Mal chegamos e nos sentamos, e lá vem ele, zumbindo, fagueiro, metendo-se entre nossos cabelos, arriscando-se a levar um peteleco ou, quem sabe mesmo, ser esmagado.
     Com paciência, nós, na cabeça de quem se havia instalado, gentilmente, fizemos uma concha com a mão, apanhamo-lo e o soltamos no ar. Voltamos ao papo que ainda nem havíamos iniciado direito, despreocupando-nos da figura de asas.
     Bebidas pedidas, petiscos a caminho, e o danado, de novo, em uma de nossas cabeças. Seria ainda um bebê brincalhão? Com frio não poderia estar, haja vista que a temperatura superava os trinta graus.
     Nosso filho, um tanto incomodado, pois, dessa vez, foi sobre os cabelos dele que pousou e fincou as patinhas, quis arrancá-lo à força, ainda que em detrimento da perda de alguns fios. A mãe, levantando-se, calmamente, com um lenço, retirou-o de lá e o levou para um lugar longe de nós.
     Os petiscos estavam chegando e o cardápio foi requisitado para que escolhêssemos o almoço.
     Esquecidos do nosso visitante teimoso, a princípio, nem percebemos que pousara em um ponto mais distante da mesa. Só poderia ser ele: amarelo-mel com listras pretas, pequenas asas e com jeito preguiçoso. Nem lhe demos bola, entretidos com os tira-gostos e com a conversa que corria solta. Por pouco tempo permaneceu lá. Talvez se sentindo rejeitado, levantou voo e desapareceu. Interessante é que, de repente, paramos com nosso papo e passamos a discutir sobre o insistente visitante. 
     Um de nós lembrou de que havia lido ou ouvido, que os anjos, inclusive os de guarda, entidades que nossos pais e avós, crentes, nos mandam respeitar e para eles rezar pedindo proteção, costumam visitar-nos disfarçados de diferentes tipos de imagens, seres ou sensações. Uma brisa que, repentinamente, surge do meio do nada e nos refresca; aquela nuvem da qual não conseguimos tirar os olhos de tão diferenciada ou bela como se apresenta; um cheiro de perfume estranho ou inusitado. Por que não poderia ser o anjo de quaisquer de nós que queria estar conosco, travestido naquela figurinha gorducha e olhuda?
     Outro, mais cético, brincou dizendo que, certamente, um anjo não se encontraria com seu protegido na mesa de um bar, a não ser que gostasse de uma cervejinha gelada ou de um naco de carne de sol.
Anjo ou não, fato é que o animalzinho voltara e somente não foi parar na boca de mamãe porque ela percebeu a tempo que havia algo nadando em seu refrigerante. Servindo-se de uma colher, retirou-o da taça e o deixou em cima da mesma colher, em um lugarzinho ao sol, na outra extremidade da mesa.
     O churrasqueiro que nos estava servindo, percebendo que aquela, colher lá longe, separada do restante dos talheres, provavelmente, estava ali porque nela se encontrava um bichinho encharcado, entendeu que deveria substituí-la. Batendo com ela no canto da mesa, fez o animalzinho cair e a levou consigo.
     Apesar de não havermos gostado da atitude do profissional, não reclamamos de sua providência. Nosso filho até disse: se era seu anjo da guarda, irmã, o Criador viu que não foi você quem o rejeitou. Rimos.
     Alguns minutos depois, mamãe resolveu trocar o refrigerante por uma cajuína e deixou o restante não consumido no copo, que afastou um pouco para o lado, a fim de que o garçom o recolhesse. Segundo ela, ato involuntário a fez dar uma olhada no copo que descartara. Foi então que viu o persistente e teimoso inseto alado boiando no copo. Não se mexia. Tudo levava a crer que havia morrido. Ainda assim, com muita calma, e dessa vez sem receio de ser picada, pois cria que o bichinho morrera, com a ponta do dedo introduzido no continente, pegou a criaturinha e tentou colocá-la sobre a mesa. Descobriu, não só que estava viva, como que ela não queria soltar-se do dedo de quem o salvara mais uma vez. Parecia pedir-lhe socorro. 
     A despeito do medo ou asco que sentia de seres como aquele, não se desesperou nem fez nada que pudesse prejudicá-lo. Pegou um guardanapo de papel e enrolou o dedo em que estava ele, de modo a secá-lo. Virando-se para nós com o animalzinho grudado no dedo, mamãe falou: seria isto um anjo ou apenas uma abelha suicida?
     Demonstrando, então, uma pressa inexplicável, a danada alçou voo e sumiu de nossas vistas.
Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal e escritor piauiense ([email protected])