[Paulo Ghiraldelli Jr.]

O jornalista William Waack faz um bom programa no canal por assinatura Globo News. Proprietário de um repertório informativo superior ao da media dos bons jornalistas brasileiros, Waack conduz muito bem o seu programa, especialmente quando o tema é a política em um sentido estrito. Um seu convidado preferido é o professor da PUC de São Paulo e filósofo Luís Felipe Pondé, cujas teses não deixam de serem interessantes apesar de repetitivas. Pondé sempre insiste – e assim voltou a fazer no programa do domingo dia 17 de julho – que os modelos que temos para olhar a política são restritamente iluministas e modernos. Olharíamos a política segundo visões hegelianas e marxistas, fazendo narrativas que, explícita ou implicitamente, cobrariam dos agentes políticos uma participação política individual consciente e uma participação grupal mobilizadora. Pondé acredita que se tivéssemos outros pressupostos, seríamos mais condescendentes com sociedades como a China e mesmo o Brasil, que, segundo ele, possuem povos antes preocupados com o funcionamento de suas vidas cotidianas que com interesses de “fazer história”, no sentido esperado pelos revolucionários franceses ou americanos.

A tese de Pondé é fascinante. Dá o que pensar. Todavia, ela tem um pressuposto que Waack, como bom uspiano, viu como perigosa. De fato é perigoso, em um raciocínio filosófico-hipotético como o de Pondé, assumir de modo tão acrítico que a população chinesa e a população brasileira querem antes que as sociedades funcionem que qualquer outra coisa. Há pouca plausibilidade nessa assunção.

A filosofia pode funcionar sem a história. Aliás, ela nasceu com Platão para atuar contra a história. Mas o que ela não pode fazer, ao menos não impunemente, é pensar a despeito da história. A tese de Pondé faz exatamente isso. Ela parece pecar contra o que a história nos ensina.

Pondé acha que o marasmo social e político de nossa população, hoje, diante da corrupção política de nossos dias, é algo que talvez devesse ser tomado como normal – e até bom. Até aí, tudo bem, é uma tese pensável. Mas Pondé se confunde quando ele faz um amálgama entre o que ele espera que seja um novo modelo de análise política e o que ele avalia como sendo uma característica do brasileiro (e do Chinês). Ele pode desejar que um modelo de análise que não tenha pressupostos iluministas fabrique menos expectativas quanto à indignação (e mobilização) da população, mas ele não pode associar a isso, sem causar grande prejuízo à sua análise, a ideia de que com este instrumento de análise ele captaria, enfim, a melhor natureza do brasileiro, aquela consagrada na prática do chamado “jeitinho”. É aí que surge seu pecado.

Pondé deveria ficar com a ideia de sua abordagem menos calcada em uma perspectiva moderna, mas não deveria associar a isso qualquer poder – com um pé na metafísica – de nos dar uma explicação sobre o que é e o que não é o brasileiro. Ninguém mais faz isso. E isso não é estar além dos modernos, é, de certo modo, estar aquém!

Aliás, durante programa de TV que cito, os outros participantes fizeram falas que corrigiram Pondé. Ele ouviu, mas não raciocinou sobre elas. Os dados históricos dos outros participantes mostraram o alto grau de mobilização política e de indignação moral da sociedade brasileira. Eles falaram em um período curto, Pondé os desqualificou dizendo que ele gostaria de falar em narrativas de “longa duração”. Mas, os outros participantes poderiam invocar uma longa história para a China e mesmo uma história maior para o Brasil, e certamente iriam encontrar indignação popular e mobilizações espetaculares. Só isso já desmentiria a camisa de força do “jeitinho brasileiro”, que, inusitadamente, acabou sendo a natureza do brasileiro eleita por Pondé com verdadeira.

O que salta aos olhos quanto observamos o modo de Pondé pensar é que o seu conservadorismo doutrinário acaba sendo uma prisão tão grande – e talvez pior – que aquilo que ele trata como uma jaula da metodologia iluminista e moderna. Pois se, após se rebelar contra os pressupostos de uma visão moderna, ele tem de usar sua visão que se propõe libertadora, para terminar sua análise retratando o brasileiro como uma versão do tão falado “homem cordial”, herói da sociologia conservadora brasileira, para que tanto empolgação? Ora, se era para isso, ele não precisaria ter enchido tanto o peito. 

Afinal, é o homem brasileiro comum o “homem do jeitinho”? Essa é uma tese que não precisa de nenhuma sofisticação filosófica para ser lançada. Aliás, ela não precisa ser lançada. Ela está sempre indo e voltando e não tem qualquer outro atrativo senão o de ser uma boa caricatura para determinadas circunstâncias, mas não tem peso nenhum numa filosofia séria ou em uma sociologia que queira ir minimamente além do senso comum que fica aquém do jornalismo de tablóide inglês. Aliás, nos debates propostos por Waack, como nas atuais ciências humanas em geral, a última coisa que se faz necessário é alguma exposição sobre “o que é o homem brasileiro”. Não há mais serventia alguma para esse tipo de formulação.

© 2011 Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