Bateria de poemas de Kleber Lima
Em: 21/02/2021, às 19H57
Poemas do Livro “Poemas I” de 2016, Editora Penalux.
1*
Não há lugar
a não ser você ou eu.
Desapropriada a dor
um deserto se instala
progride sobre nossos corpos
irreversivelmente;
como lagartos
precipitamos no arenoso,
em busca da umidade,
manter o escasso
o nível exato do ávido
ou aumentar o estoque
o make me a mask antitédio
através das sucções cactáceas
do beijo
da desova lírica
desses blocos de ácido no peito
somos derivados
salvos, contudo,
por essas parênquimas aquíferas
absintando nossas feridas
por esses sumos sem rumo
recheados de carne ofídica
o amor goelabaixo
o amor goelabaixo
o amor goelabaixo
entre nossos caninos dentes
também dá samba.
(Kleber Lima)
*Títulos numerados conforme publicação original.
2.
Guardo teu silêncio
está entre meus dedos, mordendo-os, está
entre minhas pernas, em meio a tantos focos de incêndio,
está debaixo da minha língua
confabulando um mudo definitivo
pelos pavilhões da saliva
está ávido, as mãos rondando meu pescoço,
víbora convulsa
[quando eu engasgar
com meus olhos dentro dos teus...] e sim e sim,
as paisagens abertas com violência
pousadas epilepticamente nesta falta de ar
imbuídas de cachaças & transes & escória
comigo caído
contíguo à minha boca cheia de feridas
com a perna dobrada sobre a minha
com os mamilos modelando o movediço
dos esgostos
teu silêncio tão importante para mim
teu silêncio silêncio silêncio
mastigo forte
aperto forte
entre meus dedos
eu vacilo
com todas essas farpas debaixo das unhas
com todas essas guaridas escombradas de súbito
e depois que passa
matilha que uiva contra constelários
gatilhos marcialmente acionados
“crash! crash! crash!”
eis exultante explosão de miolos
expostos sorrateiramente em milk shakes
quando o último jornal anuncia:
“trata-se de um coração-iceberg que ama playgrounds”
passe, passe o tempo
zig-zagueando pelo único brinquedo disponível:
um Triturador Industrial Shredder 19-3405-3420
- são estas tuas paisagens mais bonitas.
(Kleber Lima)
*Títulos numerados conforme publicação original.
12.
Agora ela está aqui
bem perto de mim, me olhando
como na primeira vez que nos vimos
e depois de ter me deixado
me virado as costas
sido cruelmente fria
ela está enroscada em mim
se arregalando, sem cerimônia,
me bolinando com os enormes seios
desdenhando meu pau mole
agora pouco me deu um safanão,
me atirou um copo cheio de cerveja na cara
destruiu minhas anotações sobre San Juan de La Cruz, Hölderlin &
Dino Campana
gritou odiosa que não me amava
invencível
estamos sempre terminando
sempre começando
por um fio ou um filho
eu sempre me deixo levar
por essas incandescências da pele
que acionam montanhas-russas
que acionam quebra-cabeças
que obscurecem mundos interiores
como a vez que ela
me viu vadio pela rua
e segurou minha mão,
(tremia, tremíamos
nenhum poema entre nós)
numa noite tão especial
debaixo de um doce sereno
escolheu “Fly me to the moon”
como nossa canção
e abriu bem aberta as pernas
me oferecendo
- sem previsão de fim de temporada -
a hospitalidade de uma casa em chamas.
(Kleber Lima)
*Títulos numerados conforme publicação original.
13
Acalmar-se dentro de um vespeiro
como entre os mais felpudos seios
e não sair por nada
entre grana & granadas
nada me tira daqui
desse andar incendiado
desse iminente naufrágio
minha travessia no mundo
- Bom é andar com a camisa desabotoada
mostrando as feridas do peito -
Eu gosto daqui
não como Budapeste Tel Aviv Abissínia ou Teresina
eu gosto daqui
não como Capadócia Santa Maria Parságada ou Dietilamida
não tenho que sair daqui não
adoro o músico de costas para o público
sobrevivendo dos decibéis de sua própria voz
cravando os dentes em sua amarga carótida
adoro o poeta sem rosto
eletrocutado centenas de vezes ao dia
pois em meio a sua mais densa baba
é despertado pela musa mais amada
com um ardente beijo antimelancolia.
Aqui respiro fundo, tão profundamente
que o mundo inteiro me sente
e eu, em mim mesmo, me exercito tanto
que meus próprios dentes
praticam shiatsu aikido tango
leve como uma folha caindo da árvore
leve como uma semente que o vento dispersa
Mas um dia eu aparecerei por aí
- da mesma forma que aparecia nos quintais
da minha vó -
nu & balançando as genitais
pois dia e noite me preparo até doer
para entrar neste desfile Prêt-à-porter
- caralhudo & desdenhando a lógica dos atalhos -
serei o mais belo top model
entre uma legião de espantalhos.
(Kleber Lima)
*Títulos numerados conforme publicação original.
Os próximos poemas são inéditos (alguns publicados em redes sociais), a serem ainda publicados em livro no final de 2021, se ainda existir um mundo. Provavelmente, o título será: “A língua dos corvos”.
