A AGENDA  MÁGICA

 

                                                          PARA  ELZA

 

 

                                         CUNHA E ASILVA FILHO

 

          Era uma agenda diferente, entre o sonho e o sono. No entanto, tinha algo que me chamava por demais a atenção: a sua brancura, a sua luminosidade  de  forma tão  intensa que doía na minha vista. Era um clarão  como  um olhar um  sol   a pino  num verão carioca  de mais de quarenta graus.   Que agenda exótica! Ela estava  colocada numa prateleira  de  uma das minhas estantes,  na parte que dá espaço depois da organização dos livros. Em comparação com as outras agendas que tive, ou melhor, que ganhei  de presente (já que, por sinal,   nunca comprei  nenhuma agenda pra mim  na vida) nos dias  festivos de final de ano,  essa agenda era algo quase impalpável.

        Ali estava naquela estante da sala, a agenda impressa (sim, sei que era impressa) que surgiu ali   de repente e se mostrava pra mim  como se fosse uma pessoa  viva desejosa de que eu a examinasse e  a folheasse em cada página   com aquelas  divisões  de praxe: os meses em três  idiomas, os números de dias,   uma mapa-múndi,  uma mapa em que aparecia só  o Brasil verde-amarelo,  os espaços destinados  às anotações  à semelhança de diários,  enfim,  uma agenda  como tantas que   se espalham  por aí, quer nas papelarias,  quer, já compradas,  nos  diversos  lugares  ( ou lares) nos quais por ventura se encontrassem.

     Eu a chamei de mágica  em razão  do inusitado    encontro meu com ela  naquela prateleira   mencionada linhas atrás. Nem mesmo sei por que foi se alojar ali,  com aquele brilho todo,  a luz  intensa, aquele clarão   em torno  dela  ofuscando a minha vista e  ao mesmo tempo   me deslumbrando  por   tê-la encontrado  ali. Como foi surgir ali? Não me recordo   quem pudesse tê-la levado pra aquele  canto  cercado de livros e de lindas lombadas. Oh, aqueles livros queridos e amados por toda a vida! Uns dois ou três velhíssimos, do tempo do Brasil  Império.

     Até agora, não posso atinar   quem seja o verdadeiro  dono daquela  agenda  luminosa. Quem seria? Decerto  não era minha. Por que  se exibiu ali  num piscar de olhos? Me lembro de que ainda estava deitando na cama  de manhã bem cedinho quando me veio  à lembrança  um tanto difusa  a imagem da agenda mágica.   O pior é que, ao lado da agenda mágica, havia uma agenda impressa bem  simplória, do mesmo tamanho   que teimava em aparecer  ao lado da agenda  mágica. Que confusão  pra minha  mente agora  que agora  não sabe se tudo fora um  sonho ou se era verdadeira, concreta,  aquela agenda ofuscante  de tanto brilho   lembrando   raios laser  cortando, em movimentos pra cima de pra baixo,   o espaço   de uma tela  de cinema.

       Não nego que  gosto de agendas impressas,  da mesma forma que ainda  me fascinam  os cartões de Natal  impressos  e com belas mensagens  de final de  ano. Tenho  várias  de diversas épocas, todas  anotadas  com certa  confusão  espacial  e  falta de cronologia. Nunca fui uma pessoa muito  organizada  com  papéis e impressos. É defeito de nascença.  Não term jeito de consertar.    Por outra lado, nunca me atraíram  as agendas  eletrônicas. Tenho-as no  meu celular, no meu computador,  porém  ali ficam   virgens pra sempre.

     Volto para a agenda mágica, junto daquela outra impressa,  cuja presença não sei  explicar.  Vejo ambas e não  sei por que  insistem  em  sem mostrarem  uma ao  lado de outra. Levanto-me da cama,   vou direto à sala. Qual não foi  a minha surpresa! Vejo que só agenda luminosa  se encontra na prateleira.

         A outra que   aparecia junto dela  se evanesceu. O que eu pensava que era a verdadeira  não era. Nem parecia somente uma ilusão de ótica.  Entretanto,  a agenda mágica ali estava me atraindo pra junto  de si, como a me pedir que a examinasse toda,  em todos os seus   detalhes: a textura do papel,   a cor  da página,  os números,  os meses, os anos,  os outros  itens  comuns  a uma agende  que se preze. De inopinado, tive a sensação de que aquela agenda  era minha. Mas  quem a deu pra mim? Que eu me lembre, ninguém  me falou  que  era um presente de um amigo,  de um filho, de um parente,  de um não sei o quê. Ora,  essa sensação de que aquela magia de  agenda  fosse minha me exultava, me deixava mais leve,  menos tenso. Sim.  Seguramente  era minha, sim.  

  Comecei a examinar  novamente  todo aquele encanto e formosura de agenda.  A luminosidade   quase a  me cegar os olhos  curiosos  e  ávidos  de   ter a certeza  de que  era minha e de não  mais ninguém.  Quando  me levantei da cama e  fui pra sala, não havia nenhuma outra pessoa  já acordada. Todos ainda dormindo  naquela  manhã que mal  iniciava. De repente, alguém  veio por detrás de mim e disse:  “É minha.”