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Sempre tive a impressão de que a música fosse apenas o extravasamento de um grande silêncio.

Marguerite Yourcenar

Preciso fazer uma confissão: tenho uma enorme dificuldade de lembrar a letra completa de uma música e cantar está definitivamente fora dos meus limites. No entanto, isso não significa que seja insensível a boa música. Ao contrário. Já houve melodias que me fizeram chorar e rir, pois me lembraram de situações da minha vida que nunca consegui realmente esquecer.

O interessante é que em uma pesquisa realizada no Japão foi constatado que as músicas lúgubres podem evocar boas emoções. Sim, é isso mesmo: aquelas lágrimas que você derramou quando ouviu uma música triste não é necessariamente algo ruim. Ao contrário. Segundo os pesquisadores da Universidade de Artes de Tóquio e do Instituto de Ciências do Cérebro (RIKEN), experimentar a tristeza por meio da arte pode ser algo realmente muito bom.

Para chegar a essa conclusão, os cientistas japoneses pediram a 44 voluntários, entre músicos e não músicos, que ouvissem duas músicas tristes e uma alegre. As peças escolhidas foram: “La Séparation”, de Glinka, “Sur Mer”, de Blumefeld, e “Allegro de Concierto”, de Vivaldi. As duas primeiras são as tristes e a terceira, a alegre.

Como não sou uma especialista no assunto, resolvi buscar no You Tube essas três peças musicais para, ao ouvi-las, tornar-me a 45º voluntária. Antes de escutá-las, me preparei, esvaziando a mente de qualquer sentimento que pudesse intervir na minha percepção. Posso dizer que meu estado emocional, naquele momento, era neutro (se é que isso existe), ou seja, não estava particularmente triste ou alegre.

Conforme ouvia as músicas logo percebi que a minha reação a elas não estava sendo diferente da que foi relatada pelos 44 voluntários do estudo. A primeira e a segunda fizeram o meu coração apertar e meus olhos se encherem de lágrimas como se naquele momento algo trágico e muito triste estivesse prestes a acontecer. A terceira, no entanto, me fez desejar sair dançando pela casa e eu esqueci rapidamente toda a angústia que as duas primeiras me fizeram sentir. Foi impressionante!

Mais tarde, quando me preparava para escrever esse texto, também circulei por outras músicas mais modernas – Adele, Could Play, Snow Patrol e até Glee – e as reações às diferentes melodias foi em tudo semelhante ao que senti quando ouvi as três peças clássicas. Minha escolha recaiu sobre músicas estrangeiras porque, não tendo acesso ao significado do que estava sendo cantado – não entendo absolutamente nada de inglês –, desejava comprovar se o efeito se devia à letra ou à melodia. Pensei: “Se não entendo o que a música diz, não vou me identificar. Logo, posso manter as emoções de lado”. É óbvio que, como a essa altura você já deve saber, essa “técnica” não funcionou. Com letra ou sem letra, se a melodia é triste, o sentimento de tragicidade e melancolia é igualmente impactante, mesmo que naquele momento eu não estivesse me sentindo assim. Ou seja, a música me fez sentir triste quando, na verdade, eu não estava (pelo menos conscientemente).

Vamos, então, à pergunta feita pelos pesquisadores: se as músicas tristes causam esse mal estar, porque as pessoas continuam querendo ouvi-las?

A resposta dos japoneses é simples: a tristeza percebida por meio da música é diferente da tristeza “normal” do cotidiano. Enquanto a segunda representa uma verdadeira ameaça à nossa segurança, a primeira não é real e, portanto, mais “confiável”. Como estou mais ligada à literatura, posso dizer que o efeito observado pelos pesquisadores japoneses em relação a música é semelhante ao que sentimos quando lemos um livro. A tragédia vivida por um personagem é percebida pelo leitor, mas de uma forma “segura”, pois ele sabe que ao fechar o livro a tristeza e a angústia ficarão restritas apenas as suas páginas. Aquelas experiências não eram realmente suas, por isso puderam ser experimentadas com relativa segurança.

Enfim, você pode estar pensando que esse assunto é velho, pois afinal a música – assim como toda a forma de arte – teve, desde sempre, como objetivo levar o ser humano a vivenciar sentimentos que ele, muitas vezes, tem dificuldades em gerir e até de entender. Esse conhecimento, no entanto, não impede que a ciência estude os mecanismos das emoções e da psicologia humana, mapeando as diferentes formas de como cada indivíduo reage aos estímulos que recebe. Hoje, mais de que em qualquer outra época, a razão e a emoção nunca estiveram tão próximas e se Einstein tivesse conhecido Bob Marley, com certeza, concordaria com a sua afirmativa de que uma coisa boa sobre a música é que, quando ela bate, você não sente dor.