Uma das mais recentes invenções da linguagem cotidiana brasileira é o uso do “causar” como verbo intransitivo. A pessoa chega num lugar e vai logo avisando: “Gente, hoje eu quero causar!”.

Causar o quê? Não interessa. Causar é causar.

Causar impacto? Polêmica? Sensação? Tudo isso e um pouco mais. Causar discussão, causar problemas. Causar uma ótima ou péssima impressão. Causar alegria. Causar algum desgosto, causar constrangimento. Causar confusão, tumulto. Causar, e não se fala mais nisso.

Quem causa não precisa lutar por uma causa. Causas passageiras. O causador desencadeia, tira o cadeado. Do quê? Todo e qualquer cadeado. Quem causa não mede as conseqüências.

Causar hoje é causar amanhã também. Ninguém causa por acaso. Explicações causais não explicam esse novo causar. O jovem causa por definição. O artista causa por profissão. Os contadores de causos vivem causando.

Causal ou casual, o negócio é causar. Causar é um caso sério, mas nem tão sério assim. O causador causa de caso pensado. E causando, causa, sem comentários.

Provoca comentários. Antônio Abujamra é um causador, um criador de casos. Nelson Rodrigues causava. Guimarães Rosa passou a vida causando, discretamente. Cristo causou tudo. Deus, causa incausada. Causar é teatro, religião e didática. Um professor que causa é um bom professor.

Causar é o contrário da mediocridade, é o contrário da omissão, o contrário de ser apenas do contra. O causador, a causadora não estão aqui para cozinhar em fogo lento.

Se eu causo, tu causarás, e não adianta me acusar! Se ele causa, nós causaremos.

Toda criança saudável vive causando pela casa.

De manhã, a primeira coisa que o causador faz é causar em si mesmo. Causação geral, o dia inteiro, causar para valer, causar com tudo, causar até morrer.

No velório vamos causar. Pena? Alívio? Tanto faz e faz tanto. Quem causa na vida causará na morte, e para além. Do além causará relâmpagos e trovões. Ou em silêncio finalmente causará... espanto.

Ações causativas podem cansar os outros, mas o causador... ah, é incansável. Renova-se no próprio ato de causar. E quanto mais causa mais causar quer. O causador de causar não cessa. E ai dele se um dia não causar!

O causador, casado com uma causadora, faz do seu casamento ocasião de novos causares. Seus filhos causarão. Sua descendência.

Causar dá sorte? Azar? Não sei. Só causando para saber.

 

Gabriel Perissé é doutor em educação pela USP e escritor.