Videoclip
Por Bráulio Tavares Em: 17/01/2011, às 22H27
[Bráulio Tavares]
Começa na escuridão total, um riff hipnótico de guitarra, palheta rascando nos bordões, enquanto a câmara recua e revela estar no interior de um labirinto de encanamentos enferrujados, gigantescos – a escala é dada por um operário com macacão de sarja azul e máscara de ferro, soldando uma juntura e produzindo uma girândola de faíscas prateadas, pelo meio da qual a câmara passa à medida que emerge o pulsar profundo da bateria e o solo lancinante de guitarra distorcida. Começa um lento travelling vertical ao longo da parede descascada em tons de ocre e azul-de-metileno, com pichações (pichações, nas paredes de um duto subterrâneo!), corações partidos, rabiscos pornô, raios em ziguezague, caveiras de vampiro, frases soltas, “concha de tu madre”, “abajo los de arriba”, a câmara continua subindo e vemos a descida vertical de uma bola de ferro atada à ponta de uma corda, quando entra o vocal rasgando os primeiros versos, “Embaixo do mundo tem um mundo de medo, tem um monstro, um segredo, tem uma montanha maior do que o mar...”
A parede é explodida e por trás dela vê-se uma parede que parece de chapas de aço luzidio cheias de rebites, que também é explodida enquanto a câmara avança para a frente, e depois vem uma parede de rocha basáltica negra e luzidia, que também explode, e depois desta há uma enorme folha de papel pautado, uma carta, escrita com tinta azul desmaiada, caligrafia cursiva com letras em cirílico, e essa carta gigantesca também explode e revela atrás de si (enquanto o verso é repetido, e guitarras dobradas em terça agora se superpõem à voz) uma epiderme de poros gigantescos, pele viva e colorida que arfa e se agita, e agora embora a câmara pareça estar avançando a imagem recua e a pele é do seio de uma moça deitada, cabeça apoiada no antebraço, está deitada numa mesa de laboratório cheia de cacos de vidro, enquanto os versos falam em “lençóis de gelo, lençóis de óleo negro, com moedas de ouro cristalizado...”
Rufos de tambores, uma meia dúzia de bateristas poderosos rufando em conjunto enquanto os contornos de imagem se desmancham a cada pancada, tremendo como treme a água de um copo à aproximação de um trem. E é de fato um trem que se desloca, pois a mesa de laboratório está no interior de um vagão hermeticamente fechado, e as vidraças estão ocupadas por homens-morcegos descarnados que esmurram os vidros querendo entrar. Teclados pungentes, rascantes, recortam o coro de vozes cavernosas que anunciam: “nas escadas da Noite de Walpurgis, rolam corpos queimando sem parar”. O trem avança no corredor de um hospital imenso, e nas portas dos quartos enfermeiras e pacientes o veem passar trovejante, e se persignam. E na última janela do trem que se afasta um homem nu, descarnado, amarrado por correntes de ferro ao gradil do vagão, canta “ecoa, ecoa, por dentro das veias de qualquer pessoa”, e a câmara se aproxima de sua boca e é engolida para sempre.