Bateria de poemas de Kleber Lima

Poemas do Livro “Poemas I” de 2016, Editora Penalux.

1*

 

Não há lugar
a não ser você ou eu. 
Desapropriada a dor
um deserto se instala
progride sobre nossos corpos
irreversivelmente;
como lagartos 
precipitamos no arenoso, 
em busca da umidade,
manter o escasso
o nível exato do ávido
ou aumentar o estoque
o make me a mask antitédio 
através das sucções cactáceas
do beijo
da desova lírica
desses blocos de ácido no peito
somos derivados
salvos, contudo, 
por essas parênquimas aquíferas
absintando nossas feridas
por esses sumos sem rumo
recheados de carne ofídica
o amor goelabaixo
o amor goelabaixo
o amor goelabaixo 
entre nossos caninos dentes
também dá samba.

(Kleber Lima)

*Títulos numerados conforme publicação original.

2.

Guardo teu silêncio

está entre meus dedos, mordendo-os, está

entre minhas pernas, em meio a tantos focos de incêndio, 

está debaixo da minha  língua 

confabulando um mudo definitivo

pelos pavilhões da saliva

está ávido, as mãos rondando meu pescoço, 

víbora convulsa

[quando eu engasgar

com meus olhos dentro dos teus...] e sim e sim,

as paisagens abertas com violência

pousadas epilepticamente nesta falta de ar 

imbuídas de cachaças & transes & escória 

comigo caído 

contíguo à minha boca cheia de feridas 

com a perna dobrada sobre a minha

com os mamilos modelando o movediço

dos esgostos

teu silêncio tão importante para mim

teu silêncio silêncio silêncio

mastigo forte

aperto forte 

entre meus dedos

eu vacilo

com todas essas farpas debaixo das unhas

com todas essas guaridas escombradas de súbito

e depois que passa 

matilha que uiva contra constelários

gatilhos marcialmente acionados

“crash! crash! crash!”  

eis exultante explosão de miolos

expostos sorrateiramente em milk shakes

 quando o último jornal anuncia:

“trata-se de um coração-iceberg que ama playgrounds”

passe, passe o tempo 

zig-zagueando pelo único brinquedo disponível:

um Triturador Industrial Shredder 19-3405-3420  

- são estas tuas paisagens mais bonitas.

 

(Kleber Lima)

*Títulos numerados conforme publicação original.

12.

 

Agora ela está aqui

bem perto de mim, me olhando

como na primeira vez que nos vimos

 

e depois de ter me deixado

me virado as costas

sido cruelmente fria

 

ela está enroscada em mim

se arregalando, sem cerimônia,

me bolinando com os enormes seios

desdenhando meu pau mole

 

agora pouco me deu um safanão,

me atirou um copo cheio de cerveja na cara

destruiu minhas anotações sobre San Juan de La Cruz, Hölderlin &

Dino Campana

gritou odiosa que não me amava

invencível

 

estamos sempre terminando

sempre começando

por um fio ou um filho

eu sempre me deixo levar

por essas incandescências da pele

que acionam montanhas-russas

que acionam quebra-cabeças

que obscurecem mundos interiores

como a vez que ela

me viu vadio pela rua

e segurou minha mão,

(tremia, tremíamos

nenhum poema entre nós)

numa noite tão especial

debaixo de um doce sereno

escolheu  “Fly me to the moon”

como nossa canção

e abriu bem aberta as pernas

me oferecendo

- sem previsão de fim de temporada -

 a hospitalidade de uma casa em chamas.

 

(Kleber Lima)

*Títulos numerados conforme publicação original.

13

 

Acalmar-se dentro de um vespeiro
como entre os mais felpudos seios
e não sair por nada
entre grana & granadas
nada me tira daqui
desse andar incendiado
desse iminente naufrágio
minha travessia no mundo

- Bom é andar com a camisa desabotoada
mostrando as feridas do  peito -

Eu gosto daqui
não como Budapeste Tel Aviv Abissínia ou Teresina
eu gosto daqui
não como Capadócia Santa Maria Parságada ou Dietilamida
não tenho que sair daqui não
adoro o músico de costas para o público
sobrevivendo dos decibéis de sua própria voz
cravando os dentes em sua amarga carótida
adoro o poeta sem rosto
eletrocutado centenas de vezes ao dia
pois em meio a sua mais densa baba
é despertado pela musa mais amada
com um ardente beijo antimelancolia.

Aqui respiro fundo, tão profundamente
que o mundo inteiro me sente
e eu, em mim mesmo, me exercito tanto
que meus próprios dentes
praticam shiatsu aikido tango
leve como uma folha caindo da árvore
leve como uma semente que o vento dispersa


Mas um dia eu aparecerei por aí

- da mesma forma que aparecia nos quintais

da minha vó -

nu & balançando as genitais

pois dia e noite me preparo até doer

para entrar neste desfile  Prêt-à-porter

- caralhudo & desdenhando a lógica dos atalhos -

serei o mais belo top model

entre uma legião de espantalhos.

    (Kleber Lima)

*Títulos numerados conforme publicação original.

Os próximos poemas são inéditos (alguns publicados em redes sociais), a serem ainda publicados em livro no final de 2021, se ainda existir um mundo. Provavelmente, o título será: “A língua dos corvos”.

