[Maria do Rosário Pedreira]

O ser humano é, por natureza, curioso e acontece frequentemente, numa entrevista a um escritor, inquirir-se sobre a natureza autobiográfica da sua obra. Não interessa muito, na verdade, se o que lemos tem que ver com a vida do autor – e sabermos isso não muda muito o que sentimos com a leitura. No tempo em que eu era estudante universitária, caía-se até no exagero de não permitir uma análise da obra que recorresse à biografia do escritor, valorizando-se as interpretações formais e olhando-se o texto como entidade independente do seu criador. Mesmo assim, tenho a certeza de que, se Melville não tivesse trabalhado a bordo de uma baleeira, não teria escrito Moby Dick; que Primo Levi, não tendo passado o que passou em Auschwitz, nunca teria produzido uma obra como Se Isto É Um Homem; e ainda que o Dom Quixote – que é provavelmente o primeiro romance moderno – nunca seria o que é se Cervantes não tivesse tido a vida aventurosa que teve e que vale a pena conhecer em pormenor. Percebo que a obra não tenha de ser vista apenas como um reflexo da vida, mas, na maioria dos casos, se a vida não tivesse sido fascinante, ou horrível, os livros teriam sido seguramente diferentes