Dois fatos que aconteceram em minha rua, ou melhor, no trecho onde moro, há algum tempo, têm tornado estressante o convívio social: a chegada de uma vizinha estranha, de voz estridente e esganiçada, que passa finais de semana inteiros ouvindo música, invariavelmente, das que cantam desgraça, traição, fracasso ou baixaria. Escuta-as, repetidamente, em alto e péssimo som, sem ligar para ninguém. O outro foi a vinda de uma família pessimamente educada que, mesmo tendo em sua residência garagem interna coberta para cinco carros, prefere colocar os três que possui, dia e noite, estacionados no leito da rua e de modo peculiar: não em paralelo aos meios-fios, como seria menos mau, mas diagonalmente a eles. Ela reside no final da segunda quadra abaixo, tomando a minha como sendo a primeira, no cruzamento da nossa com outra rua movimentadíssima, que interliga duas avenidas de muito fluxo. Seus veículos, um caminhão três quartos, que, desde novinho, fica atravessado com a traseira, praticamente, invadindo a esquina; ao lado, um sedã grande e outro de menor porte, formando um ângulo de quase noventa graus com o leito de minha rua, e ocupando mais de uma pista, atrapalhando quem queira ou precise nela adentrar, vindo da direita ou da esquerda, ou dela sair para a rua que se lhe cruza. Uma raça tão má educada como aquela deveria morar longe de qualquer vizinho: quem sabe, no Saara.


 

     Falaram, dia desses, que em nossa rua vândalos estavam quebrando vidros dos veículos nela estacionados: mentira, lorota, pois os dos automóveis daqueles parlapatões continuam intactos, sem danos.


 

     Ando pensando em propor, não apenas ao meu ótimo vizinho, o do lado oposto ao da tresloucada figura que vive em constante estado de baixa estima, mas aos demais moradores do trecho, com os quais nem me dou, que, por algum tempo, copiemos o sujeito lá de baixo, ou seja, coloquemos nossos veículos, como ele faz, permanentemente, no leito da rua, atravessados, quase perpendicularmente aos meios-fios. No caso dos outros moradores, à exceção do aloprado da esquina, que não possui nenhum, os demais têm um vizinho de frente que, por sua vez, possui, pelo menos, um automóvel. É provável que quando todos fizermos como aquele folgado, fechemos a via pública, no que concerne às nossas quadras, ao tráfego normal, uma vez que ela não tem mais que oito metros de largura, que serão, praticamente, ocupados por nossos carros, dispostos transversalmente. Quem sabe, assim, as autoridades de trânsito se manifestem e tomem as providências, há muito cabíveis; se não baseadas em leis específicas, valendo-se do código municipal de posturas.


     A propósito, o que não falta é gente criando normas legais para tentar diminuir o tráfego de veículos nos logradouros públicos. Ontem, soube que nosso parlamento aprovara novas regras impondo penalidades mais severas a quem, no volante, envolver-se em acidentes com terceiras vítimas. Se sancionadas, passa a ser crime doloso até “acidente” de trânsito; bem como, mesmo quando isso for possível e sem qualquer risco, trafegar em velocidade considerada elevada, ainda que o condutor, historicamente, jamais haja se envolvido em acidente sério, antes. Lemos em algum lugar que um projeto de lei, caminhando para votação na câmara federal, quer que os veículos passem a dispor, obrigatoriamente, de um limitador de velocidade que não lhe permita ultrapassar, em mais de dez por cento, a máxima permitida nas rodovias brasileiras, devendo ficar em cento e vinte um quilômetros horários. É fato que os automotores estão mais rápidos, porém, mais seguros; boa parte dos acidentes não decorre do excesso de velocidade, o aumento do número de veículos nas vias públicas é outra causa. Em centros urbanos onde congestionamentos quase os impedem de trafegar também ocorrem acidentes. Chegará o dia em que será impraticável sair de casa conduzindo essa arma mortífera, o automóvel.


 

     Se me faltar coragem para fazer aquela convocação, tentarei outra providência: à revelia da família, que não quer confusão com a vizinhança, denunciarei a vizinha barulhenta à delegacia do silêncio; quanto ao aloprado lá da esquina, conversarei com ele e lhe pedirei que coloque na garagem, ou os estacione, adequadamente, os veículos que vêm atrapalhando quem precisa trafegar por nossa rua. Receio que não venha precisar de esse diálogo: diante de tanta ameaça legal, talvez seja mais lucrativo, para todos nós, logo, logo, vendermos nossos velozes e perigosos automóveis.

     Antônio Francisco Sousa – Auditor-Fiscal ([email protected])