1

Estive naquele mundo.

No escalavrado do dia a dia

olhos cor-de-andaime

balançando na abrasiva tempestade

durante duras lições.

Naquele mundo que girava

com suas afiadas hélices de avião

eu ia e vinha,

nascia e morria,

meus pedaços estrebuchados

espalhados como estrelas

por todo o céu

refletidos num espelho troll

se assemelhando a feras, labaredas, mandingas

de intragáveis quebra-cabeças

entramados num transe fantasmagórico

para esmurrar o mundo

definitivamente lá no fundo -

preparar meu anonimato.

 

(Kleber Lima)

 

2

Eu apreciaria colocar minha cabeça para fora da janela e, por um momento, sentir o vento forte extraviando meus cabelos e bochechas. 

Ao invés disso enfio a cabeça no meio das palavras  - abrigo barato de beira de estrada - no qual posso esquecer  a angústia por não menos do que nada.

Invisto todas as minhas forças neste poema que me recebe como se fosse a boca de um jacaré sedado que a qualquer momento pode despertar e me mastigar como se eu fosse um biscoito de sal.

Invisto todas as minhas forças neste poema como quem  vasculha o bolso molhado da camisa em busca de um pedaço de papel  onde havia anotado um endereço importante.

É tão simples perder a cabeça e não mais encontrá-la.

É  tão simples ficar à deriva  e agarrar dois esboços de mãos.

Esse é um poema que  percorre milhares de quilômetros e não sai das minhas mãos, esse é um poema que vai até o mais alto e não passa da minha cabeça, esse é um poema que vai até onde ninguém vai e é onde estou.

 

(Kleber Lima)

 

10

 

Os cavalos começam a correr.

Balançam minha cabeça.

Sacodem meu coração.

Em seus fortes lombos,

a doce bagagem extraviada,

segue terrestre e profundamente,

despachada na corrente sanguínea

até para fora  da realidade.

- caem sobre dois olhos que  brilham -

brilham como duas velinhas obstinadas

acesas por dentro da mais ampla escuridão.

 

(Kleber Lima)

 

14

 

Eu queria estar dentro do último gole da última noite de um velho sifilítico que conversa consigo mesmo em tom de oração.

Eu queria estar dentro do punho fechado do pugilista  antes de socar com toda  força a parede, e se tornar, logo depois, campeão mundial de boxe.

Eu queria estar dentro da praia infernalmente quente percorrida por uma única pessoa que consegue extrair do silêncio poderosos segredos.

Eu queria estar dentro da saliva do neonazista no exato momento em que cospe sangue depois de violentamente atingido por um humanitário irado.

Eu queria estar dentro da mordida desesperada de  uma inocente  gazela em um leão faminto que a devora no meio da savana africana.

Eu queria estar dentro da célula cancerígena implodida por poderosos antídotos recém descobertos por cientistas visionários.

Eu queria estar dentro do fracasso do homem perdidamente lúcido e que escuta “Suzanne” de Leonard Cohen repetidas vezes no boteco de um amigo de infância.

Eu queria estar dentro das tribos indígenas  dizimadas pelo interesse econômico e que, a muito custo, mantém viva sua cultura e sua língua.

Eu queria estar dentro do breu negro endurecido e tóxico proveniente do rompimento das barragens das mineradoras, no momento em que uma família ainda pode ser resgatada com vida.

Eu queria estar dentro da briga de um casal que se ama e que acabou de se  machucar em longas discussões inúteis e logo depois se tornaram indispensáveis um para o outro.

Eu queria estar dentro do prestes a cair, prestes a quebrar, do que  vai em poucos segundos acabar de uma vez por todas.

Eu queria estar dentro do poeta bastante cansado que não tem mais nada para escrever, mas escreve sem parar, por não ter nada a dizer.

 

(Kleber Lima)

 

18

 

Aprendi a ir bem longe 

escutar  a melhor música das que ouvi.

sussurrar trechos 

do poema que me deixou nu

desde a adolescência.

atravessar a ponte da irmandade 

entre o que respiro 

e o vento forte que vem do mar.

Um lugar vazio que se mexe

por todos os espaços

uns dizeres bruxuleantes 

“daqui não se passa” 

ressoam de cada célula 

como uma parede elétrica

contra a qual pássaros se chocam 

e caem dentro do meu sangue

atraídos  pelo brilho combustivo

da maior solidão 

do tamanho dos maiores braços

 até ao sol - 

e a todo momento se dilata:

porta de saída também a de entrada.

 

(Kleber Lima)

 

19

 

Depois de despejado é que comecei a adentrar a casa.

E indo cada vez mais dentro, largo e comprido era pra fora.

A total escuridão  brilhava como nunca nenhuma luz.

Quando ancorado, eu saía para todos os lugares.

Quando esgotado, minha fonte só enchia.

Os calços que se punham ao pé das vitórias  

eram de maciços fracassos.

E de tudo o que de mais lindo escutava

era dito por um boca muda

que de vez em quando se abria. 

Meu próprio coração me devorava

e com metade do que me restava 

já não dava conta da imensidão que me abrangia.

 

(Kleber Lima)

 

Minibiografia: Kleber Lima. 1984. Natural de Teresina. Publicou "Poemas I" pela Editora Penalux, em 2016.

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