A Banda de Ipanema é a mãe de todas as bandas carnavalescas do país e sua origem já faz parte da história cultural da Cidade Maravilhosa.
Conta-se que em 1959 o clima do bairro de Ipanema era de uma cidade de interior. Foi quando Ferdy Carneiro convidou alguns amigos para inaugurar um clube em Ubá (MG), durante o feriado de carnaval.
A turma de amigos, entre eles Albino Pinheiro, Paulo César Saraceni e J. Rui, presenciou uma manifestação carnavalesca tradicional na cidade, realizada pela famosa Banda Philarmônica Embocadura, que pertencia à família de Ferdy.
Era uma banda em que os pseudomúsicos saíam trajados de branco e com chapéu de palha, sendo que nenhum deles tocava instrumento algum.
Atrás, vinha uma banda de verdade, que animava o carnaval de Ubá, terra de Ary Barroso.
Quando Ferdy e seus amigos voltaram ao Rio, inspirados naquela animada festa que viram em Ubá, decidiram criar a sua própria banda.
Designer formado pela Escola Superior de Desenho Industrial, jornalista, programador visual, diretor de arte de agências de propaganda e artista plástico, Ferdy Carneiro, ex-diretor administrativo do Museu Carmem Miranda, falecido em 18 de outubro de 2002, era um mineiro apaixonado pelo Rio, boêmio “de carteirinha”, freqüentador das rodas de samba mais tradicionais e apreciador de bebidas.
Ele trabalhou no teatro e cinema – sua grande paixão – e escreveu no Pasquim.
No carnaval de 1965, ano do 4.º Centenário da Cidade do Rio de Janeiro, tendo como referência aquela banda de Ubá e outras idéias na cabeça, Albino Pinheiro, animador cultural e considerado “o prefeito espiritual da cidade do Rio de Janeiro”, por sua animação e carioquice, o designer Ferdy Carneiro, o cartunista Jaguar, futuro criador do jornal Pasquim, e mais alguns amigos fundaram a Banda de Ipanema.
Em um bar, Jaguar fez a lista com os nomes dos integrantes: trinta, ao todo.
Naquela época, primeiro carnaval após o golpe militar, quando era proibido juntar mais de 50 pessoas em local público, a Banda de Ipanema conseguiu reunir cerca de 10 mil foliões.
Desde o primeiro desfile, a banda exibe uma faixa com um lema – “Yolhesman Crisbeles” – que sempre intrigou o pessoal do antigo SNI, que deduzia ter ela um significado que, embora obscuro, certamente era subversivo.
A expressão enigmática, segundo um cordelista da Estação Pedro II da Central do Brasil, seria o grito do anjo exterminador no dia do Juízo Final.
Nascida da combinação de boêmios intelectuais com o espírito dos blocos carnavalescos dos subúrbios, a banda desfila 15 dias antes do carnaval, antecipando a folia carioca. Sempre teve padrinhos e madrinhas famosos.
A este fato, reporta-se Sérgio Cabral, em um seu livro O ABC de Sérgio Cabral, publicado em 1977: “Ser padrinho ou madrinha da Banda de Ipanema é uma grande honra, como se vê pelos nomes escolhidos nesses 12 anos de existência: Clementina de Jesus, Nássara, Eneida de Morais, Bibi Ferreira, Lúcio Rangel, João de Barro, Leila Diniz, Aracy de Almeida, Clara Nunes, João Nogueira, Oscar Niemeyer, Grande Otelo, Martinho da Vila, Nélson Cavaquinho e Cartola”.
Em 1976, Albino Pinheiro convidou Beth Carvalho para madrinha. Como ela havia viajado para a Europa, Albino convocou Bibi Ferreira para o lugar.
Beth Carvalho, entretanto, largou Paris e correu para pegar o desfile da banda, quando encontrou Bibi Ferreira em seu lugar.
A cantora ficou tão chateada que recusou o convite para ser madrinha do desfile de 1977. “Só aceito em 1978”, disse ela, vingando-se da hesitação do comandante Albino Pinheiro.
Nessa época, a banda chegava a desfilar com mais de 20 mil foliões.
Cabia às irmãs gêmeas Laura e Delia (então com mais de 80 anos) e, ainda, às irmãs Judith e Hilda boa parte da alegria no desfile.
O percurso da banda é sempre o mesmo: Praça General Osório, rua Teixera de Melo (na contramão), avenida Vieira Souto, rua Joana Angélica, rua Visconde de Pirajá, e retorno à praça General Osório.