1
Estive naquele mundo.
No escalavrado do dia a dia
olhos cor-de-andaime
balançando na abrasiva tempestade
durante duras lições.
Naquele mundo que girava
com suas afiadas hélices de avião
eu ia e vinha,
nascia e morria,
meus pedaços estrebuchados
espalhados como estrelas
por todo o céu
refletidos num espelho troll
se assemelhando a feras, labaredas, mandingas
de intragáveis quebra-cabeças
entramados num transe fantasmagórico
para esmurrar o mundo
definitivamente lá no fundo -
preparar meu anonimato.
(Kleber Lima)
2
Eu apreciaria colocar minha cabeça para fora da janela e, por um momento, sentir o vento forte extraviando meus cabelos e bochechas.
Ao invés disso enfio a cabeça no meio das palavras - abrigo barato de beira de estrada - no qual posso esquecer a angústia por não menos do que nada.
Invisto todas as minhas forças neste poema que me recebe como se fosse a boca de um jacaré sedado que a qualquer momento pode despertar e me mastigar como se eu fosse um biscoito de sal.
Invisto todas as minhas forças neste poema como quem vasculha o bolso molhado da camisa em busca de um pedaço de papel onde havia anotado um endereço importante.
É tão simples perder a cabeça e não mais encontrá-la.
É tão simples ficar à deriva e agarrar dois esboços de mãos.
Esse é um poema que percorre milhares de quilômetros e não sai das minhas mãos, esse é um poema que vai até o mais alto e não passa da minha cabeça, esse é um poema que vai até onde ninguém vai e é onde estou.
(Kleber Lima)
10
Os cavalos começam a correr.
Balançam minha cabeça.
Sacodem meu coração.
Em seus fortes lombos,
a doce bagagem extraviada,
segue terrestre e profundamente,
despachada na corrente sanguínea
até para fora da realidade.
- caem sobre dois olhos que brilham -
brilham como duas velinhas obstinadas
acesas por dentro da mais ampla escuridão.
(Kleber Lima)
14
Eu queria estar dentro do último gole da última noite de um velho sifilítico que conversa consigo mesmo em tom de oração.
Eu queria estar dentro do punho fechado do pugilista antes de socar com toda força a parede, e se tornar, logo depois, campeão mundial de boxe.
Eu queria estar dentro da praia infernalmente quente percorrida por uma única pessoa que consegue extrair do silêncio poderosos segredos.
Eu queria estar dentro da saliva do neonazista no exato momento em que cospe sangue depois de violentamente atingido por um humanitário irado.
Eu queria estar dentro da mordida desesperada de uma inocente gazela em um leão faminto que a devora no meio da savana africana.
Eu queria estar dentro da célula cancerígena implodida por poderosos antídotos recém descobertos por cientistas visionários.
Eu queria estar dentro do fracasso do homem perdidamente lúcido e que escuta “Suzanne” de Leonard Cohen repetidas vezes no boteco de um amigo de infância.
Eu queria estar dentro das tribos indígenas dizimadas pelo interesse econômico e que, a muito custo, mantém viva sua cultura e sua língua.
Eu queria estar dentro do breu negro endurecido e tóxico proveniente do rompimento das barragens das mineradoras, no momento em que uma família ainda pode ser resgatada com vida.
Eu queria estar dentro da briga de um casal que se ama e que acabou de se machucar em longas discussões inúteis e logo depois se tornaram indispensáveis um para o outro.
Eu queria estar dentro do prestes a cair, prestes a quebrar, do que vai em poucos segundos acabar de uma vez por todas.
Eu queria estar dentro do poeta bastante cansado que não tem mais nada para escrever, mas escreve sem parar, por não ter nada a dizer.
(Kleber Lima)
18
Aprendi a ir bem longe
escutar a melhor música das que ouvi.
sussurrar trechos
do poema que me deixou nu
desde a adolescência.
atravessar a ponte da irmandade
entre o que respiro
e o vento forte que vem do mar.
Um lugar vazio que se mexe
por todos os espaços
uns dizeres bruxuleantes
“daqui não se passa”
ressoam de cada célula
como uma parede elétrica
contra a qual pássaros se chocam
e caem dentro do meu sangue
atraídos pelo brilho combustivo
da maior solidão
do tamanho dos maiores braços
até ao sol -
e a todo momento se dilata:
porta de saída também a de entrada.
(Kleber Lima)
19
Depois de despejado é que comecei a adentrar a casa.
E indo cada vez mais dentro, largo e comprido era pra fora.
A total escuridão brilhava como nunca nenhuma luz.
Quando ancorado, eu saía para todos os lugares.
Quando esgotado, minha fonte só enchia.
Os calços que se punham ao pé das vitórias
eram de maciços fracassos.
E de tudo o que de mais lindo escutava
era dito por um boca muda
que de vez em quando se abria.
Meu próprio coração me devorava
e com metade do que me restava
já não dava conta da imensidão que me abrangia.
(Kleber Lima)
Minibiografia: Kleber Lima. 1984. Natural de Teresina. Publicou "Poemas I" pela Editora Penalux, em 2016.