O modelo americano
PESQUISADOR DESCREVE A HISTÓRIA DAS OFICINAS DE ESCRITA NAS UNIVERSIDADES DOS EUA, QUE NÃO PARAM DE CRESCER, E DEFENDE QUE, MAIS DO QUE "FORMATAR" OS ALUNOS, OS CURSOS DÃO A ELES UM LUGAR NA SOCIEDADE
DA REDAÇÃO
Aulas práticas de literatura já viraram história nos EUA.
Em "The Program Era" (A Era dos Programas, Harvard University Press, 466 págs., US$ 35, R$ 64), Mark McGurl argumenta que não dá para compreender a literatura norte-americana do pós-guerra sem conhecer os programas universitários de escrita criativa.
Compreender essa história ajuda a identificar uma raiz de boa parte da nova literatura brasileira. A Universidade de Iowa pode ser tomada como um exemplo central. Passaram por oficinas em Iowa profissionais da escrita como Raimundo Carrero, Charles Kiefer e Affonso Romano de Sant'Anna.
Este fez nos anos 70, com Silviano Santiago, algumas das primeiras experiências do gênero em uma universidade brasileira (a PUC-RJ). Sant'Anna explica como funcionavam as coisas nos EUA.
"Havia dois conjuntos de participantes: os americanos faziam o curso de criação literária como um curso normal de graduação e pós. Tinham aula de conto, poesia, epopeia, roteiros etc. Tinham que apresentar trabalhos rotineiramente. Na parte internacional, éramos mais livres; durante nove meses, tínhamos tempo para terminar projetos que trazíamos e apenas deveríamos participar de seminários expondo nossos trabalhos."
Professor de letras na Universidade da Califórnia, em Los Angeles, Mark McGurl esmiuça as diferentes formas como escritores viram a relação com a universidade.
Da resignação pela necessidade de sobreviver -caso de Nabokov, que lecionava literatura em Cornell enquanto escrevia "Lolita"- às experimentações -como a ficção de hipertexto na Universidade Brown-, McGurl argumenta que o fato de vivermos uma "Era dos Programas" não é uma coisa ruim, afinal. (EGN)
FOLHA - A ascensão da escrita criativa é devida mais a uma disposição social ou a razões de mercado?
MARK MCGURL - É difícil separar as duas coisas. A natureza do sistema de ensino superior nos EUA o faz muito sensível à pressão do mercado. Há um sistema universitário em que é muito fácil inovar e muitos alunos que querem estudar escrita criativa.
FOLHA - O destino da escrita criativa é se tornar tão difundida quanto as matérias de história da literatura?
MCGURL - Hoje a história da literatura é muito maior que a escrita criativa, mas as turmas de literatura tradicionais não estão crescendo. Departamentos comuns de literatura ou teoria literária têm ficado estáveis ou mesmo levemente diminuídos nas últimas décadas, enquanto os programas de escrita criativa estão crescendo a taxas extraordinárias. Alguns dizem que há um limite no mercado. Outros perguntam se as oficinas, a partir deste momento de recessão e reorganização da economia, serão uma prioridade no futuro.
FOLHA - Quantos cursos existem nas universidades dos EUA?
MCGURL - Cerca de 750 cursos de graduação, de aproximadamente 2.000 faculdades. Cerca de 350 cursos de pós-graduação. É claro que o mercado editorial não pode absorver tantos escritores, há um enorme excesso de oferta.
FOLHA - Que fará toda essa gente?
MCGURL - Alguns se tornarão grandes escritores. Vão escrever poesia e prosa e ensinar poesia e prosa. Outros se tornarão escritores menos conhecidos ou professores de escrita. Para o resto, é um treinamento sem uso profissional, é uma extensão da "educação liberal".
FOLHA - Os velhos exemplos do escritor como jornalista viajado, sábio isolado ou servidor público com tempo livre... estão datados?
MCGURL - É claro que há espaço para esses tipos de escritor. Se observar a história da literatura, especialmente nos EUA, o jornalismo tem sido a instituição-chave, com inúmeros escritores que participam do jornalismo de uma forma ou de outra. Essa opção ainda existe, mas a opção de ensinar a escrita junto com a prática da poesia ou da prosa está crescendo. Surge como uma carreira de escritor: "escrever enquanto ensina". Sempre haverá o forasteiro vindo sabe-se lá donde, mas a universidade cresceu a ponto de recentemente se tornar o centro da produção.
FOLHA - Quão norte-americana é essa tradição?
