Elmar Carvalho

 
Robson Wilson era considerado um excelente ator de teatro. Alguns diziam que ele seria o melhor artista teatral de Porto Alegre. Não fosse isso bastante, ainda escrevia as suas próprias esquetes e performances. Era convidado para os principais eventos cênicos da cidade. Atingiu o ápice de sua fama, quando arrebatou o 1º lugar do Festival de Monólogo Gaúcho, ao interpretar Discurso de um Louco, de sua autoria. Atualizado, lia crítica, monografias, ensaios, história e teses referentes à dramaturgia. Até andou escrevendo pequenos ensaios sobre essa arte. Renovador e criativo, procurava interpretar e escrever diferentes concepções teatrais, inclusive fez várias incursões pelo teatro do absurdo de Boal.
 
Militante da esquerda mais radical, resolveu criar, secretamente, uma performance em que iria interagir com as autoridades do palanque e o público, numa comemoração do Dia da Independência, fazendo o papel de um louco rebelde e libertário. Quando as autoridades menos esperavam, ele surgiu como um carapintada, com os cabelos desgrenhados, com as roupas esfarrapadas, sem lenço nem documento, sem que ninguém pudesse reconhecê-lo. Arrastava uma corrente presa aos pés e ostentava uma algema no pulso esquerdo, que girava sobre a cabeça, como se fosse uma chibata. Fez o mais grotesco, louco e libertário discurso que jamais se ouviu, bradando contra as autoridades no palanque, inclusive com palavras do mais baixo calão. Quando ameaçou atirar um pedra contra o governador, foi detido, e a algema foi fechada contra o outro pulso, prendendo-o de verdade. Como continuasse a vociferar contra o governo, a falta de liberdade e o sistema político, foi também amordaçado.
 
Embora posteriormente identificado como o grande ator gaúcho Robson Wilson, foi levado para o Hospital Psiquiátrico Dom Quixote. É que ele radicalizara, e continuou a encenar sua “peça invisível”, a contracenar com os circunstantes, inclusive médicos e policiais. Foi diagnosticado como tendo enlouquecido, e internado para tratamento. Quando, alguns meses depois, o reitor da Universidade Federal, acompanhado de um séquito de catedráticos em psiquiatria, visitou o Nosocômio, Robson Wilson entendeu que era chegado o momento de por um ponto final em sua peça. De maneira séria, focada, coerente, explicou ao reitor e aos psiquiatras que apenas fizera uma experiência teatral, e vinha improvisando um “teatro invisível”, em que interpretava um louco rebelde e libertário, encarnado em sua própria pessoa e dela indissociável, mas que era chegado o momento de retomar sua vida normal. Acrescentou que iria escrever um livro narrando essa experiência. O reitor e o diretor do hospital prometeram que seu caso seria reexaminado por uma equipe composta pelos mais eminentes catedráticos gaúchos, com a presença de formandos da Universidade Federal em atividade extra classe.
 
No dia marcado, no grande auditório do Hospital Dom Quixote, que se encontrava lotado, com a presença de professores, alunos, médicos, enfermeiros e convidados, Robson Wilson não resistiu, e resolveu apresentar a última esquete do seu “teatro invisível”, e enganar os renomados mestres da psiquiatria, fingindo ser, em autêntico virtuosismo, o louco que de fato não era. Ou era? Ficou para sempre encerrado, até sua morte performática, no Hospital Dom Quixote, embora jurando que tinha mens sana in corpore sano, e que apenas realizara, com virtuosismo e até as últimas consequências, o seu ideal de arte, o seu mais perfeito “teatro invisível”.