Por Bráulio Tavares

O episódio recente do bate-boca entre dois ministros do Supremo (“Vossa Excelência me respeite!” – “Vossa Excelência não pode dar lição de moral a ninguém!” – “Vossa Excelência não está falando com seus capangas no Mato Grosso!”, etc.) trouxe de novo à discussão um aspecto que deixa intrigado o cidadão comum: é possível insultar e agredir verbalmente uma pessoa, e ao mesmo tempo manter todo o decoro típico de um relacionamento formal?  Ao que tudo indica, em breve ouviremos pela primeira vez na TV a cabo do governo a frase histórica: “Vossa Excelência vá se f...”.


Os três pontinhos que encerram o parágrafo anterior são o X dessa questão.  Qualquer leitor mediano sabe a palavra a que eles correspondem, mas nenhum poderá me acusar de estar usando na minha coluna palavras de baixo calão, porque nenhuma delas foi usada.  O que eu fiz foi sugerir habilmente um contexto em que cabem somente certas palavras, e deixar a responsabilidade por elas para o leitor.


Tudo isto tem a ver com a existência da censura em nosso país.  É impossível uma cultura sem censura – citem-me um exemplo, por favor, porque desconheço.  Em todo lugar existe algo que é proibido dizer, fazer ou mostrar.  Aqui no Brasil, driblar a Censura é um esporte nacional.  Por exemplo, nas propagandas de cerveja na TV é proibido mostrar as pessoas bebendo a cerveja.  Eles enchem copos, lambem os lábios, derramam espuma, brindam, abraçam-se, roçam-se nos acidentes geográficos de Juliana Paes, mas cerveja que é bom ninguém pode beber, e não bebe.  Ninguém repara.


O que é isto?  Uma “contrainte”, uma restrição auto-imposta ou forçada de cima para baixo pelas autoridades.  Como dizer uma coisa, fazer todos perceberem que essa coisa foi dita, mas poder provar tecnicamente que não a disse em momento algum?   Nos tempos da ditadura militar, “O Pasquim” usava muito palavrão, e a Censura caiu em cima.  O que fizeram eles?  Substituíram os palavrões por asteriscos, e ficou tudo na mesma, porque todo mundo entendia: “Ora, vá tomar no (*)! – Meu camarada, você tem mais é que se (*)! – “Me disseram que ela está (*) com todo mundo de Ipanema!”  -- “Ora essa, você que vá pra (*) que (*)!”.  O uso foi tão banalizado que os próprios pasquineiros verbalizaram o proibido, criando a frase “Vá pra asterisca que asterisquiu!”, obra-prima de diplomacia, sutileza e escracho, que devia ser adotada em todos os espaços públicos brasileiros.  


A ritualização das funções políticas exige determinadas formas de tratamento (“Vossa Reverendíssima”, “Vossa Magnificência”, etc.) e faz tanto caso delas que é mais grave deixar de usá-las do que, usando-as, mandar o presidente, o desembargador ou o prefeito se f...  A manutenção do tratamento formal protege o falante, o qual sempre poderá alegar que ofendeu o interlocutor mas, mantendo o tratamento, não ofendeu nem o “egrégio tribunal” nem o “colendo conselho”.   E quem achar ruim que se asterisque