Logo na primeira saída da banda, os componentes perceberam a força e o carisma que tinha naquilo que restituía o carnaval de rua. Mas apenas uma banda em Ipanema não bastava.
A faixa, que trazia escrito “Uma Banda em Cada Bairro”, carregada durante o primeiro desfile, tinha o objetivo de fazer com que mais pessoas aderissem à animada festa. E foi isso que aconteceu.
Em pouco tempo, muitas bandas surgiram e várias pessoas deixaram de sair do Rio de Janeiro devido a propagação desta folia.
Ferdy Carneiro e sua turma batizaram algumas destas bandas. A do Leme foi a primeira, depois a do Cardeal Arco-Verde e até bandas de outros estados.
A Banda de Ipanema ressuscitou o carnaval de rua que parecia esquecido.
Conta-se que durante o Regime Militar, duas agentes do Serviço Nacional de Informação (SNI) infiltraram-se no desfile da banda disfarçadas de senhoras da terceira idade, querendo descobrir “códigos subversivos”.
A resistência ao regime militar, porém, não se restringiu ao deboche. Nos anos de chumbo, Albino e Jaguar organizavam festas para arrecadar dinheiro para as famílias dos presos políticos e para o Partido Comunista.
Entre os nomes que colaboraram estavam Carlos Drummond de Andrade, Paulo Mendes Campos, Oscar Niemeyer, João Saldanha e Ziraldo.
Histórias curiosas envolvendo personalidades famosas proliferam na folclórica trajetória da Banda de Ipanema. Uma delas ocorreu no ano em que Tom Jobim foi padrinho do bloco.
Alguém notou que o maestro desfilava com um tênis novo em folha e perguntou se ele o havia comprado especialmente para o carnaval.
Ao que o maestro respondeu: “Pedi a Deus um tênis novo para desfilar. Bem, pelo menos, foi o que Ele entendeu”.
Outra história bem inusitada se passou com o boêmio Hugo Bidet, que alugou um cavalo branco e, com farda militar de general, entrou na rua Jangadeiro, tomando um chope sem descer do pangaré.
Casos interessantes se passaram durante o desfile da banda, como o da reaproximação de João Saldanha e sua mulher Teresa, refazendo um casamento desfeito há alguns meses.
Uma das alas mais interessantes foi a Ala das Escrotas da Banda, composta, dentre outros boêmios intelectuais, pelo crítico Alex Viany e o também crítico e letrista Sérgio Cabral, que abandonou a ala para sair com a sua camisa do Vasco.
Rildo Hora, em parceria com Sérgio Cabral, compôs a marchinha “Banda de Ipanema”, onde ressaltam o espírito do bloco tão carioca: “Vem a Banda de Ipanema/ Espalhando alegria/ Quero a minha voz/ Dentro do coral/ Viva a vida e morra a morte/ E a moçada de Ipanema/ Botou na rua seu carnaval”.
Durante o desfile do ano 2000, o cineasta Paulo César Saraceni, também folião da banda, filmou o documentário “Banda de Ipanema – Folia de Albino”, sobre a vida de seu falecido amigo Albino Pinheiro, com quem dividia duas paixões: o time do Fluminense e o carnaval azul e branco da Portela.
O filme intermediou cenas do documentário “Natal da Portela”, com Grande Otelo, que conta com vários depoimentos de pessoas ilustres sobre a Banda de Ipanema.
Em 2003, a Prefeitura do Rio decidiu tombar a Banda de Ipanema. Para todos os efeitos, agora ela é eterna.
Com a publicação do decreto no Diário Oficial, a Banda de Ipanema tornou-se o primeiro bem não-material a ser tombado no Rio, ou seja, tem de ir pra rua todos os anos, levada pelos organizadores ou pela prefeitura.
“Na primeira saída da banda, o Albino contratou uns músicos na Praça Tiradentes, botou o pessoal tocando as marchinhas na praça e cada um de nós pegou um instrumento. Nós nos formamos de branco, como se fôssemos uma banda, mas ninguém tocava nada. No primeiro quarteirão já tomaram os instrumentos da gente e animaram a festa. A banda virou uma festa da classe média de Ipanema. Como o sucesso foi muito grande, logo já tinha a Banda do Leme, Banda da Tijuca, Banda de Caratinga, bandas do Brasil inteiro. Virou uma instituição, uma forma maravilhosa das velhas marchinhas de carnaval persistirem”, conta Ziraldo Pinto, cartunista e escritor.
Ziraldo fazia parte do grupo que saiu pela primeira vez com a banda nas ruas. Muita gente famosa adorava pular o carnaval nela.
