Cunha e Silva Filho


                           A crítica literária brasileira, sobretudo a praticada entre nós pelo chamado “alto ensaísmo”, está de luto com o falecimento de Benedito Nunes, professor de filosofia e de literatura da Universidade Federal do Pará. Formado em filosofia em Paris. É considerado um dos mais eminentes críticos literários que o país já conheceu, intelectual respeitado até no exterior.
                          Meu contato com ele foi apenas através de seus livros e ensaios , sobretudo literários. Porém, a primeira vez que dele ouvi falar foi logo durante o meu primeiro ano de curso de Letras nos meados da década de sessenta. Naquela época se falava muito e bem de uma obra dele de ensaios, sob o título O dorso do tigre, largamente lida e recomendada por professores e colegas universitários. Era, portanto, aquela obra importante que deveria constar da bibliografia nos cursos de Letras.
                         Entretanto, dele me aproximei ainda, sempre, é claro, através de sua escrita crítico-ensaística, durante a preparação da minha tese de doutorado, quando um aspecto nela abordado dizia respeito à categoria do tempo, fundamental à estrutura de qualquer narrativa ficcional. Para a discussão desse aspecto, uma das obras por mim então utilizadas e que lançou muita luz sobre aquela categoria foi O tempo na narrativa (Coleção Fundamentos, Editora Ática), de Benedito Nunes.
                        Esta obra, pequena e percuciente, discute, com grande força analítica servida por um vasto espectro teórico e de conhecimento bibliográfico atualizado sobre o assunto, a intrincada questão do tempo nos seus vários ângulos e manifestações, em particular no campo da narrativa. Seu conhecimento profundo de literatura universal e de literatura brasileira, aliado às suas especulações de natureza filosófico-linguística, fez dele um crítico para quem o fenômeno literário sempre estaria recebendo uma sólida contribuição de formas de abordagens oriundas do saber filosófico, principalmente da fenomenologia.
                      Daí ter sido de extremo valor seus ensaios sobre Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, Mário Faustino, Guimarães Rosa e tantos outros estudos sobre temas filosóficos.Me recordo, agora, de um comentário que Nunes fez sobre a sua formação intelectual. Sabe-se que teve formação linguísitca primordialmente em francês.Um dia, porém, se queixou – lamentando -, de que não dominava bem o alemão – idioma básico pros estudos filosóficos que, no país, tem história desde Tobias Barreto (1839-1889). Como era estudioso de filosofia, essa lacuna não podia suportar. Mesmo assim, me parece que se decidiu, ainda que um pouco mais tarde na vida, a melhorar seu conhecimento naquela língua. Acredito que chegou a dominá-la, o suficiente para ler no original autores germânicos, porquanto no livro Heidegger & ser e tempo ( Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2002) já demonstrava sinais evidentes de domínio do alemão.
Benedito Nunes pertence a um seleto grupo de intelectuais do Pará. Fora colega de Mário Faustino, quando este saíra de Teresina pra Belém. Também teve como amigo e admirador o grande poeta paraense Jurandyr Bezerra, que reside há muitos anos no Rio de Janeiro e de quem tenho a honra de ser amigo.
                   A propósito da morte recente de Benedito Nunes, veja o leitor um pequeno trecho de Heidegger & ser e tempo (op.cit.) no qual, estudando   a obra   de Heidegger, O Ser e o Tempo,  na seção de título “Morte” (p. 22-24), assim conclui:
“(...) Concorrentes que se traspassam, o ser-para –a morte e o poder-ser livre implicam, cada qual, a projeção Dasein para fora de si menor com o que a existência toma a configuração de um êxtase, de um movimento extático que traça o perfil ontológico da temporalidade.” (grifos do autor citado)

                Uma palavra final: é preciso reler Benedito Nunes ou mesmo conhecer-lhe a obra superior que nos legou, tanto na crítica literária, no ensaio, quanto nos estudos filosóficos. Sentiremos sua ausência e o seu saber notável.