MCGURL - O primeiro programa de pós-graduação começou nos anos 1930, a multiplicação começou nos anos 60 -por décadas, foi algo exclusivamente americano. Isso se dá em parte por conta do sistema educacional do país, mas também podemos amarrá-lo a uma tradição da expressão individual: não importa onde nasça, você pode ser o que quiser, inclusive um artista.
FOLHA - Que autores consagrados são os exemplos mais extremos de entusiasmo e descrença em relação aos programas de oficinas de texto?
MCGURL - É mais fácil começar pela visão negativa. De Algren [autor de "O Homem do Braço de Ouro"], nos anos 60, e Kay Boyle [1902-92], nos 40 e 50, a, mais recentemente, Tom Wolfe, de "A Fogueira das Vaidades", e o contemporâneo Jonathan Franzen [de "As Correções"], todos mostraram extremo ceticismo, por vários motivos diferentes. Muitos apontam que os escritores ficaram "institucionalizados", no sentido de que não têm originalidade, copiam as ideias dos colegas de classe. Em um nível é inegável que a universidade tenha ajudado muitos grandes escritores a existir, pois deu a eles uma chance de escrever. Deu-lhes uma forma de ganhar a vida enquanto escreviam. Os defensores da escrita criativa seriam aqueles que frequentaram ou ensinaram escrita criativa. Não encontramos muitos que se levantassem para dizer "isso é ótimo". Há vergonha relacionada à ideia.
FOLHA - O sr. não menciona nenhum nome?
MCGURL - Que eu saiba essa pessoa não existe. Há os que defendem a escrita criativa em reação aos ataques, dizendo "não, não destrói a originalidade". Mas tal defesa não é necessária porque muita gente quer fazer oficinas.
FOLHA - O exercício prático da oficina é sua única vantagem em relação a outras disciplinas?
MCGURL - Por um lado, o jovem escritor ganha conhecimento. Ao sentar-se com colegas que leem seu texto, ele ainda obtém uma forma pequena de publicação, vê como as coisas funcionam. Se estiver em um programa famoso, como o da Universidade de Iowa ou o da Universidade Columbia, podem-se estabelecer contatos. Além disso, muitos pais de garotos de classe média não querem que eles fiquem tentando ser escritores, acham que deveriam tentar ganhar a vida de forma mais rentável. Para esses jovens, o curso é um abrigo: "Estou na faculdade!" É interessante ver que, por temor, há uma tendência a manter esses cursos dentro do departamento de inglês. Assim temos escritores lado a lado com pesquisadores. Por outro lado, há o medo do pessoal de escrita criativa de que a teoria possa arruinar a musa.
Sempre haverá forasteiros, mas a universidade cresceu a ponto de se tornar o centro da produção
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FOLHA - Por que há resistência ao papel do aprendiz na literatura, mas não nas artes plásticas ou no teatro?
MCGURL - Uma das maiores defesas da escrita criativa é esta: em que ela é diferente de aprender pinceladas? Tem a ver com a mitologia específica do escritor. E com uma tradição de esquecer a história da literatura -pois grupos sempre foram importantes para os escritores, aprender também. Dizem que se pode aprender a escrever em casa, sem ir à escola, que "o aprendizado deveria ser ler; depois comece a escrever". Em parte o que os alunos de escrita criativa fazem é isso: ler e escrever. Mas a formalização incomoda.
FOLHA - Quanto a literatura de hoje é "programada"?
MCGURL - É programada, mas é preciso pensar na ideia de "criatividade programática". Precisamos superar noções românticas de criatividade -de que é inexplicável, de que vem de um lugar estranho para um escritor solitário. Instituições podem gerar programas que tenham criatividade autêntica.
FOLHA - A oficina apresenta uma receita para a respeitabilidade?
MCGURL - Sim. Vivo em Los Angeles, onde há milhares de roteiristas. É difícil dizer "sou um roteirista". Vão perguntar que filmes você escreveu. Isso vale para o escritor. O curso permite ao sujeito dizer "tenho um diploma, portanto sou escritor".
FOLHA - Os escritores formados em oficinas logo dominarão a literatura de internet?
MCGURL - É tentador pensar que a internet democratiza a literatura, que ter um diploma, ter contatos não sejam mais importantes. Mas o problema da internet é: quem vai prestar atenção ao que aparece, com tal volume de informações? Ainda haverá quem nos conduza a alguns sites e não a outros. Um "romance Twitter" de Thomas Pynchon eu leria -só não sei se seria bom.
Folha de S. Paulo, 16.08.2009
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