A atriz Leila Diniz era (e até hoje) considerada a musa da banda, primeira e única.
Tombar a banda é perseverar a memória.
“Foi tombada, então não pode acabar. Se um dia os novos diretores da banda desistirem, o poder público tem obrigação de botar a banda na rua. Acabou de tombar, criou esse dever. Vai ser ótimo porque é uma instituição que deve ser preservada. Eu achei um achado o negócio de tombar um bem não-material. É uma idéia que tinha de nascer no Rio de Janeiro”, completa Ziraldo.
Albino Pinheiro, que morreu no dia 24 de junho de 1999, no Rio de Janeiro, aos 66 anos (dois anos antes havia sido diagnosticado que ele sofria de câncer na medula óssea), era mais conhecido fora de seu território como o fundador da Banda de Ipanema, que ressuscitou o carnaval carioca de rua e, desde 1965, gerou tantos filhotes pelo Brasil.
Mas todas as tentativas que se fizeram para classificá-lo profissionalmente resultaram incompletas e injustas. Procurador do Estado? Pesquisador do carnaval? Produtor cultural? Boêmio histórico? Estudioso profundo das coisas do Rio?
Ele foi cada uma dessas coisas e também a soma delas, mas mesmo esta era uma redução. A única categoria que o abrangia era a de carioca. Aliás, Albino não se contentaria com nenhuma outra.
O Rio não era apenas a cidade onde ele nasceu e sempre viveu, mas um espaço humano e geográfico a que dedicou cada dia de sua vida. O único carnaval que passou fora da cidade foi o de 1959 e, mesmo assim, porque não teve como se defender.
Na sexta-feira daquele carnaval, o artista plástico Ferdy Carneiro e outros de seus amigos de Ipanema aproveitaram que ele estava ligeiramente ébrio (digamos, inconsciente), enfiaram-no numa caminhonete e pegaram a estrada.
Quando acordou, Albino estava em Ubá (MG), terra de Ferdy, a 250 quilômetros da Praça General Osório. Mas nem aquele foi um carnaval perdido. A bandinha local inspirou-o, seis anos depois, a fazer a Banda de Ipanema.
A Banda pode ser a criação pela qual ele ficou mais conhecido, mas está longe de ter sido a mais importante. O maior mérito de Albino foi o de ter promovido a ligação da zona sul do Rio com a cultura marginal e desprezada dos morros e subúrbios cariocas.
Foi levada pela sua mão, em começos dos anos 60, que Ipanema atravessou o túnel rumo ao centro e à zona norte e penetrou no universo das gafieiras e escolas de samba, que muitos conheciam só de ouvir falar.
Albino não foi o primeiro a se interessar por esse universo. Antes dele, intelectuais da zona sul como Lúcio Rangel, José Ramos Tinhorão, Sérgio Porto, Édison Carneiro, Eneida e outros já viviam fascinados pelos sons que saíam dos barracos e biroscas. Eram estudiosos sérios, preocupados com a sobrevivência daquela cultura.
Mas foi Albino quem tomou providências. Ao promover festas populares, produzir shows, reativar tradições abandonadas e envolver gente de todas as áreas, ele ajudou a quebrar preconceitos raciais, de classe e, principalmente, culturais.
Albino foi o grande intermediário prático entre a “alta” e a “baixa” cultura do Rio.
Sua biografia já era a história dessa integração – porque ele nasceu com um pé em cada lado da cidade. A maternidade ficava na Saúde, um bairro da zona portuária, e a casa de sua família na Rua Ipiranga, na ainda aristocrática Laranjeiras.
Sua avó era dona de todas as casas da rua, mas estas foram sendo aos poucos transformadas em casas de cômodos, habitadas por biscateiros e profissionais humildes.
O menino Albino estudava no Liceu Francês e freqüentava o Fluminense, duas louras instituições de Laranjeiras. Mas, ao olhar em torno, descobriu que o que realmente o atraía eram as belas mulatas da rua e as babás de seus sete irmãos.
No carnaval, elas saíam atrás dos blocos e ranchos que existiam em Laranjeiras e Albino as seguia, hipnotizado pelo samba.
Não por acaso, um de seus tios era o compositor Custódio Mesquita, autor de sambas, valsas e foxes do quilate de “Como Os Rios Que Correm para o Mar”, “Velho Realejo”, “Mulher” e “Nada Além”.
Enquanto a turma de Albino sonhava com Copacabana, o apelo para ele irresistível vinha do centro da cidade.
Aos 14 anos, em 1947, já com autonomia de vôo, começou a chegar lá.
Não pela beira do mar, mas por dentro, pelas pensões suspeitas do Catete, as mesas da Taberna da Glória e, finalmente, as gafieiras da Praça Tiradentes (onde encontrava as empregadas de sua família e as subornava para que não contassem a seu pai).
Albino só foi dar às costas de Ipanema em 1950, aos 17 anos, mas já adentrou o bairro pela porta da frente: as domingueiras na casa do escritor Aníbal Machado, levado por amigos de Laranjeiras como a artista plástica Anna Letycia e o futuro cineasta Paulo César Saraceni.
Na casa de Aníbal, Albino experimentou a democrática sensação de conviver com escritores brasileiros e franceses (um deles, Albert Camus), artistas de teatro e cinema, grandes mulheres, jovens da sua idade (amigos de Maria Clara Machado, filha de Aníbal), bebuns comuns e até o chique sambista Heitor dos Prazeres.
Passou a ir todos os domingos e a esticar no Zeppelin, o botequim vizinho de Aníbal. Anos depois, já não ia tanto às domingueiras, mas continuou indo ao Zeppelin.
Até que, em 1960, se mudou de vez para Ipanema, porque o bairro tinha um encanto de província, como os subúrbios que aprendera a amar. E, na mesma época, começou a estabelecer a ponte que ligaria as duas culturas.
Foi Albino quem transferiu os famosos bailes pré-carnavalescos promovidos pela poetisa Olga Savary e seu marido Jaguar em casas e boates da zona sul para gafieiras como a Estudantina e a Elite.
Numa destas, apresentou Nelson Cavaquinho, Zé Kéti e Jair do Cavaquinho a uma platéia que nunca ouvira falar deles.
Para Albino, com sua sólida educação em mulatas, sambistas e botequins obscuros, aqueles compositores já eram amigos tão antigos quanto os garçons, choferes de táxi e até estivadores com quem se dava na cidade.
Olga demitiu-se da organização das festas e a batuta passou para Albino, ao lado de Jaguar e Ferdy Carneiro.
Dali saíram os réveillons mais animados dos anos 60: os que eles promoviam no clube Silvestre, em Santa Teresa, com compositores e passistas de escolas de samba e as maiores mulheres do Rio – muitas das quais só Albino sabia onde se escondiam no resto do ano.
Nessa época, Vinícius de Morais queria ser “o branco mais preto do Brasil”. Para Tinhorão, Albino não precisava querer – ele era.
Nas raras vezes nas últimas décadas em que o Rio esteve entregue a gente esclarecida e que amava a cidade, Albino foi chamado a trabalhar como secretário de Turismo ou como encarregado de eventos.
A exemplo do que já fizera por conta própria com a Banda de Ipanema, ele sacudiu o carnaval nos anos 70 ao trazer de volta os bailes nas praças dos subúrbios, com orquestras como a Tabajara e a de Raul de Barros, e os banhos de mar à fantasia no Arpoador.
Mas seu gás era para o ano inteiro, promovendo a encenação anual da Paixão de Cristo nos Arcos da Lapa, a revitalização da Festa da Penha, os bailes na Cinelândia e, de 1976 até hoje, o Projeto Seis e Meia, criado por ele: shows com grandes nomes do samba e do choro que, toda noite, na hora do rush, atraem ao Teatro João Caetano milhares de pessoas – muitas das quais nunca tinham entrado num teatro.
Macalé, Paulinho da Viola, Aracy de Almeida, Carlos Cachaça, Albino Pinheiro, Cartola e Clementina de Jesus
Foi também um dos criadores do Corredor Cultural, que preservou prédios e monumentos históricos numa enorme área no centro do Rio.
Mas boemia é coisa séria e, durante 50 anos, Albino serviu de conduíte para boa parte do chope produzido no Rio.
Bateu recordes em campeonatos de copos no Amarelinho, no Lamas e em todas as mesas da primeira divisão.
Aliás, não escolhia campo: na própria rua em que morava, a hoje yuppie Almirante Saddock de Sá, promovia festas na calçada, com cerveja, mesas e cadeiras da Brahma, estreladas pelos seus amigos do samba.
A vizinhança nunca reclamou, porque Albino tinha direitos adquiridos: a depender dele, pelo menos aquele cantinho de Ipanema continuaria a parecer-se com um subúrbio.
A única coisa que nos ficou devendo, além de sua presença imponente e amiga, foi um livro contando tudo que sabia da história do Rio.
