de honra, especificamente, em relação à mulher era algo profundamente fundamentalista. Veja você: A moça que perdesse a virgindade estava condenada à execração pública. Essa não conseguia mais casamento. E dependendo da estratificação social, era expulsa de casa, e, sem ter para onde ir, acabava indo ampliar a galeria dos cabarés da Rua Paissandu. Até a mulher que se separava do marido, ou que vivesse em regime de união estável era discriminada. Homossexual, então, não tinha vez e o único assumido na cidade era um alfaiate. Também havia um culto à coragem e à valentia.
Dílson Lages - Retratando Teresina das décadas de 1950 e 1960, a época de sua infância, o que o senhor elegeu como projeto literário, a fim de se distanciar de outros cronistas que escreveram sobre Teresina?
Ribamar Garcia - Sem dúvida, grandes escritores já escreveram sobre Teresina. Dentre eles Abdias Neves ( no romance “Um Manicaca”), Vitor Gonçalves Neto, A. Tito Filho (o cronista mor), H. Dobal, Carlos Said, Matias Augusto de Oliveira Matos, Rodrigo M. Leite (com sua “Cidade Frita) e vários outros. No entanto, procurei registrar em “Imagens da Cidade Verde” a cidade provinciana, romântica, acanhada e cativante por dentro, revelando sua atmosfera, sua magia, seu espírito, através das ruas, dos logradouros, das lendas, dos hábitos e costumes dos teresinenses. Tentei fazer um Raio X da cidade de 120 mil habitantes.
Dílson Lages - Avaliando a Teresina retratada em suas crônicas e a Teresina de hoje, que paralelo o senhor faz entre elas?
Dílson Lages - Ribamar, há em sua crônica paradoxalmente, uma busca rigorosa da objetividade. Numa única crônica, um tema se desdobra em vários, como se captasse flashes do cotidiano ou, de maneira lacônica, quisesse o narrador cristalizar na reflexão do leitor um questionamento ou um olhar não apenas para um tema, mas também para uma forma particular de ver a vida num dado momento. Essa busca rigorosa pela objetividade é realmente uma meta sua do ponto de vista do estilo?
Ribamar Garcia - Mestre Dílson Lages, sinceramente, não sabia que a forma de eu desdobrar certos assuntos dentro do texto, mas sem perder a coesão e a coerência, atingiria a objetividade. Você tem razão. Só que faço isso intencionalmente. É claro que ao escrever, procuro ser claro, direto e objetivo, assim como fujo dos “lugares comuns” e de quaisquer clichês – que julgo abomináveis. O desdobramento dos temas, a construção de frases curtas, às vezes, até sincopadas e as pinceladas de ironia, atribuo ao meu temperamento. Alguém já não disse que o estilo é o temperamento?
Dílson Lages - O senhor transita por gêneros diversos: o conto, o romance, a crônica. Em qual desses gêneros o senhor se sente mais à vontade para a criação literária?
Ribamar Garcia - Creio que seja no romance, porque sinto mais liberdade e mais espaço para relatar, dissertar, vaguear, descrever cenários e pintar os personagens, enfim, criar o que me proponho a fazer. E fazer sempre, buscando uma verossimilhança e da melhor forma de contar. Entretanto, a crônica me serve para registrar acontecimento agradáveis e também desagradáveis, deixando-me livre para expressar minha opinião e até a indignidade, sem medo de cair na panfletagem. Já o conto, que acho muito difícil de fazer, utilizo quando quero contar uma história curta que não me exige muito fôlego.
Dílson Lages - Para finalizar nossa conversa, o que é hoje afetivamente Teresina para o escritor José Ribamar Garcia?