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 A APOTEOSE ESTÉTICA DE HUGO CABRET

Miguel Carqueija

 

 

“Se a lenda for mais bela que a realidade, escreva-se a lenda.”

(ditado popular)

 

 

Resenha do filme “Hugo” (no Brasil: “A invenção de Hugo Cabret”) – EUA, 2011. Direção e co-produção: Martin Scorcese. Adaptação do livro de Brian Selznick. Música: Howard Shore. Fotografia de Robert Richardson (Oscar de 2012). Roteiro: John Logan.

Elenco: Asa Butterfield (Hugo Cabret), Chloë Grace Moretz (Isabelle Méliès), Ben Kingsley (Georges Méliès), Sacha Baron Cohen (Inspetor da estação), Jude Law (Cabret, pai), Chrstopher Lee (Monsieur Labisse), Ray Winstone (Claude Cabret), Emily Mortimer (Lisette), Helen Mc Crory (Madame Méliès), Michael Sthurbare (René Tabard).

 

         Poucos filmes em toda a história do cinema podem ser comparáveis a este “Hugo” que, rodado em 3D, é primoroso em fotografia, cenários, figurinos, na história tocante e emocionante, nas interpretações, na mensagem edificante. Estamos diante de uma obra-prima do cinema de arte, uma dessas películas perturbadoras que nos marcam pelo resto da vida.

         No cenário de formigueiro humano da estação central do metrô de Paris, que não era apenas uma estação ferroviária mas um ponto de encontro – em cafés, livrarias, estabelecimentos diversos inclusive uma loja de conserto de objetos mecânicos como relógios e brinquedos, acompanhamos o drama pungente do menino Hugo Cabret, de onze anos, órfão de pai e mãe, que vive clandestinamente dentro do imenso sistema do relógio, sendo ele mesmo quem dá corda no sistema, após o desaparecimento de seu tio, o relojoeiro Claude, um bêbado inveterado.

         Mas nem sempre Hugo viveu assim. Mesmo órfão de mãe ele era feliz com seu pai, funcionário de museu, até o dia em que este morre vítima de um incêndio. Obrigado a acompanhar o rude tio, única “família” que lhe resta, apenas leva consigo o pequeno e desativado robô que, encostado sem uso no museu, fôra trazido para casa por seu pai. Este robô será a chave para o que irá acontecer.  Pois o tio beberrão logo desaparece, morrendo afogado no Sena, e o pequeno Hugo, tirado que fôra da escola, vê-se agora sozinho no esconderijo, tendo apenas a companhia do autômato, vivendo do furto de alimentos pela estação repleta de gente e de negociantes, fugindo do obstinado policial com perna mecânica sempre acompanhado por um doberman esquisitíssimo e sôfrego para mandar meninos sem lar e gatunos para o orfanato. São fascinantes as cenas que mostram como Hugo desfruta de vistas privilegiadas da estação, e de Paris afora, inclusive a Torre Eiffel. A reconstituição de uma Paris charmosa dos idos de 1930 é fascinante e primorosa.

         A maneira como Hugo acaba por travar conhecimento com o esquecido cineasta Georges Méliès, pioneiro do cinema e mestre da fantasia, e com sua esposa, é comovente. Méliès estava afastado de atividade desde a Primeira Guerra, que arruinara o seu estúdio; seus filmes haviam se perdido e ele agora sobrevivia no metrô, consertando brinquedos e relógios. De início ele não gosta do menino que tentara furtar uma de suas ferramentas, necessária para o conserto do homem mecânico. A chave para o entendimento entre os dois será Isabelle, a doce e gentil filha adotiva do casal, órfã como Hugo. A amizade entre Hugo e Isabelle comove e edifica, é muito pura e espiritual. As interpretações de Asa Butterfield e Chloë Grace Moretz são exemplares e valorizam muito a película. Encantadoras as cenas em que eles aparecem juntos, numa comunhão de objetivos e sentimentos. Os demais atores estão de modo geral excelentes, inclusive Ben Kingsley no papel seminal do velho e desiludido cineasta e Chrstopher Lee como o livreiro Labisse.

         Recomendo “A invenção de Hugo Cabret”, pela qualidade da história, da direção, da produção, fotografia, cenários e personagens, como um dos melhores filmes de todos os tempos.

 

 

Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2015.