[Maria do Rosário Pedreira]

Vi tanta gente a elogiar que não consegui resistir. E fiz bem, porque de facto não se deve morrer sem ter lido o norueguês Jon Fosse, dramaturgo, poeta e ficcionista, já comparado a  Ibsen e Beckett e, pelos vistos, muitas vezes pensado para o Nobel. A literatura nórdica (de que cá, infelizmente, se publicam praticamente só os policiais de sucesso internacional) tem destas surpresas e Manhã e Noite é seguramente uma delas. Assistimos antes de tudo ao nascimento de um menino, Johannes, cujo nervosíssimo pai é pescador, num lugar que imediatamente sabemos pobre e simples. E depois veremos acordar um Johannes velho e cansado, que já pouco pesca, viúvo, numa espécie de sonho em que tudo é estranhamente leve ou estranhamente pesado para então descobrirmos, como num novelo desfeito, o que foi a sua vida: os filhos, a pescaria, a forma como conheceu a mulher e como ela lhe morreu, a beleza do mar e o frio dos caminhos, o melhor amigo (Peter) que o salvou de morrer afogado e lhe cortava o cabelo para poupar dinheiro. Mas esse amigo também já morreu, embora lhe apareça nessa manhã com o barco cheio de caranguejos para vender no mercado e o conduza para o alto mar uma última vez, rumo à noite escura, como se o levasse de volta ao ventre materno. Muito bonito, não percam. A tradução é de Manuel Alberto Vieira.