Em 2004, o jornalista e escritor Fausto Wolff, na coluna semanal que mantinha no Jornal do Brasil, escreveu o seguinte texto:
Dos poucos orgulhos que carrego pela vida, dois se destacam: ter recebido 21 bolas pretas no Marimbás (unanimidade única na história do clube) e ter visto nascer a Banda de Ipanema, ser seu integrante e chegar a padrinho do 35º desfile.
Embora a idéia tenha sido do Ferdy Carneiro, a verdade é que a banda era do nosso comandante Albino Pinheiro.
Quando ele morreu, em 99, pouco antes de ver este vergonhoso ano 2000, pensei que ela acabaria. Ele, porém, foi um presidente vitalício tão talentoso, e armou as coisas de tal maneira, que a banda ganhou vida própria.
Se em algum ano ninguém convocá-la, como num filme de Fellini ou Saraceni, o povo comparecerá religiosamente às cinco horas na Praça General Osório, músicos surgirão milagrosamente e a Banda de Ipanema desfilará com milhares de pessoas como vem acontecendo desde 1965.
Eu me considero um dos fundadores da banda, embora o Jaguar insista em não me colocar na lista.
De acordo com o belo livro “Ela é carioca”, de Ruy Castro, os primeiros bandeiros foram, além do Albino, do Ferdy e do Jaguar, os fotógrafos Paulo Góes, René Roof e Armando Rozario, o joalheiro Caio Mourão, o corretor Zequinha Estelita, os economistas Raul Hazan e Roniquito de Chevalier, os arquitetos Bernardo Figueiredo, e Silo Costa Leite, os cartunistas Ziraldo e Zélio, o escrivão juramentado Hugo Bidê, o publicitário Darwin Brandão, o artista plástico José Henrique Grosso, o designer Edson Catinari, os advogados Manlio Marat e Claudio Pinheiro, o conde Douglas, o massagista China e mais Peter Alemão, o desembargador Martinho Campos, Cláudio Amaral, Glaudir, Sérgio Borboleta, Paulinho Pom Pom e todas as mulatas do mundo.
Depois do primeiro ano, o bairro de Ipanema aderiu. Crianças que brincaram na Banda, namoraram na Banda, hoje levam filhos e até netos, embora ela tenha mudado muito.
No princípio, era um deboche contra a ditadura militar vetusta e boba e uma diversão familiar. O pessoal respeitava a faixa e ninguém andava na frente dela e da porta-bandeira.
Com exceção dos 10 anos (1968-1978) que passei fora do Brasil por razões de saúde política, participei de todos os desfiles.
Fausto Wolff e Maria Vasco entronizando as mãos na Calçada da Fama de Ipanema, em novembro de 2006
Quando voltei, a banda havia se agigantado – tinha gente suficiente para compor várias escolas de samba – e as pessoas seguiam a faixa Yolhesman Crisbeles de tal jeito que o SNI chegou a pensar tratar-se de um código anti-golpe.
Aos poucos, os travestis foram se chegando. Além das personalidades, eles davam (e dão) um toque especial ao desfile. São engraçados, gentis, inventivos e não ofendem ninguém.
Infelizmente, nos últimos tempos, apareceram também alguns rapazes de peito cabeludo, sunga, bigode e colônia Lancaster, confundindo a avenida com motel e adotando atitudes francamente agressivas.
Esse tipo é pior que barata cascuda, aquelas voadoras: só fugindo. Afinal de contas, o espírito da banda é lúdico, anarquista e familiar.
Pessoalmente, não trocaria meu lugar na diretoria da Banda por nenhum título do Country.
Que diretoria? Os diretores da Banda eram aqueles poucos privilegiados que iam à casa do Albino umas cinco horas antes de ela sair para comer a feijoada preparada pela dona Rosa e Maria Vasco, a eterna rainha.
A diretoria simplesmente fazia o que o comandante decidisse, ou seja, nada.
Nos próximos anos, continuarei lançando meu grito de guerra ao passar pela avenida: “A Banda de Ipanema saúda Vierinha”, mistura de Vieira Souto com a favela da Rocinha, retrato do Brasil enquanto não tomarmos vergonha na cara e derrubarmos a ordem global.
A Banda de Ipanema (O Pasquim chegou perto) foi a única (sei do cacófato) coisa que deu certo neste país porque não tinha nem tem plataforma, regulamentos, estatutos e chatos. Passou a ditadura militar e passará a ditadura branca - e a banda continuará enquanto houver música e povo.
É claro que, com o neoliberalismo, isso também pode